O VELHO QUERECAS
ERA uma moça solteira e muito animosa que ficou órfã de pai e mãe e sem ter onde se abrigar. Na cidade havia uma casa abandonada porque apareciam almas do outro mundo e ninguém queria lá ficar uma noite. A moça lá foi ter e arranjou as coisas para dormir. Perto da meia-noite ouviu um barulho no forro do quarto, gemidos e uma voz gritando: eu caio! eu caio! eu caio!
— Pois cai logo, disse a moça. Caiu uma perna e o barulho começou a ouvir-se mais forte o a voz gritando: eu caio! eu caio! eu caio!
— Pois caia quem já caiu, dizia a moça. Caiu outra perna e assim, com muito barulho, gemidos e gritos de eu caio, eu caio, foram caindo braços, peito, mãos, cabeça, até que tudo ficou no assoalho e se juntou, levantando-se um homem careca, já velho, muito simpático.
— És a única pessoa no mundo que não teve medo de mim e ajudou-me a desencantar. Ainda falta muito mas quero agradecer-te. Aqui tens uma bolsa que sempre estará cheia de moedas por mais que gastes.
Desapareceu o velho e a casa ficou sem barulho algum, muito sossegada. A moça ficou vivendo muito bem, tratando-se do melhor, sem que vissevivalma. Lá uma vez por outra ouvia uma voz que lhe perguntava:
— Falta-lhe alguma coisa?
— Nada me falta, respondia a moça — quem me fala?
— E’ o velho Querecas! dizia a voz.
A moça começou a reparar que a cama amanhecia como se dormissem nela duas pessoas. Resolveu verificar e fingiu adormecer. No escuro .sentiu que uma pessoa entrava no quarto, despia-se e se metia na cama, adormecendo. Ouvindo o ressonar, a moça fez lume para ver quem era, lem-hrando-se do velho Querecas, dono da casa. Viu um moço muito bonito e forte, dormindo calmamente. A moça ficou tão embevecida em contemplá-lo que um pingo de cera da vela caiu em cima do rosto do rapaz e acordou-o.
— Ah! ingrata! Dobraste-me o encanto que estava quási a terminar. Agora para me achares, sapatos de ferro hás-ãe gastar…
Desapareceu o rapaz e a moça ficou muito desconsolada pelo castigo da sua curiosidade. Mandou fazer uns sapatos de ferro, calçou-os e pôs-se a correr mundo, procurando o paradeiro do namorado. Ninguém dava notícia. Os sapatos foram-se gastando e a moça cada vez mais cansada de andar e sofrer necessidades.
Uma tarde chegou a uma cidade e não encontrou hospedagem em parte alguma. Depois de muito procurar, escondeu-se num palheiro abandonado, metendo-se dentro das palhas secas para dormir. Muito tarde acordou por um sussurro de vozese conheceu que eram bruxas numa reunião. Falavam entre elas:
— Que há de novo no teu mundo?
— As mesmas cousas e as mesmos lousas! Por fim uma bruxa que viera por derradeiro disse:
— Novidade, novidade é que o príncipe desta cidade, que estava encantado, no velho Querecas, vai morrer porque ninguém o pode ver…
— E por que não o vêem?
— Porque está invisível e só será visto pelo tecido da bolsa sem fim que ele deu a uma menina que ia quebrando o encanto, mas perdeu porque era curiosa.
Conversaram muito e depois se separaram voando para todos os lados. A moça, logo que rompeu o dia, procurou a verdade e lhe ensinaram o palácio do rei. Foi perguntar pela rainha velha e esta lhe disse que o filho estava encantado num quarto do castelo, doente, mas ninguém o via por mais que procurasse ver. A moça pediu que a levassem até esse quarto, e lá chegando rasgou a bolsa que o velho Querecas lhe dera, e pela fazenda olhou, avistando o mesmo rapaz seu conhecido, deitado no chão, com os olhos fechados, parecendo muito mal. A moça deu um grito e o rapaz acordando, e reconhecendo-a, deu outro ainda maior, deseneantando-se e aparecendo aos olhos de todos. Começaram a tratá-lo com muito carinho e ele ficou bom e casou com a moça.
Teófilo Braga registou uma versão do Algarve, Contos Tradicionais, 1, 4, apenas semelhante no início. A versão que ouvi é do Porto. Os elementos ocorrem noutros contos europeus, parecendo o velho Querecas constituir um conto de convergência. 0 pingo de cera despertando o encantado é o característico na espécie, já presente na lenda de Eros e Psique. O namorado invisível aparece no conto espanhol de Porqueros, León, La loba negra, que o prof. Espinosa registou, Cuentos Populares Españoles, II, 144. O corpo que despenca aos pedaços para a prova de coragem da heroína, figura, apud Braga, na lenda de Atenodoro, narrada por Alexander-ab-Alexandro e traduzida para o português pelo padre Manuel Consciência, Academia universal de vária erudição sagrada e profana, p. 545, Lisboa, 1734. Alexandre de Alexandria faleceu no ano de 328. Sapatos de bronze ou de ferro, medindo o tempo pelo desgaste no uso, encontram-se nas saga de Loo-brókar e na de Skjoldunga, ambas islandesas, apud Stith Thompson, no seu Motif-lndex of Folk-Literature, H 1583.1: — Time measured by worn iron shoes. No Folclore espanhol os siete pares de zapatos de hierro aparecem no Castillo de Oropé, Cabeza de Burro, El lagarto de las siete camisas, contos 128, 127, 130 do Cuentos Populares Españoles, II, Stanford Uni-versity, 1924.
Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.
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