O MITO DE MONROE

Oliveira Lima

O MITO DE MONROE

Sob este título publicou o antigo professor de Sociologia da Universidade do México e membro do tribunal permanente de arbitramento de Haia, Sr. Carlos Pereira, um volume bastante interessante. É um livro de combate contra a célebre doutrina: por isso não falta vivacidade ao livro, e como o autor é naturalmente espirituoso, essa vivacidade exerce-se de um modo atraente para o leitor, aligeirando um tema que facilmente poderia tornar-se ponderoso, quando não estopante pelo muito que sobre êle se há divagado. Nem poderia ser diversamente quando se trata de um tema polimorfo: o Capitão Mahan, que tão bem estudou os problemas da guerra marítima e sobretudo a questão do senhorio dos mares, indispensável no seu entender para a primazia política, definiu com efeito a Doutrina de Monroe como uma generalidade nebulosa que só se condensa em astros de luz definida quando lhe são dadas aplicações felizes. Tem isto de acontecer desde o momento em que cada presidente, cada secretário de Estado, cada senador, no dizer do Sr. Carlos Pereira,* lê a seu modo o texto da declaração, que um dos presidentes americanos considerava a opinião particular do poder executivo num caso particular.

Se uma vivacidade inteligente e simpática, como a deste autor, é igualmente dotado o seu editor, o fundador da casa Editorial América que pôs em circulação o trabalho, e que na sua série denominada Biblioteca de Ciências Políticas e Sociais nos tem dado valiosos estudos, tais como os de Orestes Ferrara sobre a guerra européia, de A. Alvarez sobre diplomacia chilena, de Ramos Mejia sobre a psicologia de Rosas, de Angel César Rivas sobre relações diplomáticas entre o Velho e o Novo Mundo e entre partes do Novo Mundo, assim como na série denominada Biblioteca Ayacucho há reeditado ou trazido a lume memórias valiosíssimas para a história sul-americana, por exemplo, as de 0’Leary, Paez, Garcia Camba e outras.

 

Estas coleções tornaram-se aliás indispensáveis a todo estudioso de assuntos hispano-americanos e mesmo latino-americanos, pois que na primeira citada figuram as minhas conferências nos Estados Unidos em 1912, excelentemente traduzidas por Angel César Rivas. Sobre ser um entusiasta das coisas da América Latina e um admirador incondicional de Bolívar, o editor Rufino Blanco Fombona é um poeta e um romancista de valor, pondo ao serviço da sua profissão predicados literários apreciáveis e notáveis, que necessariamente faltam ao comum dos editores.

O Sr. Carlos Pereira, cujo vasto conhecimento histórico do que se relaciona com o "mito de Monroc" não prejudica a sobriedade elegante de que soube revestir sua composição, considera o monroísmo uma superstição obsoleta e, na sua origem, como uma farsa, posto que involuntária desde que, quando o presidente dos Estados Unidos formulou sua doutrina em harmonia com o que lhe mandara dizer de Londres o enviado americano Rush, sugestionado pelo Ministro Canning, já este, a 9 de outubro, chegara, com a França, a um acordo, que dispensa a proteção exarada na mensagem e jamais traduzida no terreno dos fatos.

No memorandum Canning-Polignac se estabeleceu de fato entregar à Espanha exclusivamente a regulação das suas pendências com as suas ex-colônias, sendo reputada irrealizável a reconquista, e abandonarem França e Inglaterra toda e qualquer ambição territorial no Novo Mundo, não aspirando sequer a privilégios comerciais por deverem caber quaisquer preferências nesse terreno à antiga mãe-pátria.

Diante deste acordo é claro que à declaração do Presidente Monroe, de 3 de dezembro do mesmo ano, faltava objetivo preciso e faltava mesmo realidade. A doutrina achava-se toda, desde 31 de março deste ano de 1823 no despacho a Sir Charles Stuart do secretário Canning:

Renunciando da forma mais solene a toda intenção de apoderar-se de uma parte, por mínima que seja, das possessões espanholas da América, S. M. contenta-se com que a França se abstenha de toda tentativa para dominar as referidas possessões, seja por efeito de conquista ou de cessão que lhe faça a Espanha.

Até à declaração inglesa ao enviado Rush e à insinuação de se unirem os dois países de língua britânica no intuito de salvaguardarem seus interesses na América Latina, salvaguardando esta de uma recolonização que só era possível em ameaça, os Estados Unidos se não tinham manifestado a respeito num sentido altruísta. Nem o fizeram depois. É verdade que a doutrina não apregoava expressamente um fito de filantropia internacional, antes obedecia a uma preocupação nacional, sobretudo se, como pretendem alguns, foi ela muito mais devida ao receio da expansão russa para baixo até a Califórnia mexicana, fechando à União a navegação do Pacífico que hoje o Japão lhe disputa.

O fito da política norte-americana não era portanto continental e não se pode dar ao monroísmo, na frase do Sr. Carlos Pereira, os foros apetecidos de Sermão da Montanha. Declarações e nada mais, as capitulava Calhoun, que entendia spr mais acertado aplicar a cada caso o tratamento conveniente, não inventando fórmulas que poderiam um dia ser invocadas contra os Estados Unidos. Quer isto dizer, e é perfeitamente exato, que a política dos Estados Unidos haveria sido idêntica com ou sem Monroe.

Por isso a Doutrina tem andado sujeita a quanta interpretação há sido necessário dar-lhe ao sabor dos acontecimentos históricos.

Na segunda parte do seu livro o escritor mexicano enumera uma porção de casos históricos, rigorosa, posto que sumariamente documentados, no intuito de mostrar que a Doutrina de Monroe nunca serviu de proteção às repúblicas latino-americanas e apenas serviu de salvaguarda aos interesses dos Estados Unidos. É uma tese fácil de sustentar quando se tem à disposição argumentos como o das ilhas Malvinas, o da espoliação do México e recentemente da Colômbia, o de Cuba através de um século quase de história e outros muitos conhecidos. É o mesmo ponto-de-vista de Eduardo Prado na Ilusão Americana e aliás um tema fácil de discutir e de provar com relação a qualquer nação poderosa, porque nunca faltam, na sua história, atos de violência ou pelo menos de egoísmo para lhe serem com razão atribuídos.

A Doutrina de Monroe foi, no dizer deste autor, até a política cominatória de Sewart com relação ao México uma história no subjuntivo. Quer dizer que passou ao tempo indicativo — não querendo dizer no imperativo — quando assumiu verdadeiramente aspectos de intervenção. A "gelatina opaca" de que êle fala adquiriu consistência tal que se transformou no big stick torneado por Olney e Blaine antes de ser vibrado por Mackinley c Roosevelt.

Parnamirim, maio de 1917

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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