QUESTÃO DE CLASSE

dez 6th, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

Acreditava-se que classe tinha a ver com status social, com o dinheiro que o cidadão dispõe para gastar, com a posição que ocupa, com o fato de possuir ou não os meios de produção. Trata-se de uma divisão baseada na percepção mais tosca da economia. Mas a ação política predatória mostrou que não é bem assim.

Vimos como pessoas desqualificadas em todos os sentidos, especialmente os relacionados com a ética e os bons costumes, mudaram da base para o topo da pirâmide, mantendo intacta sua falta de classe. Enquanto isso, gente que não saiu jamais do lugar que herdaram no berço, como é o caso de Cartola, nascido no morro carioca, são um exemplo de sofisticação e sabedoria. Não tem a ver com dinheiro, religião, atividade, cor, gênero, número ou grau. Nem mesmo com o fato de ter passado ou não pelos melhores colégios. É uma espécie de vocação, de graça herdada, que, encontrando o ambiente adequado, desabrocha e influi diretamente nos contemporâneos. Se não for estimulado, recolhe-se e pode se afogar no ressentimento.

O alegretense Paulo César Pereio, o grande ator de tantos papéis inesquecíveis e contundentes, e que acaba de completar 70 anos, chamou a atenção para uma palavra da fronteira que estava em desuso. Ele disse que a “bagacerada” tinha tomado conta do país. Acredito que ele se referia não apenas aos apaniguados que se “nobilitaram” por meio da disputa do dinheiro público. Mas aos advogados, aos pseudointelectuais, aos falsos artistas e outros espécimes que ficam em volta do caixa.

Quando a propaganda eleitoral falava do risco de “voltarmos ao passado” eu lembrava de Drummond, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Darcy Ribeiro, Tom e Vinicius e comentava: quero voltar mesmo ao Brasil que tínhamos, culto, de alto nível, sensível e soberano. Eram pessoas de todas as classes que acorriam para a arena pública com a força de seus talentos, criando uma cultura deslumbrante, que por um tempo nos acostumou: achávamos que o Brasil seria assim sempre. Engano total.

Eles se foram e os substitutos são gritalhões horrendos, escritores toscos, políticos brutos. Você pega qualquer grande político antigo, como Pandiá Calógeras, que foi Ministro da Guerra na República Velha, ou Macedo Soares, ex-governador paulista. Eles desenvolviam intensa atividade política e profissional (professores, advogados, engenheiros) e ainda foram autores de inúmeros livros, dezenas deles, todos sobre o Brasil e seus rumos. Que exemplo deixaram e como foram desperdiçados quando vemos a atual fase da vida nacional, tomado totalmente pela barbárie!

Descobrir o verdadeiro sentido da palavra classe não significa justificar a grande defasagem entre o privilégio e a miséria, um mal que precisa de tratamento e cura numa nação tão rica. Não se deve é cometer crimes sob o álibi de estar fazendo justiça social.

A história da humanidade é mesmo a história da luta de classes, mas não como queria Marx, o inventor da ilusão do operário no poder (quando então ele deixaria de ser operário e viraria tirano, como notou Bakunin). É a luta dos que não tem classe nenhuma contra as pessoas de classe que civilizam com suas obras e acabam sendo vítimas do massacre.

Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana.

2 comments
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  1. Sempre acreditei que Classe e ser Culto, independe de classe social, vi muitas vezes renomados e notórios profissionais das mais diversas áreas demonstrarem grande conhecimento (cultura) e no entando se perderem dentro de sua prepotência e arrogância. Ter cultura não implica em ser culto, assim como ter status social e dinheiro não implica em ter ter classe. Gostei muito do texto. Parabéns.

  2. Obrigado! Cada vez mais precisamos de pessoas de classe para a vida ficar mais suportável. Abs

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