MIOLOS

abr 24th, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

Ter idéias é espremer a testa com rugas profundas e dar um piparote do indicador na cabeça. É também fazer cara de produção de pensamento, olhando significativamente para o nada. Morder óculos ou olhar para o interlocutor de baixo para cima, com um ar de divertido aborrecimento, também são expedientes que sugerem que somos bambas nessa arte de tirar coelhos da cartola.

A pergunta mais recorrente das entrevistas é sobre “essa coisa” de criar. Inventar parece ser mágica bizarra demais para o entendimento normal. Quando alguém diz que é o responsável por algo inédito, precisa enfrentar o tribunal. “Já vi isso em algum lugar. Foi teu professor que disse. De onde você copiou?” Falei com um empresário que jurava ter criado todos os seus produtos: “Meu filho passava um fax do Japão com o design”, dizia ele.

Por ser esdrúxula, a criação passou a ser artigo de luxo. Os espertalhões aproveitaram para faturar com bancos que não servem para sentar, mas funcionam maravilhosamente na prancheta ou nas fotos. O cérebro buscando caminhos seria então uma espécie de grife, com valor de mercado e não uma atividade do cidadão em sua plenitude.

Vimos o que aconteceu com Santos Dumont. Milionário livre em Paris, deixou-se envolver pela procura mundial de uma solução para levantar o mais pesado que o ar. Conseguiu, mas não patenteou seu invento. Dois anos depois de seu feito, dois fabricantes de bicicletas americanos mostraram a foto de um artefato catapultado para o abismo e que, segundo recentes testes, jamais teria condições de levantar voo.

Dumont foi incensado por décadas até que o Brasil envergonhado tomou conta do outro, o soberano. Foi quando venceu a versão adventícia. O Pai da Aviação acabou caindo na vala comum dos inventores brasileiros, como o Padre Landell de Moura, que teve seu laboratório de testes destruído porque mexia com raios e ondas e descobrira o rádio e o telégrafo sem fio antes dos outros. Sem falar no padre Francisco João Azevedo que enviou para uma fabricante de armas, a Remington, os detalhes de sua criação, a máquina de escrever.

Mas quem liga para isso? Nascemos para imitar, já que espremer os miolos deve ser atributo que medra fora das nossas fronteiras.

Crônica publicada no dia 20 de abril de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense

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