Oliveira Lima
AGRADECIMENTO AO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO PERNAMBUCANO POR MOTIVO DA ELEIÇÃO PARA SÓCIO BENEMÉRITO
Exmo. Sr. Presidente, Meus Caros Consócios e Amigos:
Diz um velho rifão português — os portugueses sempre primaram pelos conceitos judiciosos e precavidos em que se combinam a argúcia semita e o senso prático romano — que ninguém é profeta na sua terra. Não o é sobretudo quem o quer ser, pois que tal dom se não adquire, antes constitui uma dádiva de Deus, ou da Natureza, conforme quisermos apelidar aquilo que fica além do nosso conhecimento.
É verdade que por minha parle nunca aspirei a tal título, porque sempre me pareceu que devia ser sumamente difícil e até arriscado prognosticar ocorrências futuras. Se a espécie anda tanto em voga que os próprios poetas se fazem hierofantes, é que a atividade do ocultismo corresponde a uma necessidade premente da nossa alma, que se não contenta com as secas interpretações dos fatos mediante a enunciação das leis naturais.
Outra classe de paredros da corte celeste a que nunca fui tentado de agregar-me é a dos mártires.
Não quero descambar no meu campo favorito e fazer-vos uma preleção histórica, mas não posso deixar de mencionar tantas outras contendas: entre aristocratas regionais c um governador do Reino, resolvida pelo despacho forçado deste para a Bahia entre nobres da terra e mercadores de além-mar dando numa revolta; entre doutrinários da revolução, e interessados no domínio colonial, dando noutra revolução, a mais gloriosa de todas as que no Brasil ocorreram, porque a mais levantada de ideais e a mais liberal nos processos; entre legalistas constitucionais e constitucionalistas filósofos, originando a Confederação do Equador; entre cabanos e federais, fazendo derramar muito sangue e provocando muita pilhagem entre guabirus c praieiros, armando uma revolta já despida de grandeza moral e de alcance político.
E para nós aqui, pelo menos, se não fechou em 1849 o ciclo revolucionário, pois que de então para cá não entramos numa fase de calma, antes prosseguimos no nosso agitado destino.
Se não tivéssemos brigado tanto não teríamos tido ensejo para um instituto desta natureza, porquanto o que se entendia outrora pojfchistória era muito mais o que se fazia na guerra do que o que 9* fazia na paz. A obra pacífica era julgada obra de somenos: só a obra bélica produzia a glória, fito capital em moral política do anelo humano.
O Instituto Pernambucano teve a singularidade de chamar-se arqueológico, quando todos os outros eram denominados históricos. Numa terra sem arqueologia, sem esfinges e sem pirâmides egípcias, sem ágoras e sem acrópoles gregas, sem templos hindus e sem palácios assírios, apenas com tabas na sua pré-história e casas de taipa no seu passado artístico, a arqueologia interveio, decerto, na previsão das casas velhas onde teria de abrigar-se a instituição nas vicissitudes da sua própria história, não isenta de conflitos, e até, num momento dado, de uma duplicata como qualquer congresso estadual que se respeita.
Através de tais vicissitudes, ela tratou, porém, de conservar sempre aceso o facho do patriotismo e em freqüentes ocasiões não se furtou a entoar o hino da liberdade c do civismo, como um psalmo religioso, cujo encanto, por mais repetido que êle seja, nunca se esvai, nem se desbota.
Este, além dos trabalhos de investigação erudita — não para desprezar, bastando citar ao acaso os nomes dos fundad<jres Muniz Tavares, de José Higino, de Codeceira, de Pereira da Costa, de Alfredo de Carvalho, de Sebastião Galvão —, tem sido o papel do Instituto Arqueológico na sociedade pernambucana.
Pessoalmente se lhe devo amável incentivo nas primeiras horas da minha vida literária e faria recompensa neste momento em que a vossa generosidade transborda para coroar os meus esforços intelectuais, do modo mais honroso e mais brilhante.
Sem o Instituto Arqueológico que o Padre Muniz Tavares imaginou para perpetuar a tradição de 1817, da nossa única revolução que de fato merece semelhante nome, eu não teria recebido essa consagração que tanto mais me toca quanto parte de conterrâneos meus e tem lugar na minha terra.
Sem o Instituto não me teria sido dado o prazer delicado de ver minha obra literária, da qual a diplomática não foi mais do que um desdobramento, examinada com uma benevolência que não exclui o critério, com uma simpatia que não exclui a inteligência — predicados postos pelo Sr. Carneiro Leão na análise demorada, a um tempo gentil e sutil, de quanto escrevi ou produzi.
Creio que para um escritor não pode haver instante mais feliz, e desta felicidade eu vos sou devedor, meus caros consócios. Como poderei jamais esquecê-lo? Seria esquecer a própria felicidade cuja lembrança não estou longe de pensar que nos deve acompanhar na vida futura, pois que as malhas do tecido da memória são feitas de vaidade.
Ao tempo da Revolução Francesa, nos seus primeiros meses idílicos e fraternais, teve grande voga uma gravura representando os filósofos demolidores do século XVIII, Jearí Jacques Rousseau à frente, recebido nos Campos Elíseos, pelos grandes vultos do passado, desde Homero até o Dante. Vou jurar que as confabulações desses imortais não eram isentas desse pecado da vaidade, pecado muito literário e que eu classificarei entre os veniais, pois que todos nós sofremos dele.
O nosso Instituto já procurou, até para seu presidente, um alto dignitário da Igreja, prelado que tanta honra o clero, a piedade e a moralidade nacional, a fim de ter mais segura absolvição. Pela minha parte a busco, visto que não posso senão sentir-me em extremo desvanecido com esta recepção, a um tempo solene e afetuosa.
Sinto-me igualmente e profundamente reconhecido, e tal reconhecimento procuro traduzi-lo nestas palavras, sempre as mesmas, porque não diferem na essência, apenas no grau e no aspecto, o favor e a gratidão. O vosso favor foi máximo: máxima é também a minha gratidão.
Permiti apenas que particularize o nome do digno diretor do Ginásio, o Sr. Dr. Pedro Celso Uchoa Cavalcânti, que foi o orador oficial desta sessão magna e a cujas expressões mais do que benévolas sou em extremo sensível.
Agradeço também, especialmente, a presença aqui, que tanto me honra, do Exmo. Sr. Governador deste Estado, em quem tão bem se encarna o espírito vivaz, generoso e_ honesto dos nossos republicanos em 1817
Um discurso que se preza remata sempre por um voto, e não quero subtrair-me à regra tanto mais quanto esse voto é muito sincero na sua intenção e é digno do espírito desta casa. O Instituto Arqueológico constitui a associação mais representativa da intelectualidade pernambucana; à sua porta estacam as paixões do dia no espírito da sua fundação. Êle foi imaginado para celebrar recordações de rebeldia, mas na evolução natural do seu caráter deve encarnar, afinal, a tradição necessária da brandura contra a tradição obsoleta da violência.
O seu presidente, cm boa hora escolhido, é um arcebispo em quem se pode saudar o genuíno continuador da obra sã c elevada do Monsenhor Azeredo Coutinho; sua robustez física, que admiramos, reflete tão-sòmente seu vigor intelectual. Que o Instituto, sob a sua direção, se constitua, pois, no guarda naquela tradição de ordem: que seja essa sua missão social e lhe não caiba um mero papel de tíbia erudição. A nossa aspiração coletiva tem de ser a paz da arqueologia dentro do bulício da História.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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