SEINFELD: A PERIFERIA CULTURAL NO CENTRO DO PÓS-CAPITALISMO

maio 13th, 2005 | Por | Categoria: TV        

Nei Duclós

Amizade, em Seinfeld, é o último refúgio do canalha. Especialmente para quem foge do relacionamento amoroso, como Jerry e Elaine, que acabam amigos quando o individualismo faz fracassar o namoro. Ou como George, que mantém-se no grupo num comportamento esquizofrênico: está noivo de Susan, mas não permite que o universo da relationship (palavra chave da mídia americana) interfira no bem-bom da irresponsabilidade entre “amigos”. Ou como Kramer, vampiro de Jerry, que usufrui o espaço e a geladeira do apartamento dele junto com as sobras dos seus casos, sem jamais se envolver com alguém.

Essa fuga permanente acaba fortalecendo, de maneira patogênica, a amizade dos quatro personagens, que precisam uns dos outros. A natureza humana gregária sempre dá um jeito de driblar o isolamento, mesmo que este seja voluntário. Fica engraçado porque a situação é assumida sem culpa, como se os valores, enfim, pudessem ser erradicados junto com a consciência. O humor também é gerado pelo contraste entre a superficialidade do grupo – tornada séria pelas circunstâncias -e a seriedade dos seus familiares – tornada superficial pelo longo tempo de relacionamento

A briga entre Jerry e George com seus respectivos pais é a lembrança permanente da transição entre o núcleo familiar obsoleto – a velhice reduz a velha família a um casal neurótico – e o novo núcleo social, representado pelo grupo de Seinfeld, que se alimenta dos excessos da sociedade da pujança descartável. Ninguém tem uma profissão séria – todos rodam entre a preguiça, o desemprego e o sub-emprego – e o fato de Jerry ser comediante é, neste sitcom, uma óbvia metáfora. Eles se ocupam da periferia dos produtos da indústria cultural -o que há de mais consumível entre festas e filmes – e qualquer tipo de profundidade assusta.

Funciona também o humor que surge desse distanciamento total da atitude cultural. No fundo, eles são personagens culturais sem cultura, ou seja, tão reais quanto a maioria dos habitantes das megalópoles – iludidos de que vivem uma vida especial. Desenraizados, cínicos, indifirentes, eles conhecem, entretanto, todos os rituais do politicamente correto, não para contraporem à própria crueldade, mas como parte do show particular de cada um. Eles aprenderam todos os códigos dessa insanidade urbana e a desmascaram a todo momento, pois o que se sobrepõe a tudo é o instinto predador da individualidade.

Extra-oficialmente, o egoísmo é incentivado pelo ambiente no que este tem de pior. A grosseria do pós capitalismo (a pax americana imposta pela força em todos os mercados do mundo), exatamente por ser explícita, gerou seu placebo, o fingimento pseudo correto. O humor em Seinfeld deriva da consciência da fragilidade da situação. Os personagens, acobertados pelo mútuo consentimento, agem sem máscara na certeza da impunidade. Aqueles personagens coadjuvantes que fazem parte do tecido de relações – como o vizinho carteiro Newman e os chefes no trabalho de Elaine e George – competem em insânia, como a reforçar a inversão dos valores que se concentra no apartamento de Jerry.

O desfecho trágico do sitcom – que ganhou todos os prêmios e bateu todos os recordes de audiência entre 1989 e 1997 -, com a prisão do grupo, foi a maneira mais fácil que os autores – o próprio Seinfeld mais Larry David – encontraram para safar-se das responsabilidades. Simplesmente os encarceraram, como fariam Jerry, George, Elaine e Kramer se tivessem oportunidade. Mais uma vez, prestaram contas para o politicamente correto e saíram com as burras cheias de dinheiro.

Mais genial impossível.

One comment
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  1. E não é?

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