O alfaiate e o banqueiro

O alfaiate
e o banqueiro

Morava numa
aldeia um alfaiate, que apenas ganhava o ne­cessário para o sustento, mas
sempre contente com a sua sorte.

A mulher,
igualmente resignada e laboriosa, nunca o amofi­nava pelas precisões da casa:
antes o ajudava a levar a cruz da vida com uma satisfação, que muitos ricos
podiam invejar; na­queles rostos só assomava a tristeza, quando alguém
perguntava" notícias do
Antônio.

Era o único filho
que tinham tido, e que, havia perto de 20 anos
, não sabiam se era
vivo ou morto.

Dedicaram-no
ao comércio, sujeitaram-se a muitas privações, e endividaram-se, pondo-o a
estudar as línguas e o mais que é dado a um guarda-livros. O rapaz embarcou aos
dezoito anos, e devia já ter os seus quarenta, se fôsse vivo, sem haver nova
nem mandado dêle.

Seria ingratidão?
Os pais julgavam impossível, porque o seu An
tônio era o coração duma
pomba.

Teria
morrido na viagem ou nos sertões ? O cura aconselhava-os a não perder a
esperança, visto que muitas cartas se extraviavam-se, principalmente de tão
longe.

Assim viviam
aqueles pobres velhos em dúvida cruel, quando o filho, que tinha adquirido uma
riqueza enorme, e era já conhecido por um rico banqueiro [1]),
resolveu tornar para a sua pátria,

e
estabelecer-se aí, continuando a exercer a sua profissão.

Com efeito,
levantou os seus cabedais e partiu. Chegou à capital, comprou um formoso
edifício, arranjou o seu estabelecimento, e, despedindo-se por alguns dias dos
seus empregados e domésticos, foi à terra[2])
apresentar-se a seu pai e a sua mãe, que já por certas informações sabia que
eram ainda vivos.

Seria
dez horas da noite, quando bateu à porta.

                             
Quem
é? perguntou o pái
sobressaltado; porque na aldeia a tais horas estava tudo
em sossêgo.

—- Sou eu, meu pai,
o seu Antônio, o seu filho, que o vem abraçar no fim de tantos anos.

     
Qual
Antônio! Prouvera a Deus! Vivo não será êle!

     
Ê,
sim, acudiu a mulher; reconheço-lhe a voz!…

Acenderam
a candeia, levantaram-se e abriram a porta. Imagine-se a alegria que houve
naquela casa! Conversaram até pela manhã. Os pobres velhos não se fartavam de
ouvir o filho con­tar a sua vida.

                   
Afinal,
diz o banqueiro, eu vim matar as saudades que tinha de meu querido pai e de
minha querida mãe, e ao mesmo tempo, como estão já cansados dos anos e dos
trabalhos, e a Pro
vidência me tem ajudado tanto, pedir-lhe o favor de
pôr já de parte a tesoura e a agulha.

     
Não,
filho! acudiu o pai, tem paciência; o meu ofício é que eu não largo: com êle
tenho vivido, com êle hei-de acabar.

     
Mas,
respondeu o filho, a gente chega a uma idade que *) deve descansar; não
aconselho que venham morar comigo para a capital, e deixem a paz desta aldeia
onde nasceram e onde têm vivido; mas, tendo a sua vista já cansada e, sendo a
costura tra­balho de tanto apuro, é justo repousarem.

A mãe achou razão ao filho, e o pai acabou por dizer:

      Pois bem,
fecharei a minha loja, mas o meu fato e o do nosso cura, que te
batizou, e sempre me
animou na esperança dêste dia de tanta satisfação, êsse hei-de eu continuar a
fazer e consertar.

Ficou isso
assentado. A mãe frigiu uns ovos para o almôço do filho, que, apenas acabou de
comer,
deitou-se,
e,
cansado da jornada e satisfeito, dormiu [3])
o sono mais delicioso da sua vida.

Passados
três dias no maior enlêvo do mundo, diz êle:

“O meu gôsto era estar
sempre com os meus pais; mas é ordem do mundo; e, se me dão licença, vou-me
embora. Prestes cá volto; entretanto aqui deixo esta bolsinha, donde podem
gastar à vontade, porque temos de sobra, graças a Deus.” [4]).

Depois de
muitos abraços, muitas bênçãos e muitas lágrimas,
foi-se o banqueiro
embora de volta para a capital, aonde chegou e abriu o seu estabelecimento.

Passados quinze dias, quem há-de êle ver
entrar pela porta dentro, um tanto preocupado e triste? O pai.

      Que
novidade é essa, meu
pai?
Não
me passava pela
idéia
vê-lo
agora
aqui: aconteceu alguma desgraça?

      Não, meu
filho, mas aqui tens o teu dinheiro; eu quero viver do meu ofício; depois que não
trabalho, morro de aborrecimento.
E por que não há-de meu pai trabalhar, se
lhe faz falta?

O ponto
está em se limitar ao necessário para se entreter; não fazer serões, não
receber encomendas à pressa, que lhe dêem cui­dado ou coisa semelhante; o mais,
que dúvida?

     
Mas
que hei-de eu então fazer a este dinheiro?

     
Dá-lo
aos pobres, ou o que o pai quiser. Mesmo o cura que é nosso amigo, o pode
aconselhar.

O velho ficou
encantado desta resposta. Voltou para a aldeia e continuou a servir os seus
fregueses.

De três em três
meses repetia o banqueiro a sua visita; e dizia tôda a gente daqueles arredores
que não havia filho mais ditoso nem mais ditosos pais.

(Tradução)

 


[1] Por um rico banqueiro —- adjunto predicativo do sujeito — por
pode aqui substituir-se por como.

[2] Terra — lugar onde nasceu.

[3] dormir o sono mais
delicioso. Alguns verbos
intransitivos empre- gam-se transitivamente,
tendo por complemento objetivo um
substantivo cognato, isto é, de significação correspondente à do verbo: viver vida ale­gre, morrer morte vergonhosa.
Por via de regra o substantivo é acompa­nhado de uma expressão atributiva. Depois de uma vida mortificada dor­miu uma morte preciosa (Nova Flor. I. 3). Quando dormir ao lado dêle sono perpétuo no campo de batalha (Herc. Eurico 179). Chorava lágrimas que valiam bem as
amarguras de Mariana (Cam. Amor de Perdição 191).

[4] Graças a Deus. Vide a
nota «) à
pág. 29.

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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