RECEITAS CONTRA O CORPO

dez 13th, 2009 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

Sobra programa e reportagens sobre como devemos nos alimentar. Mudar de dieta é o maior crime que podemos cometer contra nosso corpo. Se você sobreviveu tomando café com pão de manhã, arroz/bife/feijão/salada ao meio dia e sopa à noite, não vá querer virar zen-budista da alimentação ou macrobiótico, substituindo proteína por acelga, carboidrato por alpiste, macarrão por gelatina. É o politicamente correto do bucho. Estarás frito se fores nessa onda.

QUIABO – A indústria alimentícia adora te assustar para que percas completamente a noção do que precisas para continuar em pé. Te impõe coisas sem saber onde o bicho pega na tua vida diária, no teu país ou região. Nada sabe da tua biografia, das tuas doenças, de teus temores, da tua memória. Mas a toda hora colocam um monte de elefantes na tua cara e te dizem: se você não correr todos os dias, se você não subir montanhas, se você não assumir teu lado jóóvem, se continuares sendo tu mesmo, vais escapar das nossas garras, por isso te horrorizamos com pessoas de avental dizendo sandices, com gordalhões andando penosamente. Coma muita nectarina, nabo e quiabo. Devore hectolitros de suco de pena de ganso. E minta, minta muito que você cuida de sua alimentação, porque sabemos: queres mesmo é fazer aquela boquinha na madruga. Contrarie para ver a gastrite que vai acontecer.

LATA – Para te encher de culpa, os programas turísticos mostram como no Exterior se come bem e como as pessoas lá são felizes. Aquele pastelzinho português, aquele strudel alemão, aquela raviolada em Nápoles. Aqui, é só tristeza: dê-lhe sanduíche e comida de brasileiro. Pois cansei de tudo isso. Perdi a forma do meu corpo de tanta dieta que fiz (300 gramas no almoço, farelo matinal, sopinha rala à noite). Foi uma sanfona só. Acabei maior do que antes. Dez anos de insistência e chega. Uma boa goiabada com queijo depois do feijão com lingüiça às segundas-feiras, um cafezaço com queijo branco de manhã, um churrasco de vez em quando, uma cuca caseira antes do anoitecer chuvoso. Agora que está tudo perdido, tento voltar a mim mesmo.

Lá em casa, em Uruguaiana, o café da manhã era esplendoroso. Nada tinha a ver com os breakfest de hotéis (que adoro) de hoje, mas era aquele pãozinho honesto com leite idem e café quase forte. Ao meio dia, o guisadinho com purê e sala de alface (para que mais?) e tomate. As quatro da tarde, mais café, junto com a gurizada da vizinhança.

E à noite, qualquer coisa boa para a gente cruzar o que faltava da jornada. Sempre havia a hora do tô-com-fome, em que batíamos a lata de pão aí pelas onze. Mas a lata fazia barulho e bastava destampar a bicha para algum adulto acordar e dar o flagra. O melhor era a bolacha Argentina, de massa branquíssima e que ficava melhor a cada dia. Bolacha mesmo, daquelas batutas, com miolo inesquecível. Aliás, os argentinos sempre foram bambas em comida. Duraznos em calda La Dona, caramelos de leche, carne recém abatida, tudo era festa com los hermanos. Vínhamos de Libres carregados.

FORTE – Quando hoje comentam minha aparência (que é a maior grosseria que pode ser feita para uma pessoa) , gosto de lembrar que, quando tinha aí uns 70 quilos, ninguém elogiava, todo mundo dizia: que horror, estás doente, não comes. Mas sempre tive, como dizia meu pai, ácido de bateria no estômago. Nesta altura do campeonato, quase completando 57 anos, o tal ácido faz falta. Gostaria de digerir mais para enfrentar os outros. Ei, como estás forte. É verdade, tão forte que te darei agora mesmo uma bolacha nessa cara lambida.

Comentar a aparência é exercer a máxima: todo elogio traz embutido um esculacho. Estás bem, dizem, estás bem. E te olham com pena. Bleargh. A aparência, por não ser notada por quem aparece, deve ser de foro íntimo, e não propriedade alheia. Olhe nos olhos. É lá que pessoa se encontra. Só que vivemos na barbárie das superfícies e não na civilização dos mergulhos.

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