O ‘agora’
e a apreensão do tempo na Física de Aristóteles
Ronaldo Pimentel[1]
Introdução
O
‘agora’, referido também pelos termos instante ou momento é algo que acompanha
a definição de tempo como seu contrário e está presente na Física durante todo
o tratado do tempo de Aristóteles; também aparece em vários aspectos do tempo.
O texto mostra que o aspecto contrário da noção de agora em relação ao
tempo é o que permite o conhecimento do tempo por limitação de um tempo
relativo a um movimento.
O tempo não é
uma sucessão de ‘agoras’
O
agora permite ter acesso a um período do tempo porque o tempo em si, totalmente
dado, não é acessado pela mente e, somente com a ajuda de dois ‘agoras’, um
período de tempo delimitado, que é possível descrever um movimento, pelo fato
de que todo movimento ocorre num determinado tempo. Como não podemos dizer que
o tempo é, porque ele será ou já foi[2];
portanto, o tempo não é um determinado tipo de substância ou uma forma que
pudesse ser estudada sem a possibilidade de ir junto ao movimento. Percebemos o
movimento porque podemos perceber o tempo que passa à medida que o movimento
acontece. O tempo é a medida do movimento, porque é o seu número. O movimento
circular uniforme é a medida do tempo porque é eterno e regular; e o tempo é
regular e infinito. A forma que o tempo se relaciona com o movimento é através
da percepção de uma passagem de tempo finito enquanto o movimento ocorre. Mas o
tempo é infinito e não tem início nem fim – infinito por falta de limites ou
ainda um infinito potencial – e o que pode dar início e fim ao tempo é o agora
através da noção de agora como limite introduzida na Física.
Uma
representação comum de Aristóteles na Física e em outros textos como, por
exemplo, nas Categorias ou na Metafísica, diz respeito a uma relação entre uma
grandeza contínua e uma discreta comparada com um ponto e uma reta, como na
geometria. As mesmas situações que se aplicam em relação ao agora e o tempo
podem ser aplicadas a todos os aspectos de grandezas contínuas e discretas porque
um entendimento dessas grandezas envolve compreender em que sentido elas se
opõem à sua contraparte discreta que as limitam e possibilitam o seu estudo.
A
posição de Aristóteles em relação ao contínuo e o discreto é inédita na
Antigüidade. Um ponto possui extensão zero enquanto uma reta possui extensão,
ou grandeza contínua. Diferentemente dos antigos, para Aristóteles, um contínuo
não possui infinitos discretos como seus constituintes e que formam um infinito
estritamente atual. Um ponto é análogo ao agora e uma reta é análoga ao tempo,
mas na realidade essa representação não prossegue. Uma semi-reta é delimitada
por dois pontos, ou dois pontos distintos delimitam uma semi-reta. Um ponto é o
limite entre duas retas ou um ponto divide uma reta em duas. Assim, dois ‘agoras’ delimitam um intervalo de tempo e um único agora divide um determinado tempo em dois sendo que um único agora é capaz de prover um início
de um tempo e o fim de outro tempo; algo semelhante, como vimos, ocorre com a
linha e o ponto[3].
E em relação ao aspecto contínuo do tempo, quando uma parte contínua se une a outra
parte contínua, o limite que as separava e que era diferente em relação a cada
parte que se uniu passa a tornar-se uma; é o caso em que o agora é considerado
um e limite de dois tempos distintos atualmente ligados pelo mesmo agora. Na
separação desses dois intervalos de tempo, há então dois ‘agoras’ distintos
correspondendo aos limites de dois intervalos de tempo distintos. Quando dois
intervalos de tempo são considerados um único contínuo, o limite que os
separava desaparece, porque dois intervalos de tempo foram unidos, o agora que
separava os dois tempos distintos desaparece.
A infinitude do movimento circular uniforme é mantida porque é o tipo de
movimento que ocorre com os corpos celestes e, como não há corrupção desses
corpos, eles não conhecem o fim do movimento que realizam e por isso também é
infinito o tempo. Os outros movimentos são numerados segundo o tempo e possuem
início e fim. Quando é considerado um movimento que não é infinito, também
haverá uma relação com o tempo, mas não no aspecto infinito do tempo e sim num
intervalo de tempo particular separado em pensamento que se refira ao início e
o fim de um movimento.
O meio pelo qual algo é percebido e se torna conhecido é o que tem início e fim,
como no caso do movimento finito, também terá que perceber de alguma maneira o
início e o fim do tempo que passou enquanto ocorreu o movimento; portanto, se o
movimento tem início e fim, assim também será o caso do tempo limitado em um
intervalo. A parte do tempo correspondente ao movimento que é um número é dada
pelos ‘agoras’ que o delimitam e se referem diretamente ao anterior e ao
posterior do movimento.
Mesmo limitado por dois ‘agoras’, o tempo continua a ser um tipo de infinito mas não
no sentido de infinito atual comumente dado, por exemplo, à reta limitada por
pontos. Considera-se uma semi-reta um infinito atual porque os infinitos pontos
de uma reta são um tipo de totalidade fechada e dada. Um infinito atual concebido
dessa maneira não condiz com a análise de Aristóteles do tempo e do agora
porque um intervalo de tempo não é uma totalidade fechada de seus infinitos
‘agoras’ constituintes. Mas o tempo continua a ser um infinito atual e, também,
um infinito potencial, é atual porque é limitado por dois ‘agoras’ distintos e
é potencial porque a operação de dividir o tempo pode ser iterada infinitamente
ou a cada intervalo de tempo dado, é sempre divisível em um intervalo de tempo
mas sem referência a partes fundamentais como ‘agoras’. A operação
infinitamente possível da divisão no tempo somente é realizada por meio do
pensamento com a ajuda do agora. O agora não é tempo, não é a parte fundamental
do tempo. Se um agora não é tempo nem a soma de dois ‘agoras’ resulta em tempo,
então nenhuma soma de ‘agoras’ resulta em tempo, mesmo que dois ‘agoras’
delimitem um tempo.
O que faz termos um movimento ou um tempo é a relação com
componentes que não pertencem ao mundo físico, mas ao pensamento; e são os
componentes discretos contrários às definições de movimento e de tempo. As
definições que Aristóteles propõe em relação ao que é contínuo e discreto
aparecem na Física como componentes contrários aos entes físicos e que possuem
magnitude, já que o que possui magnitude é o que é contínuo. O que é discreto
não possui magnitude e, portanto, não existe fisicamente, de modo que é
possível afirmar que o que é discreto somente existe enquanto pensado.
A definição de contínuo para Aristóteles é dada por divisão potencial em partes
semelhantes ao todo e não por infinito no sentido de que o que é uma extensão
limitada é um infinito atual porque é composta de infinitos discretos e a
concepção de infinito atual não é compatível com a noção de um contínuo, mesmo
que limitado. Isso é fácil de perceber quando é admitido, por definição, que um
determinado tipo de discreto não possui extensão, ou possui extensão zero.
Somadas uma quantidade de discretos, novamente teremos um zero, porque é numa
soma de zeros que obtemos novamente um zero. Assim, no caso do agora como a
contraparte discreta do contínuo do tempo não pode ser o componente fundamental
do tempo, porque o tempo é contínuo com extensão e o agora é um discreto de
extensão zero e um contínuo não é composto de discretos.
O Agora é uma espécie de indivisível, o que quer dizer que não possui parte e nem
extensão. Se o Agora possuísse extensão seria uma espécie de contínuo e seria
dividido em partes assim como o tempo, o que é impossível pela definição do
Agora, já que não possui tempo, que é o seu contrário. Como no Agora não há
tempo passando, também não é possível que no Agora ocorra movimento porque todo
movimento ocorre no tempo, que é contínuo assim como todo movimento e possui
início e fim cujo limite são dois ‘agoras’. Portanto, se o agora é uma espécie
de indivisível, porque é discreto, não poderá ser um componente do tempo porque
o tempo é uma espécie de contínuo e todo contínuo possui partes divisíveis
potencialmente; se a parte de um contínuo conserva a continuidade, então
nenhuma parte do contínuo é indivisível como o agora e, portanto, o agora não
pode ser uma parte fundamental do tempo, mas é o seu limite.
O agora não é o
presente
O
problema em relação ao anterior e ao posterior surge quando passa a ser
considerado dois intervalos de tempo distintos, dois intervalos de tempo com
anterior e posterior distintos. Nesse caso, se temos dois intervalos de tempo
(1) e (2) diferindo nas quatro referências a ‘agoras’ distintos, esses
intervalos de tempo estão separados por outro intervalo de tempo (3) que toca o
posterior de um intervalo e o anterior de outro intervalo. Ao considerar que no
tempo (3) há um momento atual, presente e que o tempo (1) é passado
em relação ao tempo (3) e que o tempo (2) é futuro em relação ao tempo
(3), então o anterior do tempo (2) é posterior ao momento atual acontecendo em
(3) e o posterior de (1) é anterior em relação ao momento atual acontecendo em
(3). Se isso é possível de acontecer, então o posterior de um tempo passado é
anterior e o anterior de um tempo que vai acontecer no futuro é posterior no
momento atual. Segundo Aristóteles, a solução está em considerar o
distanciamento do anterior e do posterior do tempo presente. Em relação ao
passado, o anterior está mais afastado do presente do que o anterior e a
relação se inverte em relação a um intervalo de tempo futuro referente a um
movimento.
Resolvido o problema, em relação à definição de anterior e posterior juntamente com o
agora, é possível perguntar se o agora possui a mesma noção de presente
na Física de Aristóteles, porque a definição de anterior e posterior em relação
a um agora ou momento atual é possível de ser feita se levarmos em conta que o
agora é um momento presente, porque o presente introduz a noção paradoxal contida
no anterior e no posterior, rapidamente resolvida, mas a pergunta pela qual o
agora é o presente continua.
A passagem em relação ao problema da definição de anterior e de posterior aparece
em 223a: 5-15, cap. 14, livro IV da Física, onde a noção de agora, segundo
Aristóteles é a de “limite do passado e do futuro”[4],
que é a mesma noção de presente que aparece em no livro VI “Pois o
presente é algo que é uma extremidade do passado (…) e também do futuro
(…): isto é, como dizemos, um limite de ambos”[5].
O que pode acontecer aqui é pensar que a definição de agora é a mesma
que a definição de presente, mas o presente não é a mesma coisa que o
agora. A noção de agora é a mesma de momento ou de instante, e um instante não
é o instante presente somente porque um instante pode ter como referência um
evento passado e dois momentos distintos, como dois ‘agoras’ distintos podem
ter como referência um intervalo de tempo que já passou ou que pode acontecer.
Enquanto limite, uma das utilizações do agora pode ser para delimitar o passado e o
futuro enquanto presente, mas permanecendo como uso geral da definição de agora
a de que é o limite entre um tempo anterior e um tempo posterior como sendo o
início e o fim de um tempo e é por isso que há um anterior e um posterior no
futuro e um anterior e um posterior no passado sendo que cada par desses são
dois ‘agoras’ distintos em relação a um momento presente, ou, por abuso de
linguagem, um agora presente, que seria o mesmo que presente e que torna
possível uma discussão sobre o agora em relação ao passado e ao futuro no tempo,
mas sem ligar a definição do agora com uma dependência suficiente e necessária
dos termos passado e futuro. O presente, assim como o agora são discretos que
carregam a noção de limite. O presente é o limite do passado e do futuro, e o
agora é o limite entre o início e o fim de dois tempos distintos. Note que
início e fim são coisas distintas de passado e de futuro.
Apreensão do
tempo através de ‘agoras’ distintos
Um agora aparece como o limite entre dois tempos, ou seja, um agora divide o
tempo. É essencial – e ao mesmo tempo contrário – que, para o entendimento dos
componentes do mundo físico, que haja componentes discretos existentes somente
no pensamento, como o agora, ou o isolamento de um movimento, por componentes
do entendimento. Esses componentes podem tornar possível perceber que em
determinado instante não houve o movimento particular visado pelo pensamento.
A mente se refere a componentes discretos como algo que possibilita o estudo dos
aspectos do mundo físico, que não são do próprio movimento nem dos aspectos do
mundo físico. Esses componentes que possibilitam o entendimento das entidades
físicas e que exibem a sua quantidade são os números dos aspectos físicos, são
os opostos a esses componentes físicos e ocorrem somente no pensamento. Se for
dada uma grandeza específica contínua, um contrário ao contínuo é do mesmo
gênero dessa grandeza, porque a grandeza somente se faz conhecida pelo seu
contrário que a limita. Portanto, é da natureza da mente perceber e numerar
quantidades físicas por meio de aspectos que não são físicos e isso estabelece
uma relação de contrariedade entre o que é físico e o que é do entendimento,
elaborado por pensamento de abstração do agora por numeração do tempo, por
exemplo, que é o seu contrário.
O agora é o número do tempo e, enquanto número, o agora é uma espécie de número numerante
porque o próprio agora não é medido por nenhuma numeração anterior com respeito
ao tempo. Já o tempo é o número numerado, porque o tempo é numerado pelo
agora e é numerável porque é possível ser numerado pelo agora; e o
movimento é numerado pelo tempo, é o componente físico a ser numerado. O
movimento ocorre juntamente com um tempo transcorrido somente por quem percebe
esse movimento e, ao referir a qualidades do movimento como se percorresse uma
grandeza curta ou longa, ou que referisse ao movimento como rápido ou lento
dependem do tempo medido.
Por isso, o tempo é o número do movimento e o tempo é uma grandeza contínua assim
como o movimento. Pelo tempo é possível dar a medida de um movimento. Mas o
tempo, somente, não pode dar a medida do movimento, porque o movimento somente
causa a impressão que o tempo passou. Para uma medida do movimento é necessário
ainda o ‘agora’ que é afixado no anterior e no posterior ao movimento. O tempo
tem ao mesmo tempo um aspecto de magnitude, assim como qualquer contínuo, e
também de número. Ele precisa ser contínuo porque acontece junto a um contínuo,
que é o movimento. Mas é número porque pode ser medido e ter qualidades à ele
atribuídas e, no caso, isso é feito pelo agora que é capaz de numerar o tempo e
o número é a qualidade do tempo porque somente do número é que é possível dizer
que há sucessão, de acordo com a posição em seqüência que ocupam. Nesse caso,
se um número é próximo ao outro numa seqüência, e se esses dois números se
referem ao agora, o tempo é curto; se ocorrer o contrário, o tempo é longo.
Somente com essas qualidades do tempo é possível numerar o movimento, ou seja,
também é possível qualificar o movimento de acordo com as qualidades do tempo,
que são números de uma grandeza ou magnitude.
Ao percorrer uma grandeza, o movimento deve tornar possível saber por quanto tempo
esse movimento se aplicou, para que seja dito se a grandeza percorrida foi
longa ou curta. Depois, mais uma vez com a ajuda do tempo, é possível saber se
o movimento é rápido ou lento, o que envolve saber se ocorreu num determinado
tempo longo ou curto, o movimento percorre uma grandeza longa ou curta de
acordo com o tempo. Isso envolve dizer que o tempo é um tipo de número, o
número do movimento, mas é um movimento isolado que é possível ter conhecimento
e não todo movimento que acontece na natureza porque é impossível percorrer um
infinito de modo a conhecê-lo totalmente já que um movimento leva a outro
movimento. A mente não pode conhecer todo o infinito, deve ser capaz de
estipular limites para o entendimento e conhecer o que é limitado, como limitar
o tempo em dois ‘agoras’ ou o movimento em um anterior e seu posterior ao seu
acontecimento.
Um movimento é isolado segundo algo anterior e posterior ao movimento, diretamente
é relacionado a dois ‘agoras’ distintos, que delimitam um tempo entre esses
dois ‘agoras’ e tanto o agora quanto o anterior e o posterior são discretos, ao
contrário do tempo e do movimento. O ‘agora’ é uma espécie de número utilizado
pelo intelecto que fornece um ponto sem movimento ao tempo e ao movimento que
transcorre, quando associado ao anterior e o posterior do movimento, como uma
imagem correspondente a um momento anterior e outra correspondendo a um momento
posterior. O movimento é numerado pelo tempo delimitado entre os ‘agoras’ e o
movimento não é nenhuma espécie de número, mas uma espécie de quantidade do
mundo físico a ser numerada, inicialmente por um contínuo, ou seja, pelo tempo
que é contínuo e que permite percebê-lo e, logo depois, pelos ‘agoras’ que
limitam um intervalo de tempo. O anterior e o posterior relativo ao movimento,
assim como os ‘agoras’, são discretos, ao passo que o tempo transcorrido referente
à percepção de um movimento é contínuo, também, o movimento é um contínuo.
E sempre entre dois ‘agoras’ discretos haverá um tempo contínuo. De dois ‘agoras’
distintos, a noção de que há um entre deve ser de que esse entre
seja contrário ao que está ladeando suas extremidades, por definição; então,
sempre entre dois agoras, haverá tempo, que é a contraparte contínua do agora.
Dois ‘agoras’ distintos devem se referir à passagem de tempo relativa a um
movimento que aconteceu num período de tempo e os ‘agoras’ distintos são as
extremidades anterior e posterior ao movimento que são discretas em relação ao
movimento. A medida do tempo está relacionada com a medida do movimento, de
modo que não há como medir o tempo se saber se houve movimento. Então, entre
duas coisas discretas deve existir uma terceira coisa em contato com essas duas
outras coisas e teremos algo contínuo como o movimento e o tempo porque um
discreto não está em contato com outro discreto, isso é possível de se
conseguir com um contínuo porque o limite de um contínuo é um discreto que está
em contato com o contínuo.
O tempo é contínuo porque é o número do movimento, que é um contínuo e podemos
definir a continuidade do tempo pela característica de ser divisível
infinitamente em partes divisíveis também, basta notar que a existência de um
movimento, que é contínuo e divisível, é divisível em outras partes de
movimento, também o tempo deverá ser dividido porque o tempo possui uma
uniformidade de continuidade. A divisão do tempo somente é possível se parte de
um tempo já limitado por dois ‘agoras’ distintos forem novamente limitadas por
outros dois ‘agoras’ distintos, só que correspondentes a um intervalo de tempo
menor que o tempo que foi dividido.
Dois ‘agoras’ distintos, correspondentes ao anterior e ao posterior do movimento são
capazes de delimitar um intervalo de tempo ao passo que um único agora não
delimita nenhum espaço de tempo porque não há movimento nem passagem de tempo
dentro de um agora e podemos concluir que a dimensão de um único agora é zero.
Como o agora é uma entidade intelectual discreta, não há como ser dividida em
partes como o movimento e o tempo, assim, não há tempo transcorrido em um único
agora.
Se admitirmos que no agora há a possibilidade do tempo transcorrer, estamos
assumindo a possibilidade de duração do agora no tempo e assumindo que coisas
acontecem no agora, como eventos passados acontecem no agora, eventos presentes
acontecem nesse mesmo agora que dura no tempo e mesmo que se não é possível
admitir que o agora fosse somente um mas sim que fosse vários ‘agoras’ durando
no tempo e cada agora que estabelecesse a sua duração no tempo não poderia cessar
a sua duração no tempo, existindo juntamente com outros ‘agoras’. Então, cada
momento que se referisse a um agora distinto de outro, outro agora poderia está
tomando o significado desse agora sendo que se referem a movimentos e momentos
distintos, ou seja, um agora poderia durar dentro de outro agora porque seriam
constituídos de tempo mas é somente o caso do tempo que dura dentro de outro
tempo porque o contínuo é dividido em partes contínuas e que conservam as
mesmas características gerais do todo em que partiu e isso somente é possível
em grandezas extensas. Isso não pode ocorrer com o agora porque se ocorresse,
seria o caso de se levar a argumentação ao absurdo, como faz Aristóteles, de
considerar momentos distintos ocorrendo ao mesmo tempo. Portanto, como o agora
não é contínuo como o tempo, é discreto e não possui extensão como é o caso das
grandezas contínuas. O agora pode demarcar movimentos distintos ao mesmo tempo,
porque várias coisas poderiam estar acontecendo no mesmo instante.
Já um único intervalo de tempo necessita de dois ‘agoras’ distintos para ser
delimitado, e quanto mais esse tempo for repartido, porque é um contínuo e,
portanto, infinitamente divisível, mais ‘agoras’ distintos podem ser
utilizados, numa aproximação infinita que nunca chega ao agora inicial. Se os
‘agoras’ coincidem, então não há tempo transcorrido porque esses dois ‘agoras’
na verdade são um único agora e, portanto, não haveria movimento num único
agora.
A noção de tempo extenso e agora inextenso mostra que ambos são de naturezas
distintas, e que se ambos fossem da mesma natureza, então seria possível levar
a contradições com respeito ao tempo. Dois ‘agoras’ distintos delimitam um
tempo e um agora é o limite entre o fim de um tempo e o início de outro tempo.
É desse modo que é possível ter operações relativas a intervalos de tempo
delimitados assim como é possível realizar operações na linha reta em geometria
tal como somar um intervalo de tempo a outro intervalo ou subtrair partes,
relativas a instantes distintos do movimento.
O aspecto inteligível do tempo é possível de ser observado com a ajuda do agora e
que sem ele não seria possível ter uma compreensão inteligível do tempo, de
discernir, de somar partes e/ou dividí-las, mas somente uma percepção do tempo
sem numerá-lo de modo discreto é que envolve uma apreensão do tempo sem
inteligência. A numeração permite que uma grandeza seja entendida, seja ela
contínua ou discreta e também finita ou infinita. Os mecanismos do pensamento
utilizados na numeração funcionam por meios discretos e finitos com início e
com fim ou por passos seqüenciais distintos de uma grandeza contínua e infinitamente
dada, sem início e sem fim e os números agem como as imagens existentes na
mente porque a mente trabalha por imagens.
Isso nos leva a pensar a inteligibilidade do tempo somente se for possível conceber
o tempo junto com o agora, mas com o cuidado de perceber que ambos são de
natureza distintas, sob a penalidade de o tempo ser somente percebido enquanto
é transcorrido e não poder ser calculado de alguma maneira ou ser utilizado
fora da mensurabilidade do movimento. E o tempo e o movimento se tornam mensuráveis
porque possuem limites em suas extremidades. O agora é o limite do tempo
referente ao limite do movimento. Podemos dizer que tudo que ocorre na mente é
de caráter discreto e o que é constituído de grandezas fisicamente
perceptíveis, ou de uma magnitude, é o que pode ser dividido infinitamente sem
que exista um termo sendo indivisível nessa grandeza e essa é a característica
do contínuo.
Como o tempo é algo que é contínuo, ou infinito por divisão também não é limitado, o
tempo não possui início e nem fim. Esses aspectos do tempo tornam difíceis o
seu entendimento somente pelos meios discretos de funcionamento do intelecto
primeiro que o tempo é um contínuo e depois porque o tempo como um infinito sem
limitação em sua natureza. Desse modo, o intelecto não pode conhecer todo o
tempo que está por vir nem é possível conhecer todo o tempo que se passou.
Ao futuro, em relação ao tempo, somente há a potência, que é uma espécie de
conclusão de determinado movimento ou o início, potencialmente, de um movimento
e que num tempo mais adiante terá a sua conclusão. Se a condição de início de
um movimento é potencial, então também a conclusão é algo possível. Se um
movimento começou, então a conclusão do movimento é algo possível, e essas
possibilidades se ligam a ‘agoras’ num tempo relativo a esses acontecimentos.
Aos movimentos já acontecidos, os ‘agoras’ distintos se ligam a intervalos de
tempo de acontecimentos necessários que de alguma maneira se ligam aos
movimentos que estão acontecendo com um possível fim e que se ligarão aos
movimentos que ainda vão se iniciar, mas que serão conhecidos somente por
limitação em intervalos de tempo.
Como o intelecto não conhece todo o tempo também não pode conhecer toda a cadeia de
movimento que ocorre na natureza. Se o tempo é o que torna possível perceber se
um movimento aconteceu, então não é possível perceber todos os movimentos que
aconteceram, ou que vão acontecer porque não percorre com o seu entendimento
tudo aquilo que é infinito. O tempo é um contínuo e portanto é dividido em
infinitas partes. As partes do tempo que foram subdivididas devem ser finitas,
correspondentes ao movimento a ser medido pelo tempo, segundo o seu anterior e
posterior associados a dois ‘agoras’ distintos.
Conclusão
Como
vimos nada que seja contínuo como o tempo pode ser feito de coisas indivisíveis
ou discretas como o agora, que é uma contrapartida do tempo e nada que é
contínuo pode ser feito sem partes, o agora não possui partes, logo não faz
parte do tempo. Mas as partes do contínuo são infinitamente divisíveis. Assim,
conhecemos somente uma parte do tempo, mas não todo o tempo existente através
das divisões estabelecidas pelo agora. Como o intelecto não conhece o
tempo como um todo, também não conhece o movimento e sim um tempo
e um movimento e isso somente é possível por meio dos ‘agoras’, afixados
distintamente no intervalo do tempo, como referência aos limites anterior e
posterior do movimento.
BIBLIOGRAFIA
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trad. Hardie & Gaye in The basics works of Aristotle, Random
House, New York, 1941
ARISTÓTELES, On
The Soul, trad. Smith in The basics works of Aristotle,
Random House, New York, 1941
BERTI, E. As razões de
Aristóteles, trad, Dion David Marcelo in Leituras Filosóficas, vol.
4, Edições Loyola, São Paulo, 1998
HINTIKKA, J. Aristotelian
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Consulta
em: 19/06/2008
PUENTE, F. R. Os Sentidos do
Tempo em Aristóteles in Coleção Filosofia, Vol. 53, Edições Loyola /
Fapesp, São Paulo, 2001
[1]
Mestrando em Filosofia pela UFMG
[2] Phys.
IV: 10 217b: 35
[3] O
cuidado que deve-se tomar em relação ao tempo é que ele não é como se fosse uma
semi-reta em que as partes dessa semi-reta existem simultaneamente e, no caso,
uma única visada na semi-reta, é possível ter uma apreensão de toda a
semi-reta. Não é possível apreender um tempo que já passou nem um tempo que
ainda vai passar porque o tempo corrompe a si mesmo enquanto algo acontece e o
que há de comum entre um intervalo de tempo e uma semi-reta são somente os seus
aspectos contínuos.
[4] Phys. IV: 14, 223a: 6-7
[5] Phys. VI:
3; 234a: 1-4
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