O MUNDO INTERIOR – Farias Brito

O MUNDO INTERIOR (antologia)
Raimundo de Farias Brito (1862-1917)

Fonte: Farias Brito
Uma antologia organizada por Gina Magnavita Galeffi. GRD-INL/MEC (1979)

ENSAIO SOBRE OS DADOS
GERAIS

DA
FILOSOFIA DO ESPÍRITO

 

Este livro, publicado no Rio em
1914, é a última obra de Farias Brito, que faleceu em começo de 1917.

Em A Base Física do Espírito ele tinha examinado as
várias escolas psicológicas chegando à conclusão que nenhuma delas
respondia
â exigência de uma psicologia filosófica e completa. Seu conceito de
"Psicologia transcendente" preparara o caminho para uma mais profunda
indagação metafísica que ele efetua em O Mundo Interior, propondo-se
a construir a filosofia do espírito no seu mais amplo significado e no
seu sentido
mais profundo.

O
espírito para ele é "a energia que sente e conhece e se manifesta a nós
mesmos como consciência, e é capaz de sentir, pensar e agir". É portanto
princípio vivo de ação e força criadora, objeto de ciência. Esta ciência do
espírito existe e tem seu objeto próprio, seus princípios, seu método.

A
Psicologia identifica-se assim com a Filosofia, ela é uma ciência intuitiva e
concreta; uma espécie de visão interior consubstancial ao sujeito e por isso
além de ser conhecimento é também energia e vida.

Também a Arte tem sua afinidade com a Psicologia, e portanto
com. a Filosofia, ela é de fato essencialmente humana, ou melhor,
essencialmente espiritual.

A Psicologia é a visão consciente, a Arte é como uma visão
inconsciente mas profética da nossa própria realidade.

Dá em seguida uma interessante classificação das ciências c/o espírito e mostra como já
começam a aparecer os primeiros sintomas do despertar espiritual da humanidade.
Esta renovação que se prepara é devida à agonia em que se encontram as
doutrinas materialistas que levaram a sociedade às desordens, à anarquia.

Só um ideal poderá salvar a humanidade e este ideal é obra
do espírito.

Esta
humanidade passou por transformações e vicissitudes desde o princípio de sua
história. Surge assim o problema das origens
e se apresenta_ o possível "dogma
da queda", do qual
se ocuparam vários filósofos dentre os quais
Renouvier e Secretan,
e um estranho pensador, A. Sergipe, numa obra, Nova
luz sobre o passado, que muito atraiu o nosso Farias Brito. Surge aqui o problema
religioso já abordado em obras anteriores, e a conclusão de que religião
e filosofia
são de que religião e filosofia são uma coisa só, mas só uma grande filosofia,
só as grandes concepções dominadas pelo amor da verdade e pelo pensamento do
bem poderão transformar-se em religião.

Nos capítulos seguintes o nosso filósofo, para
responder cem clareza à pergunta "o que é o espírito?
acha
necessária uma indagação sobre a "coisa em si" e o
"fenómeno" examinando vários sistemas filosóficos de Kant a Bergson.
Chega então à conclusão de que os fenómenos se conhecem mediante a observação
externa, a coisa em si se conhece mediante a observação interna, isto é a
introspecção.

A existência, o ser verdadeiro é o
espírito. Também sobre
a matéria Farias Brito indaga profundamente e
chega à conclusão de que ela nada mais é senão forma condensada de energia
entendida como movimento, isto é, conhecida só nos seus efeitos exteriores.

A
única energia conhecida por nós diretamente é o espírito.

Outro problema abordado no curso desta obra é a
relação existente entre o pensador divino e o humano, a relação, em suma, entre
Deus e o homem; o primeiro é considerado como princípio criador o segundo como
criado.

Passa então a falar na relação entre
pensamento e vontade e enfim da introspecção que é o elemento fundamental da
filosofia de Farias Brito.

A sua posição muito se aproxima da de
Bergson, pois introspecção e intuição coincidem.

O livro se encerra com a exortação contida no
antigo preceito socrático:
Conhece-te a ti mesmo, preceito este que é um
convite à introspecção, a chave mágica da filosofia do espírito.

 

LIVRO I

AS NOVAS TENDÊNCIAS DO PENSAMENTO

Capítulo I (¹)

1 — A
SITUAÇÃO ATUAL

Numa
coisa andaram acertadamente os psicólogos modernos: no qualificativo que deram
à sua ciência de "psicologia sem alma". Realmente a psicologia dos
tratados, feita ncs laboratórios de experimentação, cem suas descrições
anátomo-fisiológicas, com seus quadres demonstrativos, com suas tentativas de
medida das sensações e da duração dos atos psíquicos, etc, é, não há negá-lo, e
forçoso é reconhecer que a expressão é justa e precisa, "uma psicologia
sem alma". E isto equivale a dizer: uma psicologia morta; o que significa:
uma psicologia que nos não instrui, nem edifica, que nada nos diz sobre a
verdadeira significação da energia que reside em nós: dinâmica puramente
exterior, inconsciente e fatal, que em vão se esforça por explicar o espírito
em função da matéria, deixando-nos sempre no vazio e no escuro. . . Muito mais
instrutiva é, decerto, a psicologia dos poetas e dos romancistas, que jogam, é
verdade, com personagens fantásticas, mas inspirados na observação dos fatos e
criados pela imaginação sob a pressão mesma da vida, senão reais, pelo menos
possíveis, sendo de notar que é sempre das próprias paixões, das próprias lutas
e sofrimentos, dos próprios sonhos e aspirações, que nos dá o artista, em seus
personagens, a descrição viva e palpitante.

Há criações poéticas que são altamente significativas e pode
dizer-se que um Hamleto, um Rei Lear, o Tartufo de Molière, o Fausto de Goethe,
têm mais vida e realidade que muitas figuras históricas de valor aliás não
secundário. É que essas criações, de si mesmas, são_ fenómenos psíquicos,
manifestações profundas da alma mesma do homem: o que prova que a arte é, por
si própria. um poderoso instrumento de análise psicológica. E as suas criações
se bem que sejam puramente imaginárias, não se confundem com o nada.

 

(¹) pp. 5-7

 

Diz-se
que a arte consiste na proporção e na ordem, e é possível que esteja realmente
aí um dos seus segredos. Mas seria erro supor que nisto consiste todo o seu poder.
A proporção e a ordem são, dentro de certos limites, condições da beleza
estética: mas sã apenas condições exteriores. Há, porém, para completá-la, na
sua verdadeira significação, um elemento mais profundo, de sentido puramente
interno, que não se poderá explicar simplesmente pela proporção ou pela medida,
como por quaisquer outros processos externes. É esse elemento oculto,
misterioso, inexplicável, pelo qual a obra de arte nos impressiona docemente,
fazendo sonhar e ver coisas longínquas, esse poder maravilhoso e
incompreensível, com que as coisas mais simples fazem, muitas vezes, surgir,
como de improviso, sentimentos estranhos que dormiam ignorados nas profundezas
d’alma. Lágrimas rebentam, em certes momentos, instintivamente, violentamente e
sem que possamos contê-las, por ocasião de uma emoção estética profunda. Tudo
se anima, tudo se torna espiritual e humano. E de tais formas, de tais
complicações e modalidades de sentimento é capaz o homem, que a natureza
inteira se torna muitas vezes, por assim dizer, pequena, em face do mistério e
da grandeza infinita da vida interior. Seria, porém, absurdo tentar explicar
tudo isto por processos puramente mecânicos.

Os artistas têm deste fato a clara compreensão. Mas os
psicólogos de gabinete, não: procupados com a ideia de dar a interpretação
objetiva dos fatos psíquicos, deslocam os dados naturais do problema, e tentam
uma coisa em verdade impraticável: — localizar o que é independente do espaço e
não se pode conceber como corpo, traduzir na linguagem dos fatos objetivos o
que só se pode explicar e compreender como modificação puramente interna, como
fato subjetivo, numa palavra: objetivar a consciência. Era como se se
pretendesse, por exemplo, representar a figura material da dor ou fazer o desenho
de um gemido: o que, aliás, é possível, mas apenas simbolicamente. Quem tal
tentasse, porém, faria obra de arte e não de ciência: o que prova que a arte
tem mais poder que a ciência.

 

DETERMINAÇÃO PRECISA DO CONCEITO DA
PSICOLOGIA (¹)

Quando
falamos do caráter provisório da obra dos psicólogos modernos, queremos com
isto dizer que essa obra é artificial, obra de experiência, tendente a fazer o
exame e a verificação de uma certa ideia e de um certo método de antemão
estabelecidos, e não, obra de consciência, fundada na observação dos fatos, sem
preocupação de sistema e sem outro intuito, a não ser a descoberta da verdade.
É a verdade que constitui o destino próprio da consciência; e todo o
conhecimento ou sistema de ideias que não se fundar na verdade, passará: poderá
chegar a organizar-se e conquistar sectários e mesmo exercer influência e
domínio, mas jamais conseguirá adquirir o caráter de permanência. Permanente é
só a verdade. A psicologia moderna, inspirada da física e da química, dominada
pela ideia de introduzir no mundo psíquico a experimentação e o cálculo;
preocupada pela ideia de medir as sensações, de determinar o equivalente
mecânico da consciência, mostra-se profundamente viciada em seu pensamento
fundamental, procura conciliar ideias incompatíveis, violenta a significação
real de conceitos já positivamente reconhecidos e claramente delimitados. Sua
obra, se bem que vasta e complexa, não é senão uma aventura audaciosa, no
intuito de explicar o espírito pela matéria, o consciente pelo inconsciente.

 

(1) pp. 13-17

 

Eu chamo psicologia a ciência do espírito, e entendo por
espírito a energia que sente e conhece, e se manifesta, em nós mesmos, como
consciência, e é capaz, pelos nossos órgãos, de sentir, pensar e agir. É essa
energia em nós uma manifestação particular da matéria? Pouco importa. Nessa
manifestação particular a matéria adquire caracteres especiais que a constituem
um princípio à parte e sui generis, que é o ponto de partida para uma
série de fenómenos que são essencialmente distintos dos fenómenos da matéria,
pelo menos, considerada esta em suas manifestações exteriores. Sob esse ponto
de vista, tanto importa considerar o espírito como uma substância independente,
ligada apenas acidentalmente à matéria, como considerá-lo como fenómeno da
matéria, ou mesmo como simples epifenômeno. De toda a forma há no espírito
modalidades especiais da realidade, um poder agente e real, vivo e concreto,
que não somente sofre a ação dos elementos exteriores, como ao mesmo tempo é
capaz de agir sobre eles: um princípio vivo de ação, capaz de modificar, embora
em proporções infinitamente pequenas, compreende-se, a ordem da natureza capaz
de dominar-se, capaz de exercer domínio sobre as coisas: uma força criadora,
que não só tem a faculdade de emocionar-se em face do poder soberano da
natureza, como ainda, de criar alguma coisa de novo, aumentando sob certo ponto
de vista e relativamente as proporções da realidade pelas produções e pelas
maravilhas da arte.

O espírito não é somente a base do edifício do pensamento o
princípio dos princípios: é também fato que resiste a toda a dúvida, verdade
que desafia o capricho mais desordens do dos céticos. E negá-lo é coisa, que,
só por si, envolve, absurdo, porque negar é ato da consciência e a consciência
é fenómeno do espirito. Negsr o espírito é negar-se, e negar-se é dizer: eu sou
e não sou. O espírito é, pois, o princípio dos princípios e a verdade das
verdades, o fundamento de toda a realidade e a base de todo o conhecimento.

Terá
sido, não obstante, a ciência do espírito, a última a se constituir no
desenvolvimento do pensamento? E será ainda a mais imperfeita de todas as
ciências? Para os partidários da psicologia científica, esta ciência é coisa
recentíssima, e começou somente quando a psicologia libertando-se das
especulações filosóficas, foi encaminhada na direção do método experimental.

A
PSICOLOGIA E A ARTE (¹)

A arte, em sua significação mais ampla, consiste nisto: no
poder ou aptidão, que pertence ao homem, de servir-se de meios ou de empregar
processos no sentido de melhorar e aperfeiçoar as condições da natureza, para
seu uso e bem-estar, ou apenas para emocionar-se agradavelmente. Assim definido
o conceito, ficam compreendidas, ao mesmo tempo, as artes úteis, e as artes de
efeito puramente estético ou belas artes. A estas últimas parece, segundo
alguns, inteiramente estranho todo e qualquer pensamento de utilidade, e
lembro-me de ter visto em certa parte se me não engano, em Spencer, esta
definição: o belo é o que agrada sem ser útil. Aos que assim se manifestam,
escapa a percepção do interesse superior da arte. O belo não é o que agrada sem
ser útil, mas o que satisfaz a uma exigência superior do espírito; exigência
cuja significação real é talvez de ordem transcendente, mas que não se torna
por isto secundária, e tem, pelo contrário, relação imediata com o sentido mais
alto da vida.

(1)
pp. 19-26 208

 

A arte do belo, se bem que não tenha uma utilidade imediata,
pessoal ou material, não deixa por isto de ter uma utilidade de outra ordem,
impessoal ou espiritual, mais profunda e elevada, e, sem dúvida, mais eficaz,
correspondendo a um instinto superior que impulsiona a vida, e é a expressão de
uma necessidade, por assim dizer, subconsciente, que sentimos, se bem que dela
não tenhamos a clara percepção, nem o sentido exato.

A
arte, assim entendida, é tudo o que pode causar uma emoção estética, tudo o que
é capaz de emocionar suavemente a nossa sensibilidade, dando a volúpia do sonho
e da harmonia, fazendo pensar em coisas vagas e transparentes, mas iluminadas e
amplas como o firmamento, dando-nos a visão de uma realidade mais alta e mais
perfeita, transportando-nos a um mundo novo e estranho, onde se aclara todo o
mistério e se desfaz toda a sombra, e onde a própria dor se justifica como
revelação ou pressentimento de uma volúpia sagrada. É, em conclusão, a energia
criadora do ideal.

E como o ideal é o sonho da perfeição, e este sonho envolve
toda a verdade e toda a justiça e toda a virtude e todo o amor; numa palavra,
tudo o que há de mais alto e mais puro na natureza humana, — segue-se
evidentemente daí que de todas as produções do espírito, a arte é a mais humana
e a mais essencialmente espiritual. É assim que, ainda nas suas manifestações
mais positivamente objetivas, como na arquitetura, nas artes decorativas, na
estética hidráulica etc, o que emociona e transporta, o que produz efeito
estético, é o elemento humano que aí se introduz. É de onde vem também o seu
mais extraordinário poder: com se o destino da arte fosse animar a natureza,
dar sentimento e percepção ao inconsciente, amor e piedade, comoção e paixão,
ao próprio elemento morto que se fixou e esterilizou na dureza e na imobilidade
da rocha. É deste modo que a arte dá linguagem às ondas e ao rochedo, às folhas
das árvores e ao sopro do vento, à montanha e à planta, à nuvem e às estrelas.
E até do silêncio e da paz inviolável e morta dos sepulcros, faz com que se
evolem palavras misteriosas, como para provar–que ainda na rigidez gelada do
cadáver, como na sombra e na mudez emocionante das catacumbas, palpita a vida.

 

A arte está para a psicologia como o instinto para a
inteligência: a psicologia é a visão consciente, a arte uma como visão
inconsciente, mas profética da nossa própria realidade. A primeira é ciência,
porque é trabalho do espírito; a segunda é instinto, porque o artista obedece a
uma inspiração, por assim dizer, subconsciente, como se o impulsionasse uma
força irresistível e fatal, nascida das profundezas ignotas de seu ser mais
íntimo e profundo.

A
liberdade — eis realmente o fato decisivo que marca a separação absoluta entre
o espírito e a matéria. Nos fenômenos da matéria dominam a mais absoluta
necessidade e o mais inflexível determinismo; nos fenómenos do espírito o
princípio que se deve reconhecer como lei primordial e tudo domina, é a
liberdade. É a razão por que aí toda a previsão é impossível. Bergson deu como
símbolo de sua concepção da vida esta fórmula eloquente: — Evolução
criadora.
E isto significa que a vida é uma evolução; mas significa também
que essa evolução é ao mesmo tempo uma criação. E realmente viver é criar. Mas
é preciso, além disto, reconhecer que criar é ser livre: o que só por si faz
patente que há alguma coisa na vida que escapa a toda a determinação. É a razão
por que toda a vida começa envolvida no mistério, e termina, do mesmo modo,
envolvendo-se de novo no mistério. É como uma luz que brilhando um momento na
escuridão do infinito, apenas deixa perceber a profundeza do abismo. Mas sempre
que brilha, essa luz faz nascer a esperança de que se transformará em clarão
que fará ver mais fundo e mais longe. É que a vida é força criadora: e por isto
o que a caracteriza na sua evolução é o imprevisto. Assim cada fase nova que
nela se apresenta, é uma coisa inteiramente neva e apresenta-se como se fosse
uma criação do momento.

Vem
daí que para cada um todo dia tem a sua surpresa. Mas também todo ato tem a sua
influência direta sobre a evolução do caráter. De maneira que cada um é a todo
momento criação de si mesmo. E tudo isto quer dizer que o homem é uma das
modalidades do espírito, e como tal é força criadora.

Ê por isto que em auxílio do trabalho da ciência, sempre
imperfeita, sempre deficiente e incompleta, necessário é que venha a inspiração
da arte dando mais vigor e mais fé à orientação da inteligência, com a visão
subconsciente, mas luminosa do instinto. É à arte, pois, que cabe fornecer o
ideal que deve impulsionar o trabalho do espírito em
sua jornada através do desconhecido. Vê-se assim que a arte, é, por essência, a
energia criadora do ideal.

A
arte é a energia criadora do ideal e tem precisamente por fim auxiliar a
ciência psíquica na interpretação da verdadeira significação da vida e fornecer
ao espírito princípios de inspiração e fontes de energia, para que se possa
orientar com segurança e eficácia na direção do governo humano. E no dia em que
a luz se fizer definitiva e completa sobre o mistério interior, a arte tornar-se-á
desnecessária e deixará de ser, por falta de destino. Mas chegará esse dia?…

A PSICOLOGIA E A METAFÍSICA (1)

Já, em trabalho anterior a este, fiz sentir que se devem
distinguir duas espécies de filosofia: uma filosofia pré-científica. — é
a atividade mesma do espírito elaborando o conhecimento, o espírito mesmo
investigando o desconhecido e produzindo as ciências; e uma filosofia super
científica.
— é o espírito partindo das ciências e procurando dar a
interpretação do verdadeiro sentido da existência, ou lançar as bases de uma
concepção do Universo. — É neste último sentido precisamente que a filosofia se
chama metafísica, filosofia primeira, ou simplesmente filosofia como é mais
corrente. É, pois, da filosofia assim entendida que sé trata aqui. A questão
pode ser formulada nestes termos: que relação há entre a filosofia ou a
metafísica e a psicologia?

Todo filósofo tem por necessidade natural, uma especialidade
científica, e é sempre dessa especialidade científica que parte a sua
inspiração filosófica. Assim Pitágoras era matemático; e deste modo era por
símbolos matemáticos que se esforçava por interpretar o conjunto da existência.
Os filósofos da escola jónica eram físicos e como físicos, era por ação das
forças mesmas da natureza que procuravam explicar, não somente os elementos
exteriores, ou os movimentos do cosmos, como ao mesmo tempo o pensamento e a
vida.

(1) pp. 27-30

A
filosofia é a psicologia, a ciência do espírito. Tal é, por conseguínte>
a nossa tese fundamental. Agora, a psicologia é que pode ser considerada de
dois modos: no sentido comum e ordinário e no sentido transcendente. No
primeiro caso a psicologia propriamente dita, a análise da atividade psíquica,
tal como se verifica no homem, e, em menor escala, nos graus inferiores da pura
animalidade; de onde a psicologia comparada cujo valor é hoje altamente
reconhecido. No segundo caso é ainda psicologia, isto é, indaga ainda da
significação e natureza do espírito; mas considerando este não somente em sua
função puramente humana, mas em sua significação mais geral, confunde-se com a
metafísica e não só trata de descobrir a relação que há ou deve haver entre o
espírito e o todo universal, como ao mesmo tempo procura interpretar o próprio
todo universal.

 

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