Continued from:

    Àh, ah, ah! disse o "Muleta", ouvindo admi­rado
o que lhe dizia Lipa. Ah, ah, ah, e então?

    Gosto muito de geleia de fruta, Ilia Maka-ritch,
continuou Lipa. Sento-me a um canto e bebo chá e como geléia. Várvara
Nikolaievna e eu to­mamos chá juntas e ela me conta alguma história bonita.
Eles lá têm uma quantidade de geleia… quatro potes! — Come, Lipa, diz ela,
não tenhas medo!

   
Ah, ah. .. quatro potes!

    Eles lá vivem tão bem; chá e pão branco, e tanta carne
quanto se queira. Vivem confortavelmente, mas, Ilia Makaritch, tenho medo. Oh,
sim… tenho medo!

    Mas de que tens medo, minha menina % pergun­tou
o "Muleta", olhando para trás a fim de ver se Praskóvia ainda vinha
longe.

     
Primeiro, no dia do casamento fiquei com
medo de Anisim Grigorivitch.   Não havia nada de especial — ele não foi
grosseiro; somente quando se aproximou de mim, senti um frio por todo o
corpo, até nos ossos. E nunca mais consegui dormir uma noite sequer; tremo toda
e rezo a Deus. E agora, Ilia Makaritch, tenho medo de Axínia. Não há nada de
mau com ela; está sempre a sorrir, mas de vez em quando espia pela janela e
seus olhos ficam tão co­léricos que se tornam verdes tal como os das ovelhas na
tosquia. Foram os Ivhrimins Júniors que lhe meteram o diabo no corpo: "Seu
velhote, disseram–lhe, tem uma pequena propriedade chamada Butiokino, com
quarenta deciatines; nessas terras há barro e água, portanto você,
Axínia, arranje com ele que se construa lá uma olaria e nós comprare­mos
acções." Os tijolos custam agora vinte rubi os o milheiro. Negócio dos
mais sedutores. A noite pas­sada, depois da ceia, disse Axínia ao velho:
"Quero construir uma olaria em Butiokino: serei a superin­tendente."
Disse isto e sorriu. O rosto de Grigori Petrov tornou-se sombrio; podes
compreender, a coisa não lhe agradou: "Enquanto eu viver, traba­lharemos
juntos." Os olhos dela fuzilaram e ran­geu os dentes. Tínhamos filhos —
ela não comeu nenhum.


Ah, ah! interrompeu o "Muleta" com admira­ção. Ela não comeu?

— E
digo-te mais; quando ela foi para a cama, Senhor! — continuou Lipa. — Após
escassa meia hora de sono, levantou-se de um salto, e pôs-se a andar… a andar
e a perserutar na escuridão como para ver se algum camponês incendiava ou
roubava alguma coisa.   É terrível ficar-se junto dela, Ilia Makaritch. Depois
das bodas, os Khrimins Júniors nunca mais dormiram; deram para vir à cidade por
qualquer ninharia. O povo já comenta e correm os mexericos de que é por causa
de Axínia. Dois dentre os irmãos prometeram construir a fábrica de tijolos, o
terceiro ofendeu-se, e por isso tiveram sua indústria fechada por um mês,- e
meu tio Prokhov, desempregado, teve de mendigar para comer. "Tu, tio,
pedindo esmola? digo-lhe eu, — deves arar, ou cortar madeira, e não te
degraclares desta maneira." — "Estou fora de qualquer trabalho
honesto, res­ponde-me ele. Não compreendo isso, minha peque­na Lipa".

Pararam
para repousar e esxperar por Praskóvia junto a um pequeno bosque de alamos.
Ielizarov há muitos anos que era empreiteiro, mas como não pos­suísse cavalos
percorria todo o distrito a pé, carre­gando uma sacola com pão e cebolas.
Caminhava a passo de marcha, balançando os braços, de modo que não era fácil
acompanhá-lo. Na entrada do bosque achava-se uma égua; Ielizarov atraiu-a para
ver se estava em bom estado. Praskóvia alcançou-os, pondo os bofes pela boca; o
rosto encarquilhado, com sua tímida expressão, estava hoje radiante: ela
estivera na igreja como toda a gente e fora à feira, onde ti­nham bebido kvass!
Era-lhe tão raro um prazer, que até lhe parecia que pela primeira vez na
vida tinha tido uns momentos de alegria. Depois de des­cansados, puseram-se os
três novamente em marcha, lado a lado. O sol deitava-se às pressas, seus raios
varavam a ramaria e iluminavam os troncos das árvores.   Havia um ruído de
vozes adiante deles:
 as mulheres de Ukleyevo tinham vindo longe, mas se
detiveram no bosque, certamente para colher co­gumelos.

—  Olá,
raparigas! gritou-lhes Ielizarov. Olá, be­lezas !

Em resposta chegou uma risada.

—  É o "Muleta"! o
"Muleta"! Ah, o velhote!

E até o eco parecia
rir. Em pouco tempo o bos­que ficava para trás deles, surgiam os topos das
chaminés das fábricas e a cruz luzia no alto do cam­panário. -Era a aldeia, a
mesmíssima aldeia "onde Cantor havia comido todo o caviar num
funeral". Agora estavam pertinho de casa; faltava apenas des­cerem no
buraco. Lipa e Praskóvia, que estavam descalças, sentaram na grama para calçar
os sapa­tos; o empreiteiro sentou também. Quando se olha e se vêem os
salgueiros, a alva capelinha e o rio, Ukleyevo parece atraente e pacata; apenas
os tectos das fábricas — pintadas com uma cor escura por motivos de economia —
não inspiravam simpatia. Via-se o centeio no declive do lado oposto e aqui e
ali pilhas e feixes como que espalhados por uma tempestade e alguns renques de
centeio recém-ceifado ; a aveia estava também amadurecida e brilhava ao sol
como madrepérola. Era o tempo da colheita. Hoje era dia santo; amanhã era
sábado; podia-se colher o centeio, transportar o feno, e depois era domingo,
novamente dia santo. Cada dia ouvia-se o troar distante da trovoada; o céu
cobria-se de nu­vens, tinha-se a impressão de que ia chover, e, con­templando
os campos, todos pareciam ter este pen­samento: "Deus nos dê tempo de
colher o grão." E todos se sentiam alegres e felizes, embora um tanto
inquietos.

—  Os
ceifeiros agora estão caros, informou Praskóyia. Um rublo e quarenta por dia.

Ainda
estava chegando muita gente da feira de Kazanskoe: mulheres, operários de
gorros novos, mendigos, crianças. Então passou um carro levan­tando uma nuvem
de pó, atrás do qual galopava um cavalo que não fora vendido e parecia contente
com isso; em seguida um homem puxando uma vaca tei­mosa pelo chifre; depois,
novamente um carro, con­duzindo camponeses embriagados com as pernas caídas
para fora. Uma velha trazia pela mão um garotinho com um enorme chapéu e
enormes botas de cano alto. O pirralho estava exausto pelo calor e as pesadas
botas atrapalhavam-lhe a ílexão dos joelhos, mas mesmo assim lá ia soprando com
toda a força uma cometa de brinquedo. Já haviam che­gado ao cimo da colina e
dobravam a estrada, e ainda se podia ouvir a cometa de brinquedo.

—  E
os donos de nossas fábricas já não são os
mesmos, declarou Ielizarov. É uma pena! Kostiukov esbravejou comigo. —
"G-astou-se uma quan­tidade de tábuas naquela comij a, diz ele, uma quan­tidade!"
— "Tantas quantas foram necessárias, Vasili Danilovitch, e nem uma a mais,
respondo-lhe eu; não como tábuas." — "Como ousas, retruca ele, falar-me
dessa maneira? Um cabeçudo de tua laia! Não te esqueças de que se és
empreiteiro o deves a mim!" berra como um possesso. — "Que maravi­lha!
digo eu. No entanto, antes de ser empreiteiro, já bebia chá todo santo
dia." — "Todos vocês são
 uma
corja de condenados", responde ele. Eu fiquei calado. Podemos ser uma
corja de condenados neste mundo, mas tu e os de tua espécie o sereis no outro,
pensei com os meus botões — ah, ah, ah! No dia seguinte ele estava manso. —
"Não te zangues com o que te disse, Makaritch. Se te disse mais do que
convinha, tu hás-de ver que é um privilégio meu; sou um negociante de categoria
mais antiga do que tu, e tu deves ouvir-me em silêncio." — "O senhor
é, replico-lhe eu, negociante de categoria mais antiga do que eu! Essa é boa,
sou um simples carpinteiro, é verdade, mas São José também foi carpinteiro.
Nosso ofício é honrado e agradável a Deus Nosso Pai, e se o senhor gosta de ser
mais antigo, que isto lhe faça bom proveito, Vasili Danilovitch". Mais
tarde — isto é, depois desta conversa — eu pensei: "Quem é mais antigo? Um
negociante ou um car­pinteiro’?  Talvez um carpinteiro, meus filhos!"

"Muleta"
tornou-se pensativo, e a seguir acrescen­tou : — É assim, meus filhos. Os que
mais sofrem e trabalham, esses são os mais honrados…

O
sol se pusera, e sobre o rio, em torno da igreja e nos terrenos que rodeavam as
fábricas elevou-se um denso nevoeiro, branco como leite. Então, como a
escuridão começasse a crescer, luzes, uma a uma, principiaram a cintilar e por
vezes era como se o nevoeiro pairasse em cima de um abismo insondável. Parecia
a Lipa e sua mãe, que tinham nascido pobres e estavam preparadas para viver
assim até o fim, prontas a abandonar aos outros tudo excepto suas almas tímidas
e gentis, que, por um momento talvez, isso era algum sonho; um imenso mundo misterioso
e elas, mais fortes e mais velhas do que nin­guém, de pé sobre um dos mais
sobranceiros e al-taneiros cumes da vida. Era tão agradável estar-se ali! —
estampou-se-lhes no rosto um sorriso feliz e se esqueceram que era necessário
começarem a descida.

Finalmente
chegaram em casa. Havia ceifeiros sentados no chão, à porta e no armazém. Usual­mente
os de Ukleyevo não vinham trabalhar para Tzibukin, de modo que era preciso
arregimentar ou­tros noutras partes e tinha-se a impressão, no es­curo, de que
eram homens com compridas barbas negras. O armazém ainda estava aberto e via-se
pela porta o surdo Stepán a jogar cartas com o empre­gado. Alguns ceifeiros
cantavam suavemente em surdina, outros reclamavam em voz alta o salário, sem o
obter, porque precisava-se que voltassem ao trabalho no dia seguinte. O velho
Tzibukin, em man­gas de camisa, tomava chá com Axínia, sob as b’é-tulas, junto
à porta. Uma lamparina ardia em cima da mesa.

—  Patrão!
gritavam os ceifeiros da porta, em ar provocante.  Pague ao menos metade! 
Pa-a-a-trão!

Tornava-se
a ouvir o som de uma risada, então começavam de novo a cantar em surdina.

Também
o "Muleta" sentou-se para tomar um pouco de chá.

—  Bem,
estivemos na feira, começou ele. Fize­mos uma excelente caminhada, meus caros,
uma ex­celente caminhada, graças a Deus. Mas sucedeu um incidente desagradável.
O ferreiro Sacha compra tabaco e dá ao vendeiro uma moeda de 50 copeks.

 A
moeda era falsa — continuou o "Muleta" olhando ao redor. Ele dava a
entender que queria contar isto em segredo, mas falava numa voz tão
exagera-damente alta que toda a gente podia ouvir. — Veri­ficou-se que a peça
de 50 copeks era falsa. Indagou–se, de onde teria vindo? "Isto,
informa o homem, foi Anisim Tzibukin que me deu por ocasião de seu
casamento…" Chamaram o sargento; ele che­gou. .. Agora, veja,
Petrovitch, como a história não vai dar o que falar…

—  Pa-a-a-trão!
clamavam as vozes da porta, pro­vocantemente. Pa-a-a-trão!

Fez-se silêncio.

—  Ah,
meninos, meninos, murmurou o "Muleta" confusamente, ao levantar-se do
banco, cabeceando de sono. Obrigado pelo chá com açúcar.. Já é tempo de
descansar; não sou mais do que uma ruína, meu madeiramento está apodrecendo
dentro de mim. Ah, ah, ah!…

Ao
afastar-se deu um soluço e suspirou: — Devia ser tempo de morrer!

O
velho Tzibukin nem terminou o chá ficou para ali sentado, absorto em seus
próprios pensamentos e olhava como se estivesse escutando os passos do "Mu­leta",
que já estava longe, rua abaixo.

—  O
ferreiro Sacha mentiu, eis tudo, disse Axínia, adivinhando-lhe os pensamentos.

Ele entrou
em casa e voltou pouco depois com um embrulho; abriu-o e espalhou uma porção de
rublos reluzentes. Segurou um, apertou-o nos dentes, ati­rou-o a um tabuleiro;
apanhou outro…

—  Estes rublos são mesmo falsos? disse
incredulamente a Axínia. Anisim trouxe-os consigo; foram o seu presente de
núpcias. Toma-os, minha filha, murmurou, pondo o pacote em suas mãos, toma-os e
vai jogá-los no poço. O diabo que lhes dê sumiço! E vê que não fiquem
vestígios… Se não, dará o que falar… Apaga o samovar, apaga também as
luzes.

Lipa
e Praskóvia, sentadas no telheiro, viram as luzes se extinguirem, uma a uma;
apenas no andar de cima, no quarto de Várvara, a lamparina azul e vermelha do
ícone reluzia, transpirando paz, con­tentamento e despreocupação. Praskóvia não
se podia habituar à idéia de que a filha se tinha ca­sado em família rica, e
quando chegava deslizava timidamente pelo vestíbulo, sorria contraieita, e logo
a despachavam com algum chá e açúcar. Tão pouco Lipa podia acostumar-se àquilo,
e depois que o marido partiu, deixou de usar a cama, passando a dormir onde se
encontrasse, na cozinha ou no te­lheiro. Lavava o chão ou passava roupa a
ferro, o que lhe dava a impressão de que as coisas eram as mesmas do tempo em
que trabalhava a soldo diário. Desta forma, após sua peregrinação, beberam chá
na cozinha com a cozinheira, depois foram para o telheiro e recostaram-se na
parede, entre os trenós. Havia ali muita escuridão e forte cheiro de arreios.
Todas-as luzes estavam apagadas, ouvia-se apenas o surdo fechando o armazém e
os ceifeiros acomo-dando-se no pátio para passar a noite. Ao longe, em casa dos
Khrimins Júniors tocava-se o harmó-nio de alto preço… Praskóvia e Lipa
adormece­ram.


Foram
acordadas por alguns passos; a lua bri­lhava vivamente e à entrada do telheiro
estava Axínia de pé, com alguma roupa de cama nos braços.

    Aqui pode estar mais fresco, disse, e entrando
deitou-se no limiar com o luar a cair em cheio sobre ela. Não dormiu, suspirava
profundamente, reme­xia-se e arredou quase toda a coberta; sob a má­gica luz da
lua que linda, que soberba mulher ela parecia! Passou-se algum tempo e
novamente soa­ram passos; a seguir o velho, muito pálido, surgiu à porta.

   
Axínia, estás aí?  Por quê?

   
B então? respondeu ela
rispidamente.

    Acabei de te dizer que atirasses o dinheiro no poço. 
Fizeste assim?

    Não querias mais nada? Atirar dinheiro n ‘água! 
Paguei alguns dos ceifeiros…

    Meu Deus! gemeu o velho, atônito e cheio de medo. 
Mulher sem-vergonha!  Oh, meu Deus!

Torceu
as mãos e saiu, e enquanto caminhava ia resmungando. Pouco depois Axínia
ergueu-se, dei­xou escapar um profundo suspiro de contrariedade, juntou a roupa
de cama entre os braços e saiu tam­bém.

— Por que
me casaste aqui, mamãe querida ? in­dagou Lipa.

—  O
casamento é uma necessidade, minha filha, e não depende de nós.

E a
consciência de uma aflição inconsolável estava prestes a esmagá-las. Então
sentiram que Alguém estava olhando por elas do alto do céu, daquela imensidão
azul onde são guardadas as estrelas, Alguém estava de guarda e via todas as
coisas que aconteciam em Ukleyevo. E, embora grande a Mal­dade, maravilhosa e
pacífica é a noite, e no Reino de Deus reina a Bondade, que sempre há-de reinar
pacífica e maravilhosa; pois sobre a terra tudo es­pera o dia de ingressar no
Bem, tal como a luz da lua penetra na escuridão da noite.

Sentiram-se ambas
confortadas e, recostando-se uma na outra, adormeceram.

 


VI

Algum
tempo depois espalhou-se a notícia de que Anisim tinha sido preso por cunhar e
derramar moeda falsa. Passaram-se meses, uns seis meses talvez, já se fora o
comprido inverno, viera a pri­mavera e os habitantes de sua casa e o resto da
aldeia acabaram por acostumar-se à idéia de que Anisim estava na prisão. Quando
alguém passava por ali durante, a noite, lembravam-se de que Anisim estava na
prisão; quando os sinos da igreja repicavam por esta ou aquela razão, novamente
se lembravam de que Anisim estava na prisão e aguardava sentença.

Era
como se uma sombra pairasse sobre o lugar. A casa tornou-se sombria, o telhado
revestiu-se de limo, a porta do armazém, outrora pintada de verde e rodando nos
seus pesados gonzos de ferro, parecia, como disse o próprio surdo Stepán,
"a porta em de­suso de uma ruína". O velho Tzibukin era uma visão
triste, o cabelo e a barba cresciam-lhe em desordem, sentava-se à tarantass cheio
de desânimo, não gri­tava mais para os mendigos: "Deus te ajude!"
Suas forças decaíam visivelmente; já se tinha menos medo dele, e o fiscal
redigiu um relatório oficial sobre o armazém, mas nem por isso deixou de
receber, como sempre, todas as mercadorias que requisitava. Tzi­bukin foi
intimado três vezes a comparecer na cidade para ser multado por contrabando de
vinho, e nas três vezes foi condenado à revelia por não ter comparecido à
audiência. É que o velho estava arrasado. Ia freqüentemente ver o filho;
empenha­va-se junto a fulano ou sicrano, encaminhava peti­ções, oferecia
recompensas a torto e a direito. Ao inspector do cárcere em que se achava
Anisim ele fez presente de uma bandeja de prata com a inscri­ção em esmalte:
"O coração não conhece medidas", e uma enorme concha no mesmo metal
acompanhava esse presente.


Mas vocês não se mexem! não haverá ninguém que se interesse, que agite a coisa?
indagava Vár-vara. Oh! que vergonha! Por que não te diriges a um desses
cavalheiros? Eles podem escrever ao co­mandante-chefe. .. Se ao menos o
soltassem até o julgamento.   O pobre rapaz adoecerá na prisão.

A
história afligia-a muitíssimo, empalidecia, mas ao mesmo tempo engordava. Como
dantes, acendia as lamparinas dos santos, fazia com que a casa se mantivesse
limpa e confortável, obsequiava os hós­pedes com geleia e torta de maçãs. O
surdo e Axinia cuidavam do negócio. Inauguraram a nova indús­tria, a
olaria de Butiokino, para onde Axinia ia todo santo dia, de tarantass. Ela
mesma guiava, e topando com algum conhecido esticava o pescoço como uma víbora
entre o centeio tenro e sorria ino­cente e enigmàticamente. Lipa vivia
brincando com seu bebê, que nascera pouco antes da Quaresma —: uma
pobre criancinha tão franzina que parecia es­tranho que pudesse chorar, mover
os olhinhos e ser considerada um ser humano, e também chamar-seNikif or. Quando
estava no berço, Lipa ia até a porta e gritava para ele:

— Bom dia, Nikif or Anisimovitch!

Então
corria precipitadamente e beijava-o, para em seguida voltar até a porta e de
novo saudá-lo:

—  Bom dia, Nikif or Anisimovitch!

E
ele agitava as perninhas cor-de-rosa no ar, ria e chorava ao mesmo tempo, como
o carapina leli-zarov.

Afinal
fixou-se e foi anunciada a data do julga­mento. O velho saiu de casa cinco dias
antes. Sou­be-se então que alguns moradores da aldeia tinham sido chamados como
testemunhas; o velho operário também foi, igualmente, intimado a comparecer. O
julgamento foi na quinta-feira. Chegou domingo e o velho nada de voltar. Tão
pouco havia notícias. Na terça-feira, ao anoitecer, Várvara postou-se à janela
à espera do velho. No quarto contíguo Lipa brincava com o bebe, sacudindo-o e
embalando-o, e dizendo num transporte de alegria:

    Ele vai ficar assim grande, assim grande. Será um mujique
e vamos trabalhar juntos. Vamos tra­balhar juntos!

    Pára com isso! retrucou Várvara ofendida. Por que
falas em trabalho dessa espécie, tolinha1? Ele há-de ser negociante!

Lipa
começou a cantar meigamente, mas pouco depois já se tinha esquecido e repetiu:

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