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Seguindo agora para fora-la foz do Amazonas, ao longo da costa do oceano Atlântico, encontramos primeiro no nosso caminho a província do Maranhão, o terceiro membro e noutro tempo o próprio coração do Estado desse nome, cujas autoridades superiores, civis e eclesiásticas, primitivamente tinham a sua sede na atual cidade capital, São Luís. Já se disse como, politicamente, o Pará (e Alto Amazonas) se separou, e o mesmo aconteceu, com o tempo, quanto ao Piauí (1758) eao Ceará (1799).

Igualmente em referência à Igreja: o bispado de São Luís, instituído em 1679, perdeu em 1719o vale do Amazonas, para o qual foi instituída em Belém uma alta jurisdição independente, de sorte que a sua diocese dali em diante se limitava a Maranhão e Piauí; o Ceará já fora antes colocado sob o bispado de Pernambuco, 1676.

Somente na organização judiciária conservava o Maranhão ainda a antiga alta soberania; a Relação de 2* instância, criada pela ordenação régia de 13 de maio de 1812, em São Luís, abrange até atualmente toda a extensão do antigo Estado do Maranhão, as cinco províncias: Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Alto Amazonas.

Quanto às circunstâncias internas do Maranhão, são, em geral, muito semelhante às da província vizinha, do Pará. O terreno, subindo gradativamente da costa para o planalto brasileiro interior, conserva ainda predominantes os característicos de mata virgem, pela qual se espalha bastante esporádica uma população de 360.000 (?) almas; todavia, firmou-se a colonização de preferência na ilha e na baía do Maranhão e seguiu depois o curso do Itapicuru, de onde vai aproximar-se, a leste, do rio Parnaíba, a oeste, do rio Meari. No Itapicuru está a única cidadezinha, Caxias das Aldeias Altas, fundada no princípio do século XVIII, no lugar de um aldeamento abandonado de índios; é a que, a par da capital, São Luís, merece de certo modo menção. Também aqui têm os produtos da mata virgem ainda gran-

de importância para a exportação; contudo, já predominam, como mercadorias de embarque, produtos da lavoura, principalmente algodão (no ano de 1854-55 o valor de sua exportação foi de 1.632 contos, num total de 2.017 contos); neste artigo o Maranhão tornou-se mesmo o principal território produtor do Brasil, ao passo que a produção do açúcar, que a princípio foi exercida com grande zelo, pode-se dizer que acabou. Embora já os brancos e os negros sejam relativamente em maior número na população, predomina ainda sempre a raça índia, na maioria Tapuias, meio civilizados, que se misturaram mais ou menos com os brancos e negros; contudo, também existem ao sul e a oeste do rio Meari tribos inteiramente selvagens, que dali vagueiam errantes, por Goiás e Pará a dentro.

Da história provincial do Maranhão, não temos mais nada para mencionar do tempo colonial; esgotado pelas revoluções internas do século XVII, constantemente enfraquecido pela emigração para. o vale do Amazonas, teve que perder a sua população a desembaraçada feição rebelde que a princípio apresentara, e, com a ordem pública, o prosseguimento da colonização não foi mais interrompido.

Depois da declaração da independência do Brasil, a província ainda hesitou algum tempo em pronunciar-se; a capital, São Luís, submeteu-se somente ao novo imperador, quando uma esquadra brasileira, sob o comando de lorde Cochrane, chegou a seu porto, em 27 de agosto de 1823; e no interior, na pequena cidade de Caxias, as autoridades portuguesas, sob a proteção de um destacamento de tropas, sustentaram-se mesmo até 12 de agosto de 1824, quando pela capitulação lhes foi concedida retirada honrosa. Rebentaram então levantes internos; os chefes das tropas, que haviam combatido contra os portugueses, não quiseram reconhecer a autoridade do governo provincial recém-estabelecido, nem o presidente constitucional; este último, Miguel Bruce, brasileiro, mas de origem escocesa, procurou apoio na população de cor; e assim se defrontaram dois partidos, que arvoravam ambos a bandeira imperial de d. Pedro I, ao passo que se acusavam mutuamente de aspirações republicanas. Chegaram à aberta hostilidade, a que só pôs termo a intervenção de lorde Cochrane, quando ele, pela segunda vez, ancorou diante de São Luís, a 9 de novembro de 1824.

Então governou lorde Cochrane alguns meses ditatorialmente o Maranhão e tirou proveito de um modo singular, não precisamente muito honroso. Almirante brasileiro desde 27 de março de 182364, até então não havia recebido por seus importantes serviços, principalmente na Bahia e em Pernambuco, e por seus desembolsos na organização da esquadra brasileira, senão o vão título de marquês do Maranhão; demais julgava-se prejudicado, ele com os seus marinheiros, pelos tribunais brasileiros de presas; resolveu então agora no Maranhão indenizar-se. Depois de haver mandado preso o presidente Bruce, a prestar contas no Rio de Janeiro, e de havê-lo substituído por Manuel Teles da Silva Lobo, sobre cuja docilidade podia contar com segurança, exigiu ele, com uma argumentação pouco aceitável, a quantia de 160 contos — exigência que, depois de alguma relutância do governo provincial, foi aprovada, e foi dada ordem à alfândega de São Luís para o pagamento.

A esta extorsão seguiram-se outras arbitrariedades; João Antônio Garcia de Abranches, redator do jornal Censor, que ousou dar às coisas o seu verdadeiro nome, foi, sem mais, banido do Maranhão e deportado para Lisboa, por um decreto presidencial. Em fevereiro de 1825 desembarcou Pedro José da Costa Barros, que o gabinete do Rio de Janeiro havia nomeado presidente da província, no lugar de Bruce; ele, porém, mostrou-se menos dócil que Lobo, e por este motivo negou-se Cochrane francamente a reconhecê-lo; quando Barros então procurou tomar posse pela força, a 10 de março, o almirante mandou prendê-lo como conspirador e levá-lo para Belém.

Afinal, a alfândega efetuou completamente o pagamento estipulado, e então lorde Cochrane se retirou de São Luís, para regressar, a bordo do seu navio-almirante, à Inglaterra a 20 de maio de 1825. E somente então foi de novo restabelecida uma ordem legal nas coisas do Maranhão.

Mais ameaçadores que estes, foram os sucessos durante a menoridade de d. Pedro II; primeiro, um tumulto na capital, a 13 de setembro de 1831; depois, no interior, o levante dos "bem-te-vis", assim chamado de um passarinho do país, cujo gorjeio parece dizer as palavras portuguesas do seu nome. A alegada causa desse levante foi uma lei local que modificava essencialmente as atribuições das autoridades judiciais primárias; pode bem ser que ela haja provocado algum descontentamento, porém a verdade é que as agitações de uns demagogos inconscientes da pior espécie é que deram a feição ao caso. O velho ódio e inveja contra os portugueses abastados foram novamente atiçados; para isto, espalhou-se o boato de que os brancos tencionavam escravizar toda a população de cor, os índios livres, os negros e mestiços, sem exceção alguma; e assim rompeu no interior, quando menos se esperava, um pavoroso levante, uma guerra, dos que não tinham posses, contra os abastados (novembro-dezembro de 1838).

Os rebeldes, chefiados por um mestiço, Raimundo Gomes, alcunhado o "Cara Preta", e um índio, o "Balaio" (porque ele antes havia sido fabricante de balaios), assolavam a região, a princípio como simples bandos de ladrões, e contentavam-se em assaltar fazendas ou lugares recônditos, saqueando e incendiando. Depois, como seu número tivesse engrossado sempre mais, eles enfrentaram as tropas do governo em campo aberto e alcançaram alguns triunfos; até que afinal foi aprisionado um destacamento de 300 soldados, que teve que se juntar, quisesse ou não quisesse, às fileiras dos insurretos. Animado com isto, logo Gomes pôs cerco formal à cidadezinha de Caxias. Na verdade, os cidadãos opuseram a princípio viva resistência; porém discórdias internas em breve enfraqueceram a sua força; e depois de passado um mês, caiu a desgraçada cidade, a segunda da província, nas mãos dos rebeldes. Primeiro foi concluída uma capitulação formal, a 30 de junho de 1839, na qual Gomes estipulou somente a entrega de todas as munições de guerra e uma contribuição na importância de 7096 do valor de todas as mercadorias e bens móveis; porém, à notícia de que do Piauí marchavam tropas para libertação de Caxias, os revoltosos quebraram esse tratado. Diz-se que foi terrível a devastação que fizeram; muitos dias durou o saque, e aquilo que dos despojos não era utilizável no momento, foi presa da destruição; os habitantes mais acatados, principalmente portugueses, uns 200, segundo se diz, foram encarcerados, outros massacrados nas suas casas ou em fuga (julho de 1839).

A notícia destes acontecimentos produziu um grande pânico em toda a província; às centenas, fugiam os fazendeiros para a capital, São Luís; apenas ali se julgavam em segurança. E, de fato, tivessem os revoltosos aproveitado o seu triunfo, o pânico generalizado, o êxito não poderia ter sido duvidoso, dado o enfraquecimento da guarnição; porém deixaram passar o momento favorável; foi declarado o estado de sítio; as províncias vizinhas mandaram reforços, e com desacostumada rapidz pôde a navegação costeira a vapor, ali justamente então inaugurada, levar soldados e munições de guerra das distantes cidades da Bahia e Rio de Janeiro. Com isso restringiu-se o levante ao interior, onde ainda até ao ano seguinte continuou a lavrar incessante, sobretudo nas vizinhanças de Caxias; esta pequena cidade foi repetidas vezes tomada e retomada pelos imperialistas e pelos rebeldes, até que finalmente o general imperial, Luís Alves de Lima, obteve completa vitória, em 1840; daí a sua elevação a barão de Caxias.

Do último decênio, apenas, se há alguma coisa de importância para relatar, citamos, ainda, que recentemente (depois da definitiva abolição do tráfico de negros), o Maranhão, como outras províncias do Brasil, votou nova atenção à colonização e esforçou-se por atrair a emigração européia. Até agora se fundaram três colônias e de preferência povoadas com emigrantes portugueses: duas colônias arrendadas de meação, Santa Isabel, desde 1852, com 61 almas, e Santa Teresa, desde 1855, com 140; na terceira, Arapapeí, desde 1854, o governo provincial localizou 216 trabalhadores, alistados para a construção de um canal.

Também aqui cabe o boato que se espalhou nos fins de 1854 de que o Maranhão era uma segunda Califórnia; que nas selvas virgens, nos limites com o Pará, a oeste, entre o rio Gurupi e o rio Turi-Açu, se haviam descoberto as mais ricas minas de ouro, que antes só eram conhecidas dos negros fugidos; agora, porém, deviam ser examinadas por uma comissão e exploradas por uma sociedade em ações, organizada no Rio de Janeiro.

Esse boato pouca repercussão teve na Europa e de novo se desvaneceu; parece ter sido uma pura maquinação para atrair imigrantes ao país pobre de gente. Todavia, pode ser que sempre haja um grão de verdade no fundo. Se é verdade, segundo seguras informações (do antigo inspetor de minas português Eschwege), que os rios e riachos do Ceará carreiam algumas provas de riqueza em ouro do planalto interior, que de tempos em tempos afloram, assim também no Maranhão pode acontecer o mesmo; porém dificilmente será coisa bastante para indenizar um trabalhador europeu das privações a que ele se expõe nas selvas tropicais, e das doenças que contrairia nos insalubres vales dos rios, principalmente no tempo das chuvas, e só este é especialmente próprio para a pesquisa do ouro, porque no tempo seco deve faltar água.

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