SERVIÇO COMPLETO
abr 24th, 2010 | Por Nei Duclós | Categoria: CrônicasNei Duclós
Recebo um baú de fotos com cenas da família. Quase todas se referem à escola: o desfile com o uniforme do Jardim da Infância, a entrega do diploma, a reunião com os colegas, o time do ginásio, os professores conversando com os pais, as rodas das bicicletas com papel crepom, ao lado de uniformes azuis e brancos, a saída do colégio.
A vida estudantil era hegemônica antes da reforma da educação promovida pelo regime de 1964, que hoje leva a fama da excelência do estudo, quando apenas usufruiu das gerações formadas antes do golpe de estado. A aprovação por decreto, dos anos 90 para cá, e agora a imposição de cotas raciais para driblar o vestibular apenas completam o serviço.
Lembro da cartilha Caminho Suave, criada pela educadora brasileira Branca Alves de Lima (1911-2001), que alfabetizou mais de 40 milhões de brasileiros, antes da atual febre de analfabetismo institucionalizado. Aprendi a ler no primeiro ano primário com ela. As letras eram identificadas com o desenho do significado das palavras que ajudavam a formar. A barriga do b era humana, o marfim do elefante fazia parte do e, as vogais unidas às consoantes levavam às sílabas, estas às palavras até chegar à frase e ao texto.
Debocharam até derrubar o famoso “Ivo viu a uva”. Mas com apenas uma consoante e quatro vogais era possível formar uma oração completa, suprema síntese de fácil e rápido entendimento, reveladora das possibilidades da linguagem. No seu lugar, atropelaram a mente infantil com palavras completas, que não fazem sentido à primeira vista. Mas esse sistema silábico caiu há tempos de moda.
A educação que sacode afirmativamente a cabeça, de maneira muda depois de grandes frases teóricas, aguarda que a platéia dos eventos entre luminares chegue à altura dos seus conhecimentos, enquanto a estudantada entra numa espiral ágrafa. O que existe é soberba. O que inexiste são políticas publicas, a começar pela remuneração decente de quem escolheu a profissão de ensinar (ou foi empurrado para ela, diante da falta de perspectivas).
Lembro que os professores retratados nas fotos que recebi exibiam vocação, no caso dos religiosos, somada a uma situação econômica estável, entre os mestres leigos. Isso transparecia na sala de aula, lugar de respeito, onde ninguém puxava a faca no meio da lição.
Crônica publicada no dia 6 de março de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.