IMAGENS SOLENES

jun 22nd, 2011 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

O grande impacto visual da mocidade foi uma sessão de Os Dez Mandamentos, de Cecil B. de Mille, no novo cinema Corbacho, que tinha feito uma reforma e estendido o mezanino até o teto, com poltronas logo abaixo do facho de luz da projeção. “Aqui é suave” disse alguém, para expressar a emoção e o deslumbramento das novas instalações, diante de um filmaço em cinemascope. O filme era tão comprido que imagino nunca ter saído dele e ainda estou lá, com amigos e as possíveis namoradas vistas de longe. Havia um intervalo para o guaraná, mas voltamos e permanecemos para todo o sempre, vendo o mar Vermelho se abrir e Charlton Heston descendo do Sinai transfigurado pela revelação das leis divinas. “Ele era o Moisés”, nos dizia o Gilberto Gick, sacando profundamente o ator que se transfigura no ofício e encarna o personagem de verdade.

As imagens tinham grandeza. Eram como um altar-mor permanente, com esculturas sagradas. Cenas bíblicas, como as de Fulvio Pennachi na nossa catedral Santana, nos levava para o alto. O toscano Pennachi ambientou Jerusalém na sua Italia perdida e foi assim que vemos Nossa Senhora no parto deitada numa cama rodeada de parentes, em casa com varandas que dão para campos de oliveiras, entre outras preciosidades. Tínhamos formação na solenidade visual . Os faroestes ou filmes de aventuras ou mesmo os grande musicais e comédias românticas nos repassavam esse esplendor para os olhos, pois políticos, religiosos, educadores, a tradição, a família queriam nos ver de olhos bem abertos para o fato grandioso de existirmos num mundo que girava em torno de uma estrela e navegava pelo espaço vestindo azul, como notou o primeiro astronauta, que também adicionou novas imagens espetaculares à nossa vida.

Mesmo folheando uma revista tínhamos a visão desse excesso. Tudo sobrava. As atrizes maravilhosas, com seu gênero bem definido pela volúpia das formas que encantavam nosso olhar, as fotos de cidades gigantescas, opostas à fronteira onde vivíamos. Mas Uruguaiana também não ficava atrás. Os arcos da ponte, o rio nas cheias, os campos infinitos, as torres da Igreja, as ruas e calçadas largas, eram os elementos desse acervo que nos pegava pela emoção de enxergar muito acima e além do que nos cercava. E se isso nos faltasse de alguma forma, bastava olhar para o céu estrelado, em qualquer estação, a grande lua amarela do verão, as rápidas luzes dos satélites cruzando enigmaticamente as constelações. E o por-de-sol nas águas do Uruguai. Além, é claro, dos amores de nossa vida que passavam na calçada pisando em nuvens e nos mantinham sob o jugo do amor jamais correspondido.

Hoje vejo a hegemonia das imagens vadias, tudo atirado de qualquer forma, as cenas repetidas dos filmes, a chatice dos apelos, a mesquinharia das danças. Perdemos essa noção de grandeza que nos encantava. Pelo menos para quem era foi garoto naquela época, e tudo parecia permeado pela esperança e pela transcendência.

Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana

One comment
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  1. mto bom

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