O CONGRESSO DOS AMERICANISTAS DE VIENA

Oliveira Lima

O CONGRESSO DOS AMERICANISTAS DE VIENA

O Congresso que hoje se inaugura é o 16.° da série. O anterior foi em Quebec, o penúltimo em Stuttgart, o antepenúltimo em Nova York; desde algum tempo assim alternadamente numa cidade européia e numa cidade americana. _A série começou por Nancy, *em 1875, num início, como quase sempre acontece, modesto, tentado pela Sociedade Americana de Paris. Como observou com justiça o secretário-geral do presente congresso, Doutor Franz He-ger, diretor da seção antropológica e etnográfica do Museu Imperial de História Natural, ao gênio impulsivo dos franceses cabe regularmente o mérito da primazia em todas as questões da vida pública.

A feição dos primitivos congressos americanistas e dos últimos mesmo ressente-se dos auspícios sob que nasceu o inaugural e se desenvolveu o seguimento dessas reuniões de um cosmopolitismo por assim dizer especial — a importância atribuída ao estudo do fator aborígine em suas variadas manifestações tem sobrelevado muito a importância dispensada ao estudo do fator estranho ou invasor. Contra tal tendência se está consciente ou instintivamente reagindo desde então, mas é preciso que a sedução exercida pelo primeiro estudo seja muito forte para que, no programa da reunião de 1908, os tópicos indígenas ainda avultem extraordinariamente ao lado dos tópicos europeus.

São com efeito raríssimas as memórias que não dizem respeito ao que se pode denominar a trilogia americanista, a saber, a antropologia, a pré-história e a etnografia do continente duplo. Aparecem até únicas a comunicação do acadêmico espanhol Sanchez Moguel sobre a intervenção de Frei Hernando de Talavera nas negociações de Colombo com os Reis Católicos — um ponto muito interessante para a história da descoberta da América — algumas comunicações cartográficas relativas ao século XVI, e a comunicação do delegado do Brasil sobre a evolução do Rio de Janeiro dos tempos coloniais às suas galas atuais.

O Brasil vai representar no Congresso deste ano um papel bastante conspícuo, pela cópia dos materiais de estudo que fornece e por algumas circunstâncias mais. Entre as memórias figura uma, do infatigável estudioso dos nossos problemas etnológicos e etnogênicos, Dr. Paulo Ehrenreich, sobre o conhecimento presente da etnografia do sul do Brasil, a qual deve ser o mais consciencioso e erudito balanço possível desse ramo científico dentro daquela órbita. O que porém constitui matéria sobretudo de alta valia é o fato de ser o Museu de Viena, graças às suas coleções brasileiras, o mais rico e completo dos repositórios etnográficos do mundo no tocante à América do Sul. Isto mesmo vai explicar numa memória, e já expôs com grande desenvolvimento numa publicação oferecida aos membros do Congresso, o Dr. Franz Heger, que há dois anos foi ao Rio adquirir por conta do Governo austríaco e fazer transportar a coleção particular reunida com tanta inteligência e carinho pela Sra. Baronesa de Loreto.

A contribuição capital para a mencionada importância do Museu de Viena neste particular é contudo representada pela abundantíssima coleção que em dezoito anos de peregrinações pelo nosso país, em boa parte na sua região amazônica, organizou o naturalista Johann Natterer. Consta de 2.500 números o legado científico, somente no domínio etnográfico, proveniente de mais de 80 tribos indígenas, do grande viajante. O diretor da seção respectiva do Museu de Viena declara que hoje em dia, com meios embora bem mais extensos e eficientes, seria impossível reunir uma coleção semelhante, tendo mudado muito, e desfavoravelmente sob este ponto de vista, a situação das populações aborígines e desaparecido em parte, e nalguns casos até totalmente, a sua cultura rudimentar, mas própria.

Encaixotada, como chegou, durante muitos anos, a coleção Natterer, apenas em 1889 foi parcialmente exposta, e somente agora vai ser conhecida e divulgada, posto que ainda não integralmente.

Sobre ela discorre proficientemente o Dr. Heger na publicação já citada em que chama a atenção, ou melhor, solicita a gratidão do mundo culto para o nome de um sábio que deve ser contado entre os mais notáveis viajores científicos.

Acresce, para justificar a asserção de que ao Brasil caberá no Congresso Americanista de Viena uma parte preponderante, que a presidente de honra, com cuja graciosa assistência se celebrará esta noite a primeira reunião no Palácio Municipal, é a filha do príncipe-regente da Baviera, a Princesa Teresa, cujo título de americanista se filia na sua expedição ao Brasil, cujas impressões se acham estampadas num livro que é pena nunca haver sido traduzido para o nosso idioma.

A Neue Freie Presse de hoje refere-se à ilustre princesa como uma ausgezeichnete Kennerin Brasiliens (uma eminente conhecedora do Brasil). Senhora de alta inteligência e grandes conhecimentos em História Natural, ela não é certamente uma amadora, antes uma profissional colaboradora de revistas científicas, que pessoalmente estudou a nossa geografia e travou conhecimento direto com as nossas populações indígenas.

Das suas viagens ao Brasil trouxe a Princesa- Teresa, que é uma poliglota notável, falando corretamente o português, conforme tive ocasião de verificar, uma coleção etnográfica e zoológica que em Munique constitui seu interessante museu particular.

Viena, 8 de setembro de 1908

II 

A série de congressos americanistas tem tido como resultado, no terreno especial mais que tudo cm que se há colocado a grande maioria dos seus participantes c no qual concretizaram seus melhores esforços, em vigorar e unificar as pesquisas científicas relativas ao passado americano, de que o presente dá uma pálida idéia emprestando-lhes um fundamento mais sólido e uma orientação mais consciente. Bastaria para comprová-lo o programa da primeira sessão deste Congresso; após a sessão inaugural, em que se pronunciaram numerosos discursos para troca de saudações e de votos, e da reunião despretensiosa *na Volkshalle do Palácio Municipal, em que o deus Gambrinus protegeu o primeiro encontro dos delegados.

Realizou-se aquela sessão sob a presidência efetiva da Princesa Teresa da Baviera, cuja obra sobre Colômbia e Equador, que acaba de ser impressa, foi apresentada ao Congresso. Boa parte da tarde coube ao nosso país, pois que nada menos de três memórias foram lidas, a êle relativas: a do seu delegado oficial, que esta folha publicou na íntegra, a do secretário-geral Franz Heger sobre as coleções etnográficas agrupadas em Viena, de que me ocuparei em artigo especial, e a do Professor Ehrenreich, sobre a presente situação dos nossos conhecimentos no tocante à etnografia do sul do Brasil.

Segundo o distinto professor de Berlim, a ligação etnográfica das tribos indígenas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul era até há pouco confusa por motivo da sua nomenclatura errada, devendo-se o esclarecimento aos recentes trabalhos de Ihering, Ambrosetti, Borba e Martinez. Tratava-se sobretudo da fixação etnográfica dos seguintes grupos: os Guaianás, os Chavantes de São Paulo e os chamados Bugres de Santa Catarina. Os dois primeiros problemas acham-se resolvidos, no dizer do Professor Ehrenreich.

Os Guaianás abrangiam de fato três tribos distintas: os Waigan-nás de Hans Stade, provavelmente da família tupi-guarani como toda a população da costa; os Kaingang do interior de São Paulo, Paraná e Rio Grande, inquestionavelmente do grupo dos Gês, e os Ingain do salto de Guaíra no Alto Paraná e também do sudeste do Paraguai igualmente do grupo dos Gês.

Pelo contrário, não pertencem a este agrupamento os Xavan tes de São Paulo, antes formam uma tribo à parte e isolada, com linguagem própria.

Quanto à filiação dos Bugres, o problema fica ainda sem solução por falta mesmo de material filológico, desconhecendo-se até sua denominação de tribo. Ehrenreich julgava-os da família dos Gês, mas hoje os considera antes primitivos tupis-guaranis, parentes próximos dos Ares do Tibagi (Paraná), e dos Guaiaquis, do Paraguai. O Professor Ehrenreich considera de alta importância para a etnogenia a comprovação de uma primitiva população guarani originária da região entre o médio Paraguai, o Paraná e o Uruguai, pois que a questão do berço da família tupi-guarani está sempre por decidir.

A memória do Sr. Oliveira Lima foi a terceira lida. Precederam-na a do Professor Boas, da Universidade de Colômbia, em Nova York, sobre a expedição Morris Jcsup ao Estreito de Bhe-ring com o fim de descobrir vestígios eventuais do parentesco entre as populações asiáticas e americanas daquela região, que aproveitassem a1 solução do velho problema das origens asiáticas da civilização americana, e a do ilustre Sir Clements Markham sobre os tópicos da história dos Incas esclarecidos pela recente publicação da obra inédita de Sarmiento. São estes tópicos, sobretudo os referentes à ocupação de Cuzco e ao aperfeiçoamento do sistema socialista dos Incas. O erudito inglês prestou o maior tributo a importância e exatidão dos autores espanhóis que se ocuparam do Peru.

As antiguidades peruanas c mexicanas oferecem um campo vasto e fértil de explorações e estudos, que ainda está bem longe de se achar esgotado, e o número de contribuições que lhes dizem respeito é muito avultado neste congresso. As inscrições hieroglíficas, os desenhos esculpidos, os adornos pessoais são outros tam-tos motivos de interpretação, de explicação e de comparação. As populações de hoje não oferecem, nas suas superstições, lendas e costumes mais do que remotas analogias com a civilização peculiar, que outrora floresceu nessa região e que se desmoronou ao contacto da raça mais forte, qual era a dos invasores.

Aquelas populações contemporâneas- formam o objeto de estudos seguidos: o Dr. Preuss, de Berlim, por exemplo, já dissertou sobre a festa do vinho entre os índios Cora da Sierra Madre ocidental mexicana. Falece naturalmente porém a essa ordem de trabalhos a sedução que se desprende da atmosfera misteriosa e dramática em que evoluiu a sociedade asteca. O Professor Soler, de Berlim, fêz desfilar em projeções luminosas séries de hieróglifos do chamado manuscrito de Dresda e de esculturas religiosas do Yucatan, decifrando-os e ligando-os com uma facilidade garantida pelo seu profundo conhecimento do assunto. Outros vários lhe foram no encalço.

Viena, 12 de setembro de 1908

III

O congresso que acaba de ter lugar não fornece apenas matéria para crônica pelo seu lado científico; existem outros aspectos, numa reunião como essa, que valem a pena de ser considerados e cujo registro é igualmente instrutivo, no melhor sentido. A simplicidade fundamental desta classe de reuniões na Europa é uma feição que ainda não foi entre nós adotada porque nos falta até aqui educação para tanto. Estamos por ora no período em que

se associa o bom gosto com a profusão c a hospitalidade com a prodigalidade. Não seremos uns adventícios na extensão da pala vra, mas a cada passo mostramos com desvanecimento a casa nova, em que há mármores e também peluches, e para chamar bem a atenção para a exibição não vacilamos em pôr uma música de pancadaria diante da porta e outra de ensurdecer no vão da escada.

Pelo que toca ao congresso e ao modo’por que com relação a êle se exerceu a cortesia vienense, é verdade que Viena não tinha mais que se mostrar para encantar, que o seu ar de grandeza, a sua aparência monumental, a sua riqueza arquitetural são elementos suficientes para distrair, interessar e empolgar. Viena por si diverte. A opulência das suas coleções de arte rivaliza com a opulência das^ suas tradições de história e ambas denunciam o caráter verdadeiramente imperial desta cidade única na Europa, em que o mundo ocidental vem encontrar-se com o oriental e as raças do Norte vêm misturar-se com as do Sul.

O austríaco é o alemão latinizado, podemos dizer o bárbaro bem policiado pela cultura romana nas idéias e, o que mais custa, nas maneiras. A longa sujeição da península itálica ao domínio do Sacro Império não produziu somente rancores e ódios: determinou essa aclimação teutónica a um meio de suntuosidades, de volúpias e de tolerâncias.

Aos congressistas foi naturalmente dado visitar os museus, o de arte histórica, bem como o de etnografia, que equivale a arte próxima da natureza, e com eruditos comentários lhes foram mesmo exibidos os tesouros acumulados nos dois soberbos edifícios que ladeiam o monumento de Maria Teresa. Foi quanto porém eles tiveram de gratuito, além do jantar do burgomestre, com que se encerraram os trabalhos. Na primeira reunião, no Volkshalle do palácio municipal, as mesas estavam dispostas para a ceia, mas cada qual escolhia da lista o que lhe agradava, organizava seu jantar e pagava sua conta. A Princesa Teresa de Baviera, presente, se não pagou foi porque não comeu.

Nas pequenas excursões depois das sesssões, ao Prater, o grande recreio favorito dos vienenses, ao Kahlenberg, donde se domina o Danúbio que nada tem de azul, e a Scõnbrun, que Ros-tand popularizou com a evocação do Aiglon, cada um pagava seu bilhete de bonde ou de estrada de ferro, e lá gastava em comes-e-bebes o que lhes pedia o apetite ou permitia a bolsa. O passeio era um pretexto mais de reunião, motivo para conversa desanuviada depois da conversa séria. Sendo de supor que os respectivos governos e universidades tivessem provido seus representantes dos meios de subsistência durante o congresso, julgar-se-ia mesmo descabida essa híper-alimentação por cortesia internacional. Um, dois banquetes têm sua significação e seu encanto: um banquete ou dois diários (não digo nos Diários porque não estou recordando o Pan-Americanismo, sim referindo-me aos americanistas) constituem uma imposição estomacal a que a hospitalidade mesmo brasileira não deve submeter seus convidados. Não trato do lado despesa, porque é coisa de que se não deve falar em terras pobres — só os ricos têm o luxo das economias — e entre nós se julga uma vergonha nacional limitar créditos de recepções.

Em Viena cada participante concorreu com suas 6 coroas (velai a fase, oh! meus patrícios) para a excursão ao castelo de Krenzenstein, ruína soberba da guerra dos 30 anos transformada numa restauração integral do velho solar fortificado pelo representante atual da família que secularmente o possuiu. A refeição oferecida aos congressistas pelo Castelão, Conde Witzek, no pátio da feudal mansão, foi caracteristicamente medieval, constando de chouriços Winerwürtzel — cozinhados à vista do freguês, pão, cerveja, vinho branco e charutos do jubileu.

No Brasil, se tal acontecesse, ao avança se seguiria uma vaia ao castelão. O vento frio cortava a cara como punhais e a fome dava para muito mais. Entretanto, c aí está a diferença na educação, ninguém se agastou com esta sem-cerimônia nem se considerou desprestigiado por não haver sido convidado para um banquete em regra, tratado a faisõcs c a champagne. Os brindes foram numerosos e calorosos — e por que não sinceros? — como se os estômagos estivessem repletos de vitualhas suculentas e bebidas caras, enquanto o vento norte uivava pelas ameias e pátios do castelo, entre clarões de relâmpagos c estampidos de trovões, numa encenação que parecia de encomenda e que não hesitaria em proclamar admirável, se me não tivesse custado uma semana do mais aborrecido defluxo.

Todos acharam a reunião, como a da "Volkshalle", agradabilíssima. Sehr gemütlich foi a expressão muito da sua terra, do que, em conversação comigo, se serviu a princesa da Baviera, a quem tive o gosto de fazer sabido, dela que tão bem conhece uma parte dos nossos sertões e toda a nossa costa, que o espectro da febre amarela já não surge por trás do Pão de Açúcar, donde hoje se ergue o burburinho da exposição. Com certeza lhe agradou aquela simplicidade porque é a singeleza um atributo fidalgo. Não há muitas noites, jantava a nosso lado, no restaurante do Bristol, o Príncipe Dom Augusto com sua esposa que é uma arquiduquesa da Áustria; não havia em toda a sala senhora menos espalhafatosamente vestida, nem de mais naturalidade de maneiras.

O fausto e a pretensão são os característicos imediatos dos pàrvenus: tanto assim que o espírito de exibição cada dia se generaliza mais entre os norte-americanos, à medida que vão perdendo sua deliciosa franqueza democrática, e que o restaqüerismo está emigrando da Argentina à medida que a distinção vai abrindo caminho e tingindo a sociedade platina. Não é argentino .o secretário de legação que vendeu não há muito a uma grande cocotte o seu bidet de prata de três mil francos.

Nos Estados Unidos, onde, como é sabido, enquanto se não inventa um imperador, faz-se o gasto de casa com uma dúzia de réis, existe um destes monarcas cujas criações parecem ter exercido o mais poderoso apelo sobre a imaginação viva de um eminente diplomata, cultor do simbolismo gastronômico. Refiro-me ao Sr. George A. Kessler, intitulado rei dos banquetes, do mesmo modo que o Sr. Rockefeller é o rei do petróleo, que o Sr. Pier-pont Morgan é o rei das estradas de ferro, que o Sr. Carnegie foi o rei do aço. Digo foi, porque entre esses se encontram também reis depostos ou reis que abdicaram.

O Sr. Kessler emprega toda a sua inteligência em fantasiar banquetes. Sua preocupação máxima é descobrir nesse gênero alguma coisa de original. Já deu um jantar cm balão, outro a cavalo, outro ainda num cesto gigantesco de rosas. Deu mais um jantar campestre, com galos cantadores, galinhas cacarejadoras e porcos grunhindo em derredor da mesa; um jantar de vagabundos, com os convivas em farrapos comendo iguarias finas dentro de latas velhas de massa de tomate, um jantar tropical, por êle denominado jungle dinner, numa sala transformada em laranjal da Flórida e em coqueiral das Antilhas.

Este último já foi reproduzido pelo seu fiel imitador, c bem assim o famoso jantar da gôndola, que ao primitivo organizador custou 2.500 libras — a reprodução, em maior escala, provavelmente custou mais, compreendendo apenas 24 convivas. O Rei Kessler considera este banquete veneziano, servido dentro de uma grande gôndola branca, balouçando-se nas águas azuis de uma sala de hotel londrino adrede preparada e sob um docel de cravos, o triunfo dos seus 25 anos de estudo e prática na arte muito americana de entertain.

O grande senhor austríaco, que tão despretensiosamente recebeu os americanistas, preferiu empregar sua vida em reedificar, com fidelidade levada às últimas minúcias da arquitetura e da decoração, uma habitação solarenga de remota antiguidade (pois que começou como castelo romano) e transformá-la interiormente num extraordinário museu de armas, de quadros, de móveis, de bronzes e cobres, de porcelanas, de lâmpadas, de mil objetos caseiros que documentam e ilustram da forma mais completa e sugestiva todo um viver extinto.

Viena, 18 de setembro de 1908

IV

A língua mais usada neste Congresso de Viena foi a alemã. Por mais internacionais que se intitulem e que de fato sejam semelhantes reuniões, em cada uma delas vem sempre a predominar a língua do país dentro dos confins do qual se efetua sua celebração: suposto que o país em questão entre, está bem entendido, no número dos que tributam à ciência afervorado culto e gozam no mundo de situação preponderante. Assim acontece com a Alemanha, a que no sentido de que se trata devemos agregar a Áustria.

A única comunicação cm espanhol — em italiano também só houve uma — foi a do Professor Sanchez Moguel, de Madri, que se fêz especialista de reparações históricas, escreveu mesmo sobre o assunto uma obra interessante, de que proponho ocupar-me mais tarde, e está refazendo de conta própria e segundo o critério daquelas reivindicações a história do descobrimento da América.

O primeiro arcebispo de Granada c confessor dos Reis Católicos, Frei Fernando de Talavera, tem sido por alguns escritores

— Prescott entre outros — considerado como um monge fanático e agressivo, junto de quem não encontrou Colombo mais do que prevenção e hostilidade, quando do depoimento insuspeito dos documentos e da leitura, feita sem preconceitos, dos cronistas coevos, e historiadores mais antigos, resulta justamente que não teve o genovês melhor protetor nem espírito que mais simpatizasse com seu ideal místico, na sua justeza geográfica.

Ünica no idioma em que foi lida, essa memória contou-se também, como já ponderei, quase única pelo feitio histórico. Os americanistas europeus — os americanistas americanos são em número naturalmente mais limitado e lêem pela mesma cartilha — preocupam-se sobretudo com o lado etnogênico, etnográfico, filológico, folclórico, etc. das populações, que cada dia mais se acreditam aborígenes, do Novo Mundo: não só destas consideradas isoladas ou independentemente, como das que com elas pos sam ter tido ligações num passado mais ou menos remoto.

Nesta categoria entram os esquimaus da Groenlândia e a essa classe de memórias se prende a do Professor Sakaki, de Kyo-to, sobre o país Fusang, isto é, a América conhecida do mundo oriental sino-j aponês. Em cada congresso europeu é agora inevitável um japonês: sempre esquivo, sempre cauteloso, sempre alerta, escutando mais do que falando, mas também sabendo dar o seu recado quando se oferece a ocasião oportuna.

As tribos indígenas do duplo continente formaram pois o principal tema de estudos do congresso que findou como dos que o precederam. Assim, na longa série de comunicações, cuja extensão parece sempre aumentar de reunião para reunião, o Professor Kollmann, da Universidade de Basiléia, tratou dos tipos de pigmeus entre aquelas tribos; o Dr. Lehmann Nitsche, do Museu de La Plata, das gentes do Chaco ocidental; o Professor Pabisch, de Viena, da pesca com plantas venenosas nas águas americanas, processo empregado nas nossas pescarias; a Dra. Barbara Renz, do amor paterno entre tais populações primitivas.

Das tribos indígenas, o passado interessa mesmo mais os estudiosos americanistas do que o presente, e do passado, a fase que mais atrai é a que podemos intitular romântica, a saber, a mexicana e a peruana (agregando-se forçosamente a esta última a boliviana, que foi então a mesma) da qual são mestres Seiler, Mar-kham e Uhle, presentes todos ao congresso.

Dois professores norte-americanos, Marshall Saville, de Nova York, e Grant Mac Curdy, de New Haven (Connecticut), escolheram, entretanto, terreno menos fértil mas também menos explorado — porque tudo no domínio etnográfico é interessante para os americanistas — e dedicaram-se a pesquisas arqueológicas na costa das Esmeraldas (Equador) e no Panamá. Seus esforços, de que deram idéia em séries de projeções luminosas, concentraram-se com predileção na cerâmica que puderam descobrir na referida região norte ocidental da América do Sul e de que nos revelaram a interpretação psicológica.

Dissertou o segundo especialmente sobre os motivos decorativos provenientes de formas animais, entre as quais aparecem como favoritas na mencionada cerâmica o tatu e o jacaré, também se achando evocados o peixe, a rã, o papagaio e o jaguar. Nos ornatos de ouro é igualmente o jacaré reproduzido freqüentemente na forma plástica.

A arqueologia americana permitiu ainda contribuições sobre os sambaquis do Peru, da parte do Professor Uhle, de Lima, sobre ornatos peitorais de pedra e conchas da costa de Venezuela, da parte do Professor Giglioli, de Florença, e sobre explorações feitas nas cavernas pré-históricas, da parte do Professor Peabody, de Nova York.

A Guiana Holandesa, das regiões modernamente divididas de acordo com a ocupação européia, teve no seu ativo duas dentre melhores contribuições. A língua, sendo o veículo de comunicativa à expedição do Tumac-Humac (segundo a sua grafia do nosso Tumucumaque), e a do Sr. van Panhuys, da Haia, referente à etnografia da colônia de Surinam e a um notável livro sobre a alma indígena.

A última sessão do congresso devia ter sido toda ela filológica, se não houvesse sofrido alteração o programa original. Como sempre acontece neste terreno, apresentaram missionários as melhores contribuições. A língua, sendo o veículo de comunica ção espiritual entre eles e os que desejam ter por neófitos, é natural que a ela devotem sua inicial energia. Assim o Padre Ilester-mann ocupou-se da língua pano e o Padre Worice, da Colúmbia britânica, tratou do verbo nas línguas dencés. Por seu lado, apresentou o Dr. Denuce, do Observatório de Bruxelas, cuja participação é conhecida e cujo interesse é grande nas explorações antár ticas, uma comunicação sobre um vocabulário completo da língua yabgane da Terra do Fogo, e o Dr. Wirth, de Munique, tomou por tema da sua memória a teoria de Trombetti, concernente à ligação das línguas americanas e asiáticas.

Vê-se, desta relação, que o congresso foi fértil em contribui ções sobre todos os problemas, muitos deles com margem bastante para o misterioso e o inédito, que ainda se oferecem à especulação americanista.

Viena, 26 de setembro de 1908

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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