O
conceito de amizade em Aristóteles.
Autora: Maria Regina
Ponte da Silva[1]
“Depende de nós
praticarmos atos nobres ou vis; e se é isso que se entende por ser bom ou mal,
então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.”
Aristóteles.
Em
seu livro Ética à Nicômaco, Aristóteles estabelece um tratado das virtudes
humanas. As virtudes se dividem em intelectuais ou dianoéticas e as virtudes
morais, que podem ser aprendidas através do hábito.
A
razão prática ou a ética em Aristóteles possui uma finalidade imprescindível,
na medida em que ela serve de fio condutor que dá acesso à Felicidade. É por
isso que a Ética de Aristóteles é teleológica, ou seja, também conhecida como
doutrina do eudamonismo, pois nossas atitudes devem buscar a felicidade através
de ações virtuosas.
A virtude
aristotélica consiste no esmero esforço do equilíbrio entre os vícios da falta
e do excesso. Em posição de destaque se encontra a amizade, como virtude
necessária no compartilhamento da felicidade.
A AMIZADE
A
amizade é, pois uma virtude extremamente necessária à vida. Mesmo que possuamos
diversos bens, riqueza, saúde, poder, ainda assim, não será suficiente para
nossa realização plena, pois nos falta a essencial e indispensável amizade. Na
ética aristotélica, quanto mais influência e poder manipular um homem mais
necessidade ele terá de ter amigos. A justiça e a amizade possuem os mesmos
fins, mas considera-se a amizade superior a justiça, pois a justiça é utilizada
para contornar nossos atos em relação ao próximo que não conhecemos. Com os
nossos amigos não precisamos de justiça, pois a natureza da amizade nos é
completa, como mais autêntica forma de justiça.
De
acordo com a proporção da faixa etária de cada indivíduo, a amizade apresentará
uma função específica. Para os jovens ela ajuda a evitar o erro, para os mais
velhos serve de amparo para as suas necessidades e suprime as atividades que
declinam com o passar dos anos, porque dois que andam juntos são mais capazes
de agir e pensar.
Sua
utilidade se estende ainda mais, ela mantém cidades unidas, pois assegura a
unanimidade e repele o faccionismo. Por conta disso, afirma Aristóteles:
A
amizade não é apenas necessária, mas também nobre, pois louvamos os homens que
amam os seus amigos e considera-se que uma das coisas mais nobres é ter muitos
amigos. Ademais pensamos que a bondade e a amizade encontram-se na mesma pessoa.[2]
A
condição necessária e basilar para se formar uma amizade se dá pelo conhecimento
de uma a outra pessoa que desejam entre si reciprocamente o bem. Assim como a
condição específica para ser objeto de amor é ter um caráter bom, agradável e
útil.
Acrescenta
Aristóteles que deve existir mais de uma forma de amizade, neste sentido
apresenta três espécies de objetos de amor: o que é bom, ou o agradável, ou
útil.
Destes
três objetos nascem três espécies de amizade. Encontra-se em situação de
superioridade aquela que é motivada pelo bem, pois é duradoura. Enquanto a
agradável está relacionada aos jovens e a terceira parece existir
principalmente entre as pessoas idosas, pois nesta idade buscam não o
agradável, mas o útil. Nestes tipos de amizades as pessoas buscam seus próprios
interesses para terem alguém que lhes proporcionem prazer ou alguma utilidade.
Não ama o amigo por ele mesmo, mas na medida em que ele pode proporcionar algum
bem, utiliza a amizade para conseguir outra coisa, de modo que o amigo é tido
como um meio; não como um fim. O verdadeiro amigo quer as coisas para as
pessoas a quem ele ama, o amigo por acidente as quer para si.
Segundo
Aristóteles, o requisito essencial para a amizade é “a consciência, a qual só é
possível se duas pessoas são agradáveis e gostem das mesmas coisas”.
Entretanto, se a ausência é demorada parece provocar o esquecimento da amizade.
A
amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na
virtude, ou seja, há a reciprocidade de caráter e de objetivos,
conseqüentemente portará a tendência de ser perene. Sua exigência peculiar
resume-se em tempo e intimidade e a verdadeira amizade é invulnerável a
calúnia.
Há
uma outra espécie de amizade que envolve a desigualdade entre as partes, por
exemplo, a amizade entre pai e filho, entre velho e jovem, entre marido e
mulher, e em geral a amizade entre quem manda e quem obedece. Como tornar
proporcional a amizade entre os desiguais?
São
consideradas amizades acidentais aquelas que se fundamentam no interesse
derivada do amor a utilidade e não ao outro por si mesmo, assim elas são
facilmente capazes de se fragmentarem quando uma das partes cessa de ser
agradável ou útil, pois existia apenas como um meio para se chegar a um fim.
Já
que a igualdade é característica essencial da amizade e que ela exerce os
mesmos atos também na justiça, aquele que for melhor para com o outro deverá
receber mais amor, para que assim estabeleça-se a proporção.
Por
outro lado, ser amado é algo bom em si mesmo, e por isso parece ser melhor ser
amado que receber honras, conseqüentemente a amizade parece ser desejável por
si mesma. Mas a natureza da amizade consiste muito mais em amar do que ser
amado, por exemplo, o amor de uma mãe pelo seu filho. É dessa maneira que
pessoas desiguais podem ser amigas, sendo possível a igualdade entre eles.
Desta forma, a amizade que se forma entre contrários visa à utilidade.
Em
resumo, podemos concluir a partir de Aristóteles que:
Podemos
dizer que amar assemelha-se à atividade, e ser amado à passividade: amar e ter
várias formas de sentimentos amistosos são atributos dos homens mais ativos.[3]
1. A amizade x benevolência
A
amizade pode cessar quando a reciprocidade de interesses é desvinculada. Esses
fatos ocorrem quando o amante ama o amado visando o prazer, e o amado a
utilidade, e nenhum deles possuem as qualidades que deles se espera. Ou seja,
nenhum deles amava o outro por si mesmo à vista que suas qualidades não eram
duradouras.
Nesse
sentido, os desentendimentos ocorrem quando o que as pessoas obtêm é algo
diferente daquilo que desejam.
Enquanto
a amizade envolve a intimidade, a benevolência pode surgir subitamente, como
acontece com os adversários em uma competição. Assim, ela pode ser o início de
uma amizade. , do mesmo modo que o prazer o prazer com os olhos é o início do amor.
Logo, podemos se aproximam por sentir benevolência uma para com a outra, na
medida em que o tempo trará a intimidade para ratificar o amor.
Assim,
afirma Aristóteles:
Por
uma extensão da palavra amizade, poderíamos dizer que a benevolência é a amizade
inativa, não obstante, quando se prolonga e chega ao ponto da intimidade, ela
passa a ser amizade verdadeira. Mas não se trata da amizade baseada na
utilidade ou no prazer, pois a benevolência não se manifesta em tais condições.[4]
A reta razão
A
reta razão é justamente o caráter deliberativo da alma que nos dirige as
virtudes, que nada mais são que o meio-termo entre os extremos. Para explicar a
natureza da reta razão, Aristóteles inicia o livro VI afirmando que a alma se
divide em duas partes: uma racional e outra não racional.
A
racional se divide em outras duas partes: a científica[5],
que contempla as coisas imutáveis, não sendo esta objeto de deliberação: e a
calculativa, que se ocupa das coisas mutáveis, sendo objeto de deliberação.
A virtude da primeira será a sabedoria filosófica e a da segunda a sabedoria
prática.
Dentre
as três coisas que controlam a ação e a verdade na alma temos: a sensação, o
pensamento e o desejo. A primeira não é princípio de qualquer ação refletida,
mas o desejo está ligado à reta razão. Assim, a escolha só será boa se o desejo
for guiado pelo reto raciocínio.
A
razão predomina sobre o desejo:
O
caráter deliberativo encontra-se na inteligência prática, pois nos responde se
o nosso desejo é bom ou não. Se for bom, a escolha deverá ser feita, pois houve
concordância entre a razão e o desejo (a razão aprovou o desejo). Mas quando a
razão conclui que tal desejo nos prejudica, então não deveremos escolher, pois
embora o tenhamos desejado, a razão o rejeitou como algo prejudicial. Nesse
sentido, só será lícito conhecermos uma coisa que desejamos, depois que o
raciocínio a examinar declarando-a boa.
O
alcance da verdade na alma somente será encontrado através de cinco
disposições: a arte (no sentido geral do conhecimento técnico), o conhecimento
científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva.
A
arte, para Aristóteles, é a capacidade de produzir, utilizando um conhecimento
sobre a maneira de se fazer às coisas, mas não se remete ao agir. Seria uma
ciência como um conhecimento demonstrativo do necessário e do eterno, podendo
ser ensinado ou demonstrado pela indução.
“O
conhecimento científico é o juízo acerca das coisas universais e necessárias”.
Já
a sabedoria prática ou discernimento é a capacidade deliberação, como já
mencionamos anteriormente, tendo no agir a sua finalidade.
O
discernimento deve ser uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com
respeito aos bens humanos. Ela é, portanto, a capacidade de pensar sobre as
coisas de ordem prática, sobre a conduta do próprio homem e de agir conforme o
raciocínio. Nesse sentido, o prazer e a dor podem interferir nos juízos de
ordem prática.
Podemos
dizer que a sabedoria filosófica é a união da inteligência e da ciência (que
demonstram as coisas invariáveis) , segundo Aristóteles, ela é a mais perfeita
forma de conhecimento… Enquanto a sabedoria prática se relaciona com as
ações humanas, que são objetos de deliberação, às coisas particulares e
variáveis que tenham uma finalidade específica dentro do mundo da ação.
Portanto afirma Aristóteles:
E
não é menos evidente que a escolha não será acertada sem a sabedoria prática,
como também não sem a virtude, pois uma (a sabedoria prática) determina o fim e
a outra nos leva a praticar ações que conduzem a esse fim[6].
Na verdade,
o ideal seria possuir as duas, mas não sendo isso possível a sabedoria prática
é preferível à outra, pois diz respeito à ação de nossa realidade imediata, prática
indispensável ao caráter deliberativo e iminente.
CONCLUSÃO
Na verdade,
não há teoria da vontade racional em Aristóteles, mas o que ele instituiu foi o
conceito do desejo deliberado, ou seja, a filosofia do agir. A estreita ligação
entre desejo e virtude faz com que se possa justificar uma das expressões com
que se quis caracterizar globalmente a Ética Nicomaqueia: eudonismo racional.
A finalidade
ultima desse eudonismo é a contemplação, Livro X. Por conta disso, não se pode
conciliar plenamente a unidade da virtude com a multiplicidade das virtudes,
porque cada uma é ao mesmo tempo o seu fim em si e meio para atingir a
contemplação. Por outro lado, e ainda diferentemente de Platão, não se pode
separar a vida ativa e a vida contemplativa. Participando do prazer eterno o
filósofo, ao contemplar obedece à sua natureza racional, cumprindo, o mais
completamente possível ao homem, o seu dever de ser feliz.
Mas a ética
aristotélica passa ainda por outro pólo, a vida humana baseada nas relações
intersubjetivas da amizade, como condição necessária e indispensável para uma
vida feliz, devendo acompanhar todo o agir moral.
A
importância de sua filosofia adquiriu influência no pensamento cristão. Como no
caso de São Tomás de Aquino que no seu pensamento teológico, aproveita a
sistematização do Estagirita. Bem como, no ocidente, do período clássico até o
século XVIII e permanece até os nossos dias.
BIBLIOGRAFIA
- ARISTÓTELES,
Ética a Nicômano. Coleção obra-prima de cada autor. - ARISTOTE. Éthique a Nicomaque. Trad. J.
Tricot. Paris: J. Vrin, 1994. (Librairie
Philosophique J. Vrin). - ARISTOTE. La Politique. Trad. J. Tricot. Paris: J. Vrin, 1995. (Librairie Philosophique J. Vrin).
- COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado
das grades virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995. - FRONDIZI, Risieri. ¿Qué son
los valores? Introducción a la axiología. 4a ed. México: Fondo de
Cultura Económica, 1968. - GÜNTHER, Klaus. The Sense of
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Psicologia del desarrollo moral. Bilbao:
Desclée de Brouwer, 1992. - LEAR, Jonathan. Aristóteles. Madrid: Alianza, 1994.
- REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo:
Loyola, 1994. vol. 5. - TRICOT, J. Notes. In ARISTOTE.
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J. Tricot. Paris: J. Vrin, 1994. - VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos
de Filosofia II: Ética e Cultura. 2a ed. São Paulo: Loyola, 1993. - VIEHWEG, Theodor. Topik und
Jurisprudenz. 5a Auf. München: C. H. Beck, 1974.
[1] Ms em
Filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará)
[2] Aristóteles, Ética a Nicômaco, Martin Claret, p. 173
[3] . Aristóteles. Ética a Nicômaco, Martin Claret, p.206
[4]. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Martin Claret. p.203
[5] O conhecimento científico é um juízo das coisas
universais e necessárias. Aristóteles, Ética a Nicômaco, Martin Claret, p. 133
[6] Aristóteles, Ética a Nicômaco, Martin Claret, p. 144
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