Os Gracos – Biografia de TIBÉRIO Graco e CAIO GRACO, por Plutarco

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Autor: Plutarco

BIOGRAFIA TIBÉRIO E CAIO GRACO

Parte das Vidas Paralelas de Plutarco de Queronéia.

Desde o ano 591 até o ano 633 dc Roma, antes de J. C. ano 121.

Do pai e da mãe dos Gracos.

Assim, tendo nós relatado a história dos dois gregos, é bem que escrevamos do mesmo modo, a dos dois romanos, na qual veremos menores dificuldades que se apresentaram a Tibério e a Caio, ambos filhos de Tibério Graco: este, embora tenha sido cônsul por duas vezes (1), uma vez censor, e tivesse a honra de dois triunfos, obtivera no entretanto mais dignidade e maior glória por sua virtude, pela qual foi julgado digno de desposar Cornélia, filha de Cipião, que derrotou Aníbal, depois da morte do pai; embora, em vida, não lhe tivesse sido amigo, mas adversário e inimigo.

II. Êxito da educação que lhes dá sua mãe.

II. Diz-se, que êle achou, um dia, no seu leito, um casal de serpentes e os adivinhos considerando o significado desse presságio, proibiram-no matá-las e deixar que ambas escapassem, mas apenas uma, afirmando-lhe, que, se êle fizesse morrer o macho, seria como trazer a morte a si mesmo e se êle matasse a fêmea, então seria a morte de Cornélia. Tibério amando muito sua esposa e pensando que seria melhor morrer êle por primeiro, isto é, antes dela, por ser mais velho, e ela ainda jovem, matou o macho e deixou a fêmea escapar: êle morreu logo em seguida, deixando doze filhos, que tivera de Cornélia, a qual, depois da morte do marido tomando toda a responsabilidade da casa e da educação de seus filhos, mostrou-se tão honesta, tão boa para com os filhos e tão magnânima, que julgaram que Tibério tinha agido acertadamente, em ter preferido morrer êle, que não semelhante mulher. Ficando viúva, o rei Ptolomeu lhe quis dar a honra do diadema real, fazendo-a rainha, tomando-a por esposa; mas ela recusou-o e perdeu em sua viuvez todos os filhos, exceto uma filha, que deu em casamento ao jovem Cipião, o Africano, e Tibério e Caio, dos quais escrevemos a vida, e que ela educou e instruiu com tanto cuidado, que se tornaram mais honestos e ilustres que qualquer outro romano do seu tempo; julgou-se até que a educação valia mais que a natureza; assim como nas estátuas de Castor e de Pólux percebe-se um não sei quê de diferente, que nos faz ver que um era mais apto para a luta e o outro, para a corrida: assim também, estes dois jovens irmãos tinham grande semelhança por haverem nascido ambos predestinados para a coragem, a temperança, a liberalidade, as letras e a magnanimidade; nota-se, porém, grande diferença entre eles quanto aos efeitos e à administração dos bens públicos; parece-me preferível declará-lo agora antes que fazê-lo mais adiante, no desenvolvimento da matéria.

III. Diferença de caráter entre os dois irmãos.

III. Em primeiro lugar, na fisionomia, no olhar, no movimento do corpo, Tibério era mais gentil e mais ponderado, Caio, mais veemente; discursando, um, mantinha-se constantemente no mesmo lugar; o outro, foi o primeiro dos romanos que introduziu o costume de andar pela tribuna, discursando ou falando e de tirar a túnica de cima do ombro, como se escreve de Cleon Ateniense, que foi o primeiro dos oradores que abriu a túnica, a bateu na coxa, falando. Ademais, a palavra de Caio além da força persuasiva que tinha era extraordinária e cheia de ardor: a de Tibério, ao contrário, mais suave, mais inclinada à piedade, a dicção era perfeita, pura e cuidadosamente ordenada; a de Caio, figurada, embelezada e ataviada. A mesma diferença via-se também em sua mesa e em sua cozinha ordinária: a de Tibério era simples e sóbria e a de Caio em comparação com a dos outros romanos era também sóbria e parca, mas, com relação à do irmão, era esquisita, delicada e supérflua; Druso censurou-o certo dia, quando êle comprara delfins (2) de prata ao preço de (3) mil duzentas e cinqüenta dracmas cada libra de peso. Quanto aos costumes e às inclinações naturais, seguindo a diferença da linguagem, um era dócil e gracioso, o outro violento e colérico, de sorte que, discursando, êle deixava-se levar, mesmo contra sua vontade, à raiva e à ira, elevando a voz até o agudo; dizia injúrias e tornava confusa sua linguagem; sabendo que era sujeito a tais arroubos usou deste remédio para corrigir-se: êle tinha um servo de nome Licínio, muito sensato, o qual com um instrumento de música, que serve para se elevar ou abaixar os tons, ficava por trás dele, enquanto ele falava; quando percebia que sua voz retumbava um tanto fortemente e por causa da cólera saía do tom, êle soprava-lhe por trás um tom mais suave, ao som do qual Caio se moderava imediatamente, deixando a veemência da cólera e da voz e facilmente se recompunha . Estas as várias diferenças entre os dois irmãos.

IV. Sua semelhança.

IV. ,Mas em valor contra os inimigos, em justiça para com os súditos, em cuidado e diligência nos cargos públicos, em temperança e continência contra os prazeres voluptuosos, eram semelhantes em tudo e por tudo. É verdade que Tibério era mais velho que seu irmão nove anos, o que foi causa de que sua participação no governo se desse muito tempo depois e um dos principais motivos pelos quais suas ações não foram sucessivas, pois que eles não floresceram no mesmo tempo, nem puderam unir o próprio poder, o qual se tivesse sido conjugado, teria sido enorme e, talvez mesmo, invencível.

V. Casamento de Tibério.

V. Vamos pois escrever agora separadamente, de um e de outro; primeiro do mais velho. Desde sua infância foi tão estimado que imediatamente o colocaram no colégio dos sacerdotes, que em Roma são chamados de Augures, os quais têm o encargo de observar os sinais e fazer os presságios das coisas futuras, mais por sua virtude do que pela nobreza, como o prova o testemunho de Ápio Cláudio, que havia sido cônsul (4), e censor e de tal virtude que fora declarado e nomeado príncipe do Senado e tinha também mais autoridade que qualquer outro naquele tempo Certo dia, quando todos os augures tomavam juntos a refeição, depois de ter saudado e reverenciado muito afetuosamente a Tibério, êle lhe pediu que desposasse sua filha (5) o que Tibério aceitou de boamente; no mesmo momento foi firmado o contrato de casamento; Ápio depois, regressando a sua casa antes de transpor o limiar chamou em altas vozes sua esposa gritando: "Antístia! Vamos fazer casar nossa filha Cl ódia!" Ela, admirando-se, exclamou: "Que necessidade havia de termos tanta pressa para isso? Se ao menos lhe tivesse dado a Tibério Graco para marido!" Eu não ignoro que alguns atribuiram esta história a Tibério, pai deste e a Cipião, o Africano; mas a maior parte dos historiadores a reproduz como nós acabamos de fazer; Políbio mesmo escreve que depois da morte de Cipião os parentes reunidos escolheram Tibério entre todos os outros moços para lhe dar Cornélia em casamento, como não tendo sido prometida a nenhum outro por seu pai nem desposado a ninguém.

VI. Campanhas de Tibério, sob Cipião, o Africano.

VI. Tibério, o Moço, esteve na guerra da África, sob as ordens do segundo Cipião (6), que havia desposado sua irmã, alojando-se com êle numa mesma tenda; conheceu assim o caráter de seu comandante, dotado de belos e preciosos atributos, próprios para atrair o coração dos homens à imitação e desejo de sua virtude. Tornou-se em pouco tempo o mais humilde, o mais obediente e o mais valente dentre todos os moços do seu tempo; êle foi o primeiro que subiu à muralha dos inimigos, como diz Fânio, afirmando que subiu com êle e o secundou nesse ato de bravura; êle era muito estimado por iodos, no acampamento e, quando ausente, muito desejado e lamentado por todos.

VII. Serve na qualidade de questor, sob o cônsul Caio Mancino, contra os numantinos.

VII. Depois desta guerra (7) foi escolhido para questor e coube-lhe por sorte marchar contra os numantinos, com um dos cônsules, Caio Manci-no que não era um mau homem, mas foi o mais infeliz e o mais desastrado dos comandantes dos romanos; no entretanto, em sorte tão adversa e em tão grande desgraça, brilhou ainda mais claramente não só o bom senso e a coragem de Tibério, mas, também, o que é ainda mais extraordinário, a reverência e a obediência que êle prestava ao seu superior, embora êle fosse tão provado pela adversidade que nem êle mesmo sabia se era comandante ou não. Tendo sido na verdade derrotado em grandes batalhas, êle fugiu de noite, abandonando seu acampamento: os numantinos perceberam-no; apoderaram-se então do seu campo e depois perseguiram os fugitivos; alcançando-os, mataram a muitos deles e envolveram todo o seu exército, de modo que eles mal puderam refugiar-se num lugar impróprio, do qual não tinham nenhuma possibilidade de escapar: Mancino, sem esperança de poder sair, pela força, mandou-lhes um arauto pedir uma entrevista, ao qual os numantinos responderam que não confiavam em ninguém, a não ser em Tibério; pediram-lhe que o mandassem ao seu acampamento: tal reverência era devida em parte pelas virtudes de moço, porque só se falava dele em toda essa guerra e em parte também pela recordação que tinham de seu pai Tibério, que fizera a guerra na Espanha e lá dominara várias nações, mas concedeu a paz aos numantinos, fazendo-a depois ratificar e confirmar pelo povo romano (8) .

VIII. Paz com eles um tratado que salva o exército romano.

VIII. Tibério então lhes foi mandado e falou com eles. Concedeu-lhes parte do que eles queriam, mas impôs também parte do que êle queria, firmou a paz e assim salvou a vida a vinte mil cidadãos romanos, além dos escravos e de outros voluntários que seguiam o exército sem serem alistados; por fim os numantinos apoderaram-se dos bens que estavam no campo dos romanos, dentre os quais, documentos em que estavam exaradas as contas do cargo de Tibério, relativas à administração do dinheiro; desejando reaver tais documentos êle voltou à Numância com dois ou três amigos embora o exército romano já estivesse bem longe; chamando os oficiais e governadores da cidade pediu que lhe restituíssem seus papéis, para não dar motivo aos invejosos e aos intrigantes de caluniá-lo, quando êle não pudesse prestar contas da sua administração. Os numantinos ficaram satisfeitos com esse fato e rogaram-lhe que entrasse na cidade: como êle hesitasse, se devia ou não entrar, os oficiais de Numância aproximaram-se dele, tomaram-no pela mão, suplicando-lhe que acreditasse que eles não eram inimigos, mas, bons amigos e que confiasse neles; Tibério então assentiu pelo desejo que tinha de recuperar seus documentos e também pelo temor de irritar os numantinos se continuasse a mostrar que desconfiava deles. Quando já estava dentro da cidade, prepararam-lhe uma ceia e rogaram-lhe insistentemente, que tomasse a refeição na companhia deles, depois entregaram-lhe os papéis e ainda ofereceram-lhe tudo o que êle queria, do que eles haviam apanhado no campo dos romanos; êle, porém,’ não tomou coisa alguma, a não ser o incenso de que usou para o sacrifício em prol do Estado: feito isto, despediu-se, agradecendo-lhes e regressou para junto dos seus.

IX. Juízo do povo a respeito de Mancino e Tibério, relativamente a este tratado.

IX. Ao voltar, foi muito censurado e recriminado por ter aceitado^ o convite, como humilhante e desonroso para a dignidade de Roma: mas os parentes e amigos dos que tinham estado naquela guerra, que era a maior parte do povo, reuniram-se em torno de Tibério, dizendo que as faltas que lá haviam sido covardemente cometidas, todas deviam ser atribuídas ao cônsul e que fora êle quem salvara um tão grande número de cidadãos. Todavia, os que estavam vexados com a suposta infâmia desse encontro, queriam que se lhe fizesse como outrora haviam feito seus antepassados num caso semelhante: costumavam mandarem seus generais completamente nus aos inimigos, porque se haviam contentado de que os samnitas os despissem e os fizessem escapar com vida; não somente lhes enviaram os comandantes supremos, mas todos os que tinham tido algum cargo no exército e que haviam consentido no acordo, para atrair sobre suas cabeças todo o pecado da violação do juramento feito e do pacto jurado. Nisso, porém, ficou evidente o amor e a benevolência que o povo tinha para com Tibério, pois ordenou que o cônsul Mancino fosse entregue de pés e mãos atados (9) aos numantinos e perdoou tudo o mais, em consideração a Tibério. Não estou bem certo se Cipião, o qual era então o primeiro homem de Roma e que mais autoridade tinha, o ajudou, todavia foi êle censurado por não ter também salvado o cônsul Mancino e ter confirmado o acordo com os numantinos, pois fora Tibério, seu amigo e seu aliado, que o firmara.

X. Do uso de se entregar aos cidadãos romanos pobres as terras dos inimigos vencidos, reunidas ao império. Como os ricos conseguiram fazê-los desistir disso.

X. Estas queixas na maior parte procediam da ambição dos amigos de Tibério e de alguns homens de letras, que o aborreciam e o indispunham contra Cipião; não chegou, porém, a ira e o ódio declarados, nem daí se seguiu mal algum; talvez. Tibério não teria caído nos erros em que depois veio a cair, se Cipião tivesse estado presente quando êle realizou o que havia proposto: mas estava-se já na guerra de Numância (1.0), quando Tibério começou a apresentar seus editos para tal ocasião: quando os romanos antigamente venciam algum dos seus vizinhos, como multa, tiravam-lhes uma porção de suas terras, das quais uma parte era vendida em benefício do Estado e outra anexada ao império, a qual, depois, era dada por arrendamento ou a aluguel aos cidadãos pobres que não tinham herança, pagando uma pequena taxa todos os anos; mas os ricos começaram a aumentar a taxa e assim os pobres ficavam privados das terras; foi então feita uma lei que não permitia ao cidadão romano ter mais de cinco jeiras de terra. Esta lei refreou um pouco a ambição dos ricos e ajudou os pobres que moravam nas terras que tinham arrendado do governo e viviam do que eles ou seus antepassados possuíam desde o princípio: mais tarde, porém, seus vizinhos ricos com o nome de pessoas falsas encontraram meios de transferir para eles os arrendamentos, e por fim, abertamente, apoderaram-se eles mesmos em seu nome da maior parte, de maneira que os pobres, despojados delas, não iam mais de boamente para a guerra, nem se incomodavam em criar ou educar seus filhos, de tal modo que, em pouco tempo a Itália ficou despovoada de homens livres e repleta de bárbaros e de escravos, que os ricos mandavam cultivar as terras, das quais haviam expulsado os cidadãos romanos: a estes inconvenientes Caio Lélio procurou remediar; este era amigo de Cipião, mas como o grosso da cidade lhe fosse contrário, temendo rebentasse uma guerra civil, ele desistiu: e por esse motivo foi chamado de sábio ou sensato; parece que essa palavra, sábio, significa uma e outra coisas.

XI. Tibério procura entregar essas terras aos cidadãos pobres.

XI. Todavia Tibério, logo que foi eleito tribuno do povo (11), se pôs a executar imediatamente a sugestão, como a maior parte dos historiadores escreve, do retórico Diófanes e do filósofo Blossio, que o induziram a fazê-lo; Diófanes tinha sido exilado da cidade de Mitilene e Blossio nativo da Itália, da cidade de Cumes, tinha sido discípulo e familiar de Antípater de Tarso em Roma, onde (12) êle lhe fêz a honra de dedicar-lhe algumas das suas obras de filosofia. Outros acusam sua mãe Cornélia, a qual os recriminava de que os romanos ainda a chamavam de sogra de Cipião, não de mãe dos Gracos. Outros dizem ainda que foi um certo Espúrio Postumio, companheiro de Tibério, o seu competidor na glória da eloqüência: porque Tibério à sua volta da guerra, encontrando-o assaz elevado em honra e fama, muito estimado por todos, quis suplantá-lo, tentando esta ousada empresa, que ao mesmo tempo despertava grande interesse. Seu irmão Caio, em um livro, escreveu que quando êle ia para a guerra em Numância, passando pela Toscana, encontrou o país quase deserto; os que lavravam a terra ou custodiavam o gado na maior parte eram escravos bárbaros, vindo de terras estrangeiras: por essa razão êle determinou levar a cabo essa obra que aliás foi causa de infinitos dissabores para sua pátria: mas, como se diz, foi o mesmo povo que lhe inflamou o desejo da cobiça e da ambição e apressou a sua deliberação, convidando-o a lá entrar, por meios dos cartazes que se encontravam por toda a parte, sobre os muros, nos pórticos e nas sepulturas, nos quais se pedia que ele desse aos cidadãos romanos pobres as terras pertencentes ao governo.

XII. Sabedoria dessa lei.

XII. Todavia, êle não fez o edito só de sua cabeça, mas com o concurso do conselho dos primeiros homens da cidade em virtude e em fama, dentre os quais estava Crasso, o soberano pontífice, Múcio Cévola, o Jurisconsulto, que então era cônsul (13), Ápio Cláudio, seu sogro: parece que jamais sc fez uma lei tão suave e tão benigna, como aquela, que êle propôs contra tão grande injustiça e avareza; todos deviam ser punidos por terem desobedecido às leis e a eles se devia privar das terras que ocupavam contra as determinações expressas de Roma e fazê-los ainda pagar a multa; mas êle quis que fossem eles reembolsados pelo governo, da quantia que as terras ocupadas podiam valer e que fossem elas restituídas aos burgueses pobres que nada possuíam e que tinham necessidade de auxílio para viver.

XIII. Discurso com o qual a apoia.

XIII. E embora a reforma que seu edito introduzia fosse espontânea, o povo no entretanto alegrava-se, esquecendo o passado, de que no futuro, pelo menos, não lhe fanam mais injustiças; mas os ricos e os que possuíam vultosas heranças odiavam o edito, por causa da sua avareza e por despeito e teimosia em não querer ceder; desejavam mesmo a morte àquele que o tinha proposto, procurando desgostar o povo, dizendo que Tibério introduzia uma nova divisão nas heranças para desorganizar o governo e para provocar confusão e desordem: mas eles nada ganhavam, porque Tibério, defendendo esta causa, que por si mesma era boa e justa, com uma eloqüência que teria podido provar e justificar uma má, era invencível e não havia quem o pudesse refutar nem contradizer, quando êle discorria em favor dos cidadãos pobres romanos, pois todo o povo estava postado diante da tribuna. "Que os animais selvagens que viviam por toda a Itália tinham pelo menos suas tocas, seus covis e as cavernas onde se abrigavam; os homens, que por ela combatiam e morriam, nada tinham, a não ser o ar e a luz, mas eram obrigados a andar errantes cá e lá, com suas mulheres e filhos sem um lar, sem uma casa onde pudessem viver; de sorte que os comandantes (dizia êle), mentem ordinariamente, quando, para encorajar os soldados, os exortam a combater valentemente pelas suas sepulturas, templos e altares e de seus predecessores: não há um só de tantos burgueses romanos pobres que possa mostrar um altar doméstico, uma sepultura dos seus antepassados; vão os pobres homens à guerra combater e morrer para os prazeres, a riqueza e a superfluidade de outros; falsamente são chamados de senhores e dominadores do mundo, quando na verdade não têm uma só polegada de terra que lhes pertença".

XIV. O tribuno Otávio opõe-se à lei de Tibério.

XIV. Estas palavras e outras semelhantes, pronunciadas com gravidade e com verdadeira compunção, de tal sorte comoviam o povo e o incitavam que nenhum dos adversários ousava contradizê-lo: por isso, evitando discutir e refutá-lo, pela razão, eles se voltaram para Marco Otávio, um dos companheiros de Tibério no cargo de tribuno do povo. Era um jovem sensato, ponderado e calmo por natureza, amigo familiar de Tibério; da primeira vez que a êle se dirigiram, para fazê-lo opor-se à aprovação e à confirmação deste edito, êle desculpou-se, em consideração à amizade e à familiaridade que tinha com Tibério. Mas por fim, forçado pela insistência e pela autoridade de tão conspícuos personagens, que o importunavam, êle se opôs a Tibério, contrariando a sua ordem; isso bastava para destruí-la; porque era suficiente que um tribuno a vetasse e contradissesse ainda que todos os outros a aprovassem, para prevalecer e todos os outros juntos, nada podiam fazer, quando havia um só que se opunha.

XV. Tibério propõe uma nova lei, para obrigar a todos os que possuíam mais terras do que as antigas leis permitiam, a deixá-las.

XV. Com isso Tib éno ficou muito irritado e desistiu de propor esta primeira lei; mas, por despeito, propôs outra ainda mais agradável ao povo e mais severa para com os ricos, pela qual queria que os possuidores de terras, em medida maior do que o permitiam as leis, fossem obrigados a desfazer-se delas, imediatamente; a esse propósito, todos os dias, ordinariamente havia grandes discussões na hora dos discursos, contra Otávio; embora ambos usassem de palavras ardentes e violentas, com persistência e obstinação extrema, jamais proferiram, um contra o outro, palavras injuriosas, nem jamais lhes escapou manifestação alguma de cólera, nem uma palavra que ferisse a honra do companheiro: por onde se depreende que a boa origem e a boa educação moderam e dirigem a razão do homem, não somente nas coisas agradáveis, impedindo-o de ultrapassar os limites da honra, em ações e em palavras, mas também da cólera, e dos mais ardentes anseios de ambição e de vanglória.

XVI. Outra lei de Tibério que suspendia todos os magistrados de suas funções, até que a sua lei fosse aprovada ou rejeitada.

XVI. Vendo, Tibério, que sua lei atingia também a Otávio, dentre tantos outros, porque êle possuía muitas terras, rogou-lhe à parte, que não mais se opusesse a êle, prometendo dar-lhe do seu próprio dinheiro, uma quantia igual ao valor das terras, que êle seria obrigado a entregar, embora êle também não fosse dos mais ricos: mas Otávio não quis atender aos seus rogos; êle propôs, então, outro edito, pelo qual todos os magistrados perdiam sua jurisdição e todo o exercício de seu cargo, até que sua lei fosse aprovada ou reprovada pelo voto do povo: ele mesmo selou com suas próprias mãos as portas do templo de Saturno, onde estavam os cofres do tesouro, a fim de que os questores ou tesoureiros durante esse tempo nada pudessem nem depositar, nem retirar, impondo grandes multas aos pretores e aos outros magistrados que tinham jurisdição ordinária e transgredissem de algum modo o seu edito; de maneira que todos os oficiais, temendo incorrer nessa pena, deixaram o exercício do próprio cargo. Por esse motivo, os ricos que tinham grande número de propriedades mudaram de vestes, andavam pelas ruas de rosto acabrunhado, tristes e procuravam secretamente surpreendê-lo, tendo mesmo encarregado alguns homens de o matar: por isso, êle, com o conhecimento de todos, trazia por baixo da túnica uma espada curta, das que usam os ladrões e salteadores e à qual os latinos chamam propriamente de dolon. Quando o dia marcado para a aprovação e publicação do edito chegou, Tibério reuniu o povo, para dar o voto, os ricos apoderaram-se à força das urnas onde se deporiam as cédulas; surgiu então o perigo de se originar uma grande amotinação e grave conflito; Tibério era o mais forte, em número de homens, que já se haviam reunido junto dele; se Mânlio e Fúlvio, homens ilustres por sua posição, como cônsules não lhe tivessem pedido, de mãos postas e com lágrimas nos olhos e não tivessem rogado que desistisse do seu intento, teria havido um conflito dos mais sérios. Tibério, quer porque era realmente grande o perigo de perturbação, quer pela consideração que tmha para com esses dois notáveis personagens, conteve-se um pouco, perguntando-lhes então que queriam que êle fizesse; responderam-lhe que não eram competentes para aconselhá-lo em assunto de tanta importância, mas que colocasse a decisão à deliberação ‘do Senado, o que êle fêz, no mesmo instante.

XVII. Paz depor Otávio do tribunado.

XVII. Mas, depois, vendo que o Senado reunido nada concluía, porque lá os ricos tinham muita autoridade, resolveu fazer outra coisa, que não era nem honesta, nem legítima, isto é, depor Otávio e privá-lo do cargo, pois sabia muito bem que jamais êle faria aprovar e autorizar o seu decreto: mas, antes de fazê-lo, pediu-lhe publicamente, diante de todo o povo, com palavras mui afáveis, tocando-lhe a mão, que desistisse da sua oposição e fizesse esse favor ao povo, que o pedia como coisa justa e razoável e lhe pedia essa recompensa bem pequena, em vez de tantas tribulações e trabalhos, que êle suportava pelo bem do Estado. Otávio rejeitou todos os seus pedidos; então Tibério disse, bem alto, que sendo ambos magistrados de igual dignidade e autoridade e de igual poder, contrários um ao outro, em coisa de tão grande importância, era impossível que aquela divergência não viesse a terminar numa guerra civil e que não havia outro remédio para tal inconveniente, a não ser a deposição de um dos dois do próprio cargo; disse a Otávio que se apresentasse, por primeiro; êle deixaria de boamente do tribunal e voltaria à vida particular, se assim aprouvesse ao povo. Otávio nada quis fazer e Tibério, então, replicou que o fana, se êle não mudasse de opinião, depois de ter tido tempo de pensar; e assim, naquele dia, suspendeu a assembléia. No dia seguinte, reuniu-se novamente o povo; Tibério subiu à tribuna, tentou ainda persuadir Otávio que desistisse: mas, vendo que não o conseguia de modo algum, pôs o assunto à votação do povo, se êle queria que Otávio fosse deposto do cargo. Havia trinta e cinco fileiras de eleitores das quais dezessete já tinham ciado seu voto contra êle; só faltava uma, para fazê-lo ser destituído: por isso, nesse momento, êle mandou suspender a votação e suplicou novamente a Otávio, abraçando-o diante do povo, insistindo, dizendo que bem sabia que êle não queria que por sua teimosia êle passasse pela vergonha de ser publicamente privado do cargo, nem a êle se pudesse recriminar ter sido ministro de tal ato. Diz-se que nesse momento Otávio mostrou-se bastante comovido por seus rogos e tendo lágrimas nos olhos, ficou muito tempo sem responder: mas quando se voltou para os ricos possuidores de terras, que estavam reunidos num grupo bastante grande, êle teve, penso eu, vergonha e medo de ser mal visto por eles e de lhes perder a estima, e preferiu receber generosamente a sua destituição, dizendo a Tibério que fizesse o que quisesse. Foi assim a sua destituição aprovada e autorizada pelos votos do povo; Tibério ordenou a um dos servos libertos, que o fizesse sair da tribuna dos oradores e o le-vassse, pois êle se servia de seus libertos em vez de guardas. Isso tornou aquele ato ainda mais triste: ver se retirar Otávio tão ignominiosamente, à força; e o que ainda é pior, o povo quis agredi-lo, mas os ricos correram em seu auxílio e impediram que o maltratassem; êle salvou-se fugindo rapidamente sozinho, esquivando-se ao furor do povo: um seu fiel servidor que se lhe pusera na frente, para defendê-lo, teve os olhos vazados, contra a vontade de Tibério, que correu para junto dele, às pressas, quando ouviu o rumor e a algazarra.

XVIII. A lei de Tibério para a redução das terras é aceita.

XVIII. Depois disso, o edito relativo às terras do governo passou e foi confirmado; elegeram-se três comissários para fazer a inquirição e a distribuição. Os comissários foram Tibério, Ápio Cláudio, seu sogro, e Caio Graco, seu irmão, que então não se encontrava em Roma mas no campo de batalha, na cidade de Numância, sob o comando de Cipião, o Africano. Tudo isso se fêz pacificamente; Tibério não encontrou quem lhe fizesse

  • a menor objeção e o que é mais, ele substituiu Otávio, não por um homem de classe, mas por um de seus dependentes de nome Múcio, pelo que os ricos e os nobres ficaram sumamente indignados, temendo sua ascensão contínua e fazendo perante o Senado tudo o que podiam para mostrar-lhe seu despeito e para rebaixá-lo; êle havia pedido que lhe dessem uma tenda, por conta do governo, para quando êle partisse para o campo a fim de proceder à divisão das terras, como se fazia com os outros encarregados de trabalhos bem menores e menos importantes. Recusaram-na, unanimemente, e como seu salário diário concederam-lhe nove óbolos (14), por proposta de Públio Nasica que também se declarou seu inimigo acérrimo, porque possuía grandes extensões de terras públicas e estava muito aborrecido por se ver obrigado a entregá-las.

    XIX. Êle põe sua mulher e seus filhos sob a proteção do povo.

    XIX. O povo continuava mais e mais a se irritar e se indispor contra os ricos, de tal modo que, tendo morrido repentinamente um amigo de Tibério, sobre cujo corpo logo depois da morte, apareceram maus sinais, o povo acorreu ao seu sepultamento, clamando bem alto que o haviam envenenado; e carregaram-lhe o esquife às costas e assistiram a cremação do falecido, no qual realmente se observaram alguns indícios estranhos que fizeram pensar que não era fora de propósito, presumir-se que êle fora envenenado, porque o corpo partiu-se e dele saiu grande quantidade de humores corrompidos que apagaram o fogo, de modo que foi preciso trazer outro, o qual, porém, também não se acendeu: foram então obrigados a levar o corpo a outro lugar, onde o queimaram com dificuldades. Vendo isso, Tibério, para ainda mais alvoroçar o povo, vestiu-se de luto e trazendo a público seus filhos, suplicou ao povo que cuidasse deles e de sua mãe, como já tendo pouca esperança de poder conservar sua vida.

    XX. Propõe uma nova lei para ordenar a divisão entre os cidadãos pobres do dinheiro que provinha da venda da herança de Átalo.

    XX. Por esse meio tempo morreu Átalo, cognominado Filopater (15), e Edemo de Pérga-mo, levou seu testamento a Roma, com o qual êle instituía o povo romano seu herdeiro. Por isso Tibério, para ainda mais cair nas boas graças do povo, publicou imediatamente um edito, pelo qual o dinheiro que provinha da herança desse rei, seria distribuído entre os cidadãos pobres, que já haviam recebido sua parte na divisão das terras, a fim de que pudessem prover-se do necessário para cultivá-la e fazê-la produzir. Por fim, quanto às cidades que estavam no reino de Átalo, êle disse que não competia ao Senado dar ordens e o mesmo povo é que devia dispor delas; ele mesmo o proporia. Isto foi motivo de que o odiassem ainda mais no Senado; um senador de nome Pompeu, levantando-se, disse que ele era vizinho de Tibério e que por isso sabia que o pergamemano Tibério lhe havia dado um dos diademas do rei Átalo com um manto de púrpura, significando que ele um dia deveria ser rei de Roma; Quinto Mételo censurou-o, porque, quando seu pai era censor, os romanos, tendo ceado na cidade voltando depois para a própria casa, apagavam as tochas e archotes, de modo que parecesse, se os vissem voltar, que eles haviam permanecido até muito tarde em banquetes, quando, ao invés, os mais sediciosos e os mais indigentes do povo instruíam ao seu filho e faziam-lhe companhia quando ele andava pela cidade, à noite.

    XXI. Questão embaraçosa que lhe move Tito Ânio.

    XXI. Havia um certo Tito Anio, homem que não era nem bom, nem honesto, mas tido por grande argumentador e insuperável na arte de interrogar com sutileza e a responder com cautela: tal indivíduo desafiou Tibério a provar que não havia taxado de infâmia, a um seu companheiro, em um cargo, que pelas leis romanas devia ser santo e absolutamente inviolável. O povo tomou esta provocação como uma ofensa e Tibério mesmo apresentou-se diante da multidão que mandara reunir, e ordenou que lhe trouxessem Amo, ao qual queria mover imediatamente um processo; este, porém, sentindo-se inferior, de muito, a Tibério, em dignidade e eloqüência, recorreu a uma das suas muitas sutilezas, isto é, de interrogar com astúcia a alguém para apanhá-lo na própria palavra; rogou a Tibério que, antes de entrar na acusação, lhe respondesse a uma única pergunta que lhe queria fazer. Tibério permitiu-lhe perguntar o que quisesse; fêz-se silêncio e Amo disse: "Se me quisesses difamar e injuriar e eu chamasse um de teus companheiros em meu auxílio, o qual se levantasse para me socorrer e tu ficasses com isso despeitado, poderias por esse motivo privá-lo do magistrado?" Diz-se que Tibério ante essa pergunta ficou tão confuso que, embora fosse um dos mais prontos para falar e dos mais firmes na oratória, no seu tempo, no entretanto, permaneceu calado sem poder responder e por isso dissolveu imediatamente a assembléia .

    XXII. Discurso de Tibério para justificar a deposição de Otávio.

    XXII. Sabendo ao depois, que, de todos os seus atos, a deposição de Otávio parecia, não somente aos nobres, mas também ao povo, fruto de uma paixão, assaz desviada da razão, porque parecia que êle tinha abatido e aviltado a dignidade dos tribunos do povo, que até aquele tempo tinha sempre sido considerada como grande e honrosa, para se justificar, fêz um discurso ao povo, do qual será muito útil citarmos alguns trechos neste ponto, a fim de que se possa julgar da força, riqueza e energia de sua eloqüência. Êle disse: "O tribuna-do era verdadeiramente sagrado, santo e inviolável, porque particularmente devotado à proteção do povo e criado para proporcionar-lhe todo o bem possível; mas, se ao contrário, constata-se que êle causa prejuízo ao povo, faz-lhe injustiça, diminui seu poder e tira-lhe os meios de declarar sua vontade por meio dos votos, então êle priva-se por si mesmo dos privilégios e das prerrogativas do seu cargo, não realizando aquilo para que tais prerrogativas lhe foram concedidas: do contrário, seria preciso então permitir que um tribuno, se lhe parecesse bem, demolisse o Capitólio e pusesse fogo no arsenal; e todavia, quando mesmo êle cometesse tais excessos, seria ainda tribuno do povo, pelo menos, mau: mas quando êle procura tirar a autoridade e o poder do povo, então êle não é mais de modo algum tribuno. Não seria, portanto, coisa absolutamente fora da razão, que o tribuno pudesse levar para a prisão, quantas vezes lhe parecesse bem, um cônsul e que o povo não pudesse tirar ao tribuno o poder que lhe dá o cargo, quando dele quisesse usar em detrimento daquele que lho deu? Pois é o povo que elege tanto o cônsul como o tribuno. Além disso, a dignidade real, porque compreende soberanamente em si a autoridade e o poder de todas as espécies de cargos juntamente, é consagrada com grandes e mui santas cerimônias, como mui próxima da divindade; no entretanto, o povo expulsou o rei Tarquinio, porque êle usava violentamente da sua autoridade e pela injustiça de um só homem, o cargo mais antigo e aquele que havia fundado Roma, foram eliminados. Que há em toda cidade de Roma, mais santo e mais venerável do que as religiosas Vestais, que têm o encargo de conservar e manter o fogo eterno? Todavia, se alguma delas cometer algum erro contra a própria honra, deverá ser sepultada viva; e quando elas erram para com os deuses, perdem todas as regalias de que gozam, pela reverência ao serviço dos deuses. Também não é razoável que êle gozo da imunidade que tem para defender o povo quando êle mesmo o ofende; pois êle quer abolir o poder do qual tem o seu próprio. Se êle foi eleito tribuno porque a maior parte dos eleitores do povo o escolheu, não é justo que seja privado do cargo se todos os eleitores unanimemente o declararam indigno e o destituíram? Nada há tão santo e inviolável como as coisas oferecidas, doadas e consagradas aos deuses: todavia, jamais houve alguém que proibiu ao povo servir-se delas, modificá-las e transportá-las de um lugar a outro todas as vezes que lhe aprouve fazê-lo; assim, lhe foi facultado transferir o tribunado, como uma dádiva consagrada, para um outro. Além disso, que não há um magistrado que não possa ser legitimamente deposto do cargo, deduz-se, de que muitas vezes vimos que aqueles mesmos que os tinham, os deixaram ou pediram que deles os dispensassem". Eis os principais motivos e razoes da justificativa de Tibério .

    XXIII. Outras leis propostas por Tibério.

    XXIII. Seus amigos, vendo as ameaças e os manejos que os ricos e os nobres faziam contra êle, fcram de opinião que êle devia, para segurança de sua pessoa, continuar num segundo tnbunado, para o ano seguinte; então êle começou a agradar o povo, cada vez mais, com os novos editos que propunha, pelos quais diminuía o tempo e o número de anos, quando o cidadão romano era obrigado a ir para a guerra, se chamado e seu nome estava incluído no alistamento. Dava permissão para se apelar da sentença de todos os juízes diante do povo e incluía no número dos senadores, os quais somente tinham a prerrogativa e a autoridade de julgar, um número igual de cavaleiros romanos e assim, de vários modos, ia enfraquecendo e diminuindo a autoridade do Senado e aumentando a do povo, mais por teimosia do que por achar que era coira justa ou proveitosa para o Estado. Ainda mais: quando começaram a recolher os votos e sufrágios do povo, para a autorização de seus novos editos, sentindo que seus adversários eram os mais fortes, na assembléia, porque o povo ainda não estava todo reunido, êle começou a repreender e a injuriar seus amigos, para ganhar tempo e por fim dissolveu a reunião, ordenando que voltassem no dia seguinte, quando êle por primeiro chegou à praça, trajado de luto, muito aflito e de rosto compungido, suplicando ao povo que tivesse piedade dele, pois dizia ter mêdò de que seus inimigos viessem de noite forçar ou destruir seu lar para matá-lo. Estas palavras comoveram de tal modo a todos, que vários levantaram tendas nos arredores de sua casa e montaram guarda ali durante toda a noite.

    XXIV. Presságios funestos para Tibério.

    XXIV. Ao despontar do dia, o homem que cuidava das aves, que serviam para as predições do futuro, levou-lhes a ração diária do seu alimento, mas elas não quiseram sair de seus abrigos, exceto uma, e esta mesmo depois de ter sido forçada a isso, mas não quis tocar no alimento que lhe era apresentado, mas somente levantou a asa esquerda e estendeu a perna e depois voltou para dentro do viveiro. Este presságio fêz Tibério lembrar-se de um outro, anterior: êle tinha um capacete que usava na guerra muito belo e bem feito; dentro dele esconderam-se duas cobras, sem que êle o percebesse; lá puseram elas dois ovos e os chocaram; Tibério admirou-se ainda mais com o sinistro presságio das aves: no entretanto, saiu de casa quando soube que o povo estava já todo reunido diante do Capitólio, mas ao sair, deu tamanho golpe com a ponta do pé numa pedra da soleira, que o sangue chegou a manchar seu sapato e logo adiante apareceram-lhe dois corvos, brigando um com o outro, sobre o telhado de uma casa à esquerda; passando por ali grande multidão de povo, uma pedra impelida por um dos corvos, caiu aos pés de Tibério. Isso fêz parar e pensar, mesmo os mais corajosos que ali estavam junto dele.

    XXV. Blossio o encoraja.

    XXV. Blossio de Cumes que o acompanhava, disse-lhe que seria grande vergonha para êle e bastaria para fazer seus partidários perder toda a confiança nele, se o filho de Graco, sobrinho de Cipião, o Africano, chefe do partido do povo romano (16), por medo de um corvo deixasse de obedecer aos cidadãos que o chamavam; que seus adversários e inimigos receberiam essa falta com zombarias, e diriam ao povo que aquilo era já golpe de tirano, que por arrogância e desprezo abusava da sua condescendência. Além disso vieram vários mensageiros, que seus amigos, os quais já estavam no Capitólio lhe mandavam, pedindo-lhe que se apressasse e que todos lá estavam do seu lado; assim sua chegada foi mui honrosa; quando o povo o percebeu de longe, soltou um grito de alegria, pela sua vinda e o recebeu, quando chegou, com grandes demonstrações de carinho e de grande afeto, evitando que alguém se aproximasse dele, se não fosse bem conhecido. Múcio começou a reunir os votantes e a pô-los em fileiras, para se proceder à votação; mas não se pôde fazer como de costume, por causa do grande vozerio que suscitavam os que estavam mais afastados empurrando e sendo empurrados, esforçavam-se por chegar mais perto, forçan do a passagem e rompendo a multidão.

    XXVI. Fúlvio Placo vem avisá-lo de que no Senado se havia tomado a deliberação de matá-lo.

    XXVI. Nesse ínterim, Flávio (17) Flaco, um dos senadores, subiu a um lugar de onde todo o povo podia vê-lo e percebendo que sua voz não podia chegar aos ouvidos de Tibério, fêz-lhe sinal com a mão de que tinha algo de muito importante para lhe dizer. Tibério ordenou imediatamente que lhe abrissem caminho e Flávio com muita dificuldade aproximou-se dele; disse-lhe, que, em pleno Senado, os mais ricos e os mais influentes da cidade, não tendo podido induzir o cônsul ao seu partido, tinham deliberado matá-lo e para isso haviam reunido grande número de seguidores e amigos, bem como de servos armados. Tibério imediatamente revelou essa conspiração aos seus amigos e companheiros, que levantaram logo suas longas vestes, e quebraram as flechas que os guardas tinham nas mãos, para fazer o povo retirar-se e das quais tomaram os pedaços para atacá-los e para atacar os que os assaltassem e os que estavam mais longe se admiravam e perguntavam o que era aquilo. Tibério, para mostrar-lhes com sinais, o perigo em que se encontrava, tocava na cabeça com ambas as mãos, porque pelo grande barulho não se lhe podia ouvir a voz.

    XXVII. Nasica sai do Senado para ir matar Tibério.

    XXVII. Seus adversários, porém, viram esse sinal e correram logo ao Senado para dizer que Tibério pedia ao povo um diadema real, porque o tinham visto tocar na cabeça com ambas as mãos. Tal notícia despertou grande confusão e perturbação em todos e Nasica disse ao cônsul presidente do Senado que êle queria salvar o governo e eliminar aquele que queria se fazer tirano. O cônsul respondeu-lhe afàvelmente, que não começasse a usar da força ou de golpes perigosos e não fizesse morrer cidadão algum que antes não fosse julgado e condenado; mas, se o povo, seduzido ou forçado por Tibério, fizesse algo contrário às leis, que êle não o receberia nem o impediria. Nasica então levantou-se encolerizado e disse: "Pois então, se o supremo magistrado não se importa de socorrer o Estado, aqueles que querem conservar a autoridade das leis que me sigam". Ditas estas palavras, atirou a dobra do manto sobre a cabeça e partiu diretamente para o Capitólio; os que o seguiram enrolaram a túnica em volta do braço, empurrando e afastando do caminho os que encontravam, embora poucos se atrevessem a lhes fazer frente, para detê-los, porque eram os mais dignos e os mais notáveis da cidade: todos, ao invés, fugiam à sua passagem, tropeçando mesmo pela pressa, pisavam uns nos cutros. Os que os seguiam haviam trazido de casa grandes alavancas e cacetes, apanhavam achas de lenha, pernas de mesas e de cadeiras, que a multidão, fugindo, lançava por terra e quebrava; caminhavam apressadamente para onde julgavam encontrar Tibério, batendo nos que encontravam pelo caminho, de modo que em poucas horas fizeram debandar todo o povo e houve mesmo vários mortos naquela fuga.

    XXVIII. Morte de Tibério.

    XXVIII. Tibério, vendo isso, procurou salvar-se escapando, mas quando fugia, alguém o agarrou pela ponta da túnica, para detê-lo; êle, porém, deixou-a nas mãos do outro e fugiu sem ela; correndo, tropeçou e caiu por cima de um terceiro que estava caído diante dele; ao levantar-se o primeiro que o agarrara, ao que parece, era um dos seus companheiros no tribunado Públio Satureio, o qual lhe deu um golpe com um pé de cadeira na cabeça; o segundo golpe que êle recebeu, foi desferido por Lúcio Rufo, que disso se vangloriava, como se tivesse realizado um feito de valor. Morreram nesse tumulto mais de trezentas pessoas, todas atacadas a pauladas e pedradas, não havendo um só que fosse morto por arma branca. Foi a primeira rebelião entre os cidadãos de Roma, resolvida com mortes e efusão de sangue, desde que os reis haviam sido exilados; todas as outras dissensões de antes, que haviam sido outrossim grandes e graves, tinham sido, porém, pacificadas moderadamente, pois os partidos cediam um ao outro, o Senado, pòr medo do povo e o povo, por reverência ao Senado; parece que Tibério mesmo teria cedido com facilidade, tivessem eles procedido amigavelmente, por via de persuasão; teria êle cedido antes ainda quando mesmo tivessem agido por vias de fato, sem, porém, atacar nem fugir a ninguém, pois não havia então junto dele mais de três mil homens do povo.

    XXIX. Seu corpo é lançado no Tibre.

    XXIX. Parece que esta conspiração foi tramada contra êle mais por ódio e raiva que os ricos lhe votavam do que por outros motivos, que imaginavam e inventavam contra êle; como prova, podemos apresentar a crueldade e a desumanidade de que eles usaram contra seu corpo, depois de morto; jamais permitiram a seu irmão, que o havia pedido, que o levasse para sepultá-lo, à noite, mas o lançaram com os outros mortos no rio; ainda não foi tudo: expulsaram alguns dos seus amigos sem ter formado o processo, e mandaram matar os outros que lhes caíram nas mãos, dentre os quais o retórico Diófanes e Caio Bilio que eles meteram num tonel com serpentes e víboras e assim os fizeram morrer. Blossio de Cumes foi levado à presença dos cônsules que o interrogaram sobre o que havia acontecido; êle confessou francamente que tinha executado tudo o que Tibério lhe havia ordenado. Como Nasica lhe perguntasse: "Que farias se êle te tivesse mandado atear fogo no Capitólio?" êle respondeu: "Que Tibério jamais lhe daria semelhante ordem". E como vários outros insistissem perguntando-lhe: "Mas se ele te tivesse ordenado?", êle respondeu: "Eu o teria feito, pois ele não o teria ordenado, se isso não fosse útil para o povo". No entretanto êle salvou-se no momento; depois, fugiu para a Ásia, para junto de Aristonico, cujo reino estava completamente arrumado e por isso êle suicidou-se.

    XXX. Nasica é obrigado a sair de Roma: morre em Pér-gamo.

    XXX. Por fim, o Senado, para contentar e apaziguar o povo pelo que acabava de suceder, não se opôs mais à divisão das terras; permitiu que fosse nomeado outro comissário, no lugar de Tibério. Foi escolhido Públio Crasso que era seu aliado, porque sua filha Licínia era casada com Caio Graco, embora Cornélio Nepos diga que não foi a filha de Crasso que Caio desposou, mas a de Bruto, que venceu os lusitanos (18): todavia a maior parte dos historiadores escreve do riiesmo modo como nós o fizemos. Mas, como quer que fosse, o povo ficou muito descontente com a sua morte e via-se evidentemente que êle aguardava apenas a ocasião para se vingar e já ameaçava a Nasica de citá-lo em juízo. Por isso, o Senado (19) temendo que assim se fizesse, determinou, sem que houvesse necessidade, que êle partisse para a Ásia, porque o povo não dissimulava sua malquerença quando o encontrava, mas irritava-se asperamente contra êle, chamando-o de tirano e assassino, excomungado e maldito, por ter manchado suas mãos no sangue de um magistrado sagrado e dentro do templo mais santo, mais venerável e mais devoto que havia na cidade, de tal modo que êle foi obrigado, por fim a sair da cidade: embora pelos deveres do seu cargo êle fosse obrigado a fazer os maiores e os principais sacrifícios, por ser soberano pontífice: saindo de sua pátria, andava errante, sem honra, em grande tribulação e até mesmo perturbação mental; morreu pouco depois não longe da cidade de Pérgamo.

    XXXI. Ressentimento do povo contra Cipião, o Africano.

    XXXI. Não nos devemos admirar se o povo odiava tanto a Nasica, pois, o mesmo Cipião, o Africano, que o povo romano tinha amado mais que a qualquer outro, e com muita razão, perdeu todo o amor e afeto que este lhe devotava, porque no cerco de Numância, quando soube da morte de Tibério, declamou bem alto estes versos de Homero:

    (20) Que de hoje em diante possa acontecer outro [tanto a todo aquele que quiser semelhante [empresa realizar.

    Quando em plena assembléia do povo êle foi interrogado por Caio e por Fúlvio sobre o que pensava da morte de Tibério, respondeu de modo que dava a entender que as obras do falecido não lhe agradavam: depois disso, o povo o tratou asperamente; interrompeu-lhe o fio do discurso quando êle falava, o que nunca antes lhe havia feito; êle também deixou-se tanto levar pela cólera, que disse palavras injuriosas ao mesmo povo (21) .

    XXXII. Vida retirada de Caio depois da morte de seu irmão.

    XXXII. De resto, Caio Graco, no começo, quer porque temia os inimigos de seu falecido irmão, quer porque procurava ainda os meios de torná-los mais odiados pelo povo, ficou uns tempos sem aparecer em público, conservando-se quieto em sua casa, como quem está contente com a situação e desejava apenas viver modestamente sem tomar a peito empreendimento algum; assim êle deu motivo a alguns de pensar e de dizer que êle não aprovava, mas achava más, as obras que seu irmão tinha realizado: êle era, então, ainda muito jovem, pois tinha nove anos menos que seu irmão Tibério, que não havia completado trinta (22) quando foi morto: todavia com o tempo, êle começou, pouco a pouco, a patentear seus hábitos e sua natureza; não era amigo das delícias nem da preguiça, nem amante dos prazeres e menos ainda da cobiça de riquezas; exercitava-se, porém, na eloqüência e provia-se como de asas, para depois lançar-se nos trabalhos do governo e do Estado, de modo que era evidente que, quando tivesse chegado o seu dia, cie não descansaria mais.

    XXXIII. Como Caio é induzido a caminhar nas pegadas de seu irmão.

    XXXIII. Como um de seus amigos chamado Vécio tivesse sido citado em juízo, êle tomou o encargo de defendê-lo no julgamento; quando o povo o viu, discursando, estremeceu de júbilo, pela sua maneira de falar, fácil e alegre, mostrando muito prazer em vê-lo e guvi-1o; todos acharam que êle falava excelentemente, e os outros oradores pareciam crianças perto dele. Por isso os ricos e cs nobres começaram de novo a sentir medo e já murmuravam entre si, que era preciso estar muito atento para que êle não fosse escolhido para o cargo de tribuno do povo: aconteceu por acaso que tendo sido eleito questor, coube-lhe por sorte ir com o cônsul Orestes (23), para a ilha da Sardenha, pelo que seus inimigos muito se alegraram e êle não ficou aborrecido, pois era bom soldado, não menos exercitado nas armas do que na tribuna dos oradores e na eloqüência; mais: êle temia ainda a tribuna dos oradores e o desempenho dos cargos públicos, e no entretanto não podia de todo resistir à vontade do povo e dos amigos que o chamavam; por isso, êle ficou satisfeito por ter aquela ocasião legítima de se ausentar da cidade, fazendo essa viagem, embora outros sejam de opinião que êle era ainda mais popular e mais ambicioso do favor e das boas graças do povo do que seu irmão, todavia a verdade é o contrário; pois êle foi levado à força a iniciar a sua vida de homem do governo, que não por vontade e propósito deliberado; escreve o orador Cícero que êle tinha resolvido fugir de toda administração pública e queria viver em paz, como um homem privado; mas seu irmão apareceu-lhe em sonho e, chamando-o pelo nome, disse-lhe: "Por que protelas mais, meu irmão? Não é possível que possas escapar, pois uma mesma vida e uma mesma morte nos foi predestinada por nos termos dedicado ao bem do povo".

    XXXIV. Induz as cidades da Sardenha a fornecer vestuário aos soldados romanos.

    XXXIV. Caio chegou à Sardenha onde deu as provas que poderia dar do seu valor, mos-trando-se mais valente que todos os da sua idade, contra os inimigos, mais justo para com os súditos e mais obediente para com os comandantes, pela honra que lhes prestava e pela benevolência que lhes dedicava; na temperança, na sobriedade e em suportar a fadiga êle sobrepujou mesmo aos que eram mais velhos do que êle. Chegou o inverno, muito incômodo e fértil em doenças, na Sardenha; ordenou o comandante às cidades que fornecessem agasalhos aos soldados: elas, porém, mandaram com urgência emissários a Roma para pedir ao Senado que as isentasse daquela obrigação. O Senado achou suas razoes muito sensatas e escreveu ao comandante que procurasse outro meio para agasalhar seus homens. O general não podia fazer de outro modo, porque os soldados naquele tempo sofriam de muitos males; Caio então percorreu as cidades apresentando-lhes tão boas razões, que elas por si mesmas mandaram o socorro de que os soldados romanos necessitavam; isto foi relatado em Roma e interpretou-se logo como sendo o princípio para êle conquistar as boas graças do povo: o fato deu muito que pensar ao Senado.

    XXXV. Volta a Roma e justifica-se da acusação intentada contra èle por causa de sua volta.

    XXXV. Ch egaram da África alguns embaixadores do rei Micipsa, que disseram que seu senhor em consideração e em atenção a Caio Graco tinha mandado trigo para seu exército na Sardenha: isso causou grande despeito aos senadores que expulsaram os embaixadores do Senado e determinaram mandar outros soldados para lá, no lugar dos que se encontravam com Orestes, ficando, porém, êle ainda como comandante, imaginando que Caio também continuaria como questor: êle, porém, sabendo disso, tomou o navio e veio imediatamente a Roma, muito irritado (24) . Quando o_viram de volta a Roma, contra a expectativa de todos, êle foi censurado, não somente por seus inimigos, mas também pelo povo, ao qual parecia estranho que êle tivesse voltado antes do comandante do qual era questor. Disso foi êle acusado perante os censores, mas pediu audiência para se justificar. Compareceu e respondeu de tal modo ante a assembléia, que destruiu todos os seus argumentos e a opinião dos presentes, tanto que não houve um só que não julgasse que lhe haviam mesmo feito uma grave injustiça: porque êle provou que tinha estado doze anos na guerra, quando todos eram obrigados apenas ficar dez e que êle tinha sido questor, de seu comandante, por três anos (25), quando a lei permitia que no fim de um ano pudesse voltar, que êle somente, de todos os que haviam estado naquela guerra, tinha levado sua bolsa cheia e a trazia completamente vazia, e lá, todos os demais tinham bebido o vinho que haviam levado em seus tonéis e os haviam trazido de volta, cheios de ouro e de prata.

    XXXVI. É nomeado tribuno.

    XXXVI. Depois quiseram ainda acusá-lo (26), de ter tomado parte numa conspiração que fora descoberta na cidade de Fregeles (27) . Mas êle conseguiu destruir a suspeita e justificou-se plenamente; pôs-se então a pleitear imediatamente o cargo de tribuno do povo, no que teve como adversários jurados, todos os homens de classe, sem exceção; mas também, ao contrário, teve grande favor do povo que acorreu de todas as partes da Itália, em enorme multidão, para assistir à sua eleição; tão grande era o número, que muitos não encontraram alojamento; o campo de Marte não era bastante grande, para conter a massa popular, e muitos davam o voto de cima das casas e dos telhados. Não puderam então os nobres forçar a vontade do povo nem diminuir a esperança de Caio; apenas, nisto puderam prejudicá-lo: esperava êle ser c primeiro tribuno, no entretanto, alcançou o quarto lugar: mas, logo que tomou posse do cargo (28), tornou-se incontinenti o primeiro, sendo mais eloqüente que os outros, e porque servia-se do motivo que lhe dava toda a força no falar, isto é, deplorar a morte de seu irmão: sempre que falava o argumento para esse ponto, relembrando-lhes o acontecimento e pondo-lhes diante dos olhos os exemplos de seus antepassados, que outrora haviam feito a guerra aos faliscos, por causa de um certo Genúcio, tribuno do povo, ao qual eles haviam injuriado e condenaram a morrer a Caio Ve-túno, porque êle sozinho não quisera ceder lugar a um tribuno do povo, que passava pela rua: "Estes, dizia êle, na vossa presença e diante dos vossos olhos, mataram a pauladas meu irmão Tibério, arrastaram seu corpo, desde o Capitólio por toda a cidade para lançá-lo no rio e também mataram cruelmente a vários outros, dos seus amigos, que puderam apanhar, sem que passassem pelos trâmites da justiça: e no entretanto, segundo o costume observado desde todos os tempos nesta cidade de Roma, quando alguém é condenado a pena capital e deve ser encaminhado ao castigo que lhe foi imposto, manda-se pela manha à porta de sua casa, uma trombeta para convidá-lo ao som da mesma a se apresentar e os juízes costumam condenar só quando esta cerimônia foi inteiramente observada: os nossos predecessores foram ponderados e reservados quando se tratava da morte de um cidadão romano".

    XXXVII. Primeiras leis propostas por Caio.

    XXXVII. Caio com semelhante linguagem logo entusiasmou o povo; tinha além do mais, uma voz forte e vibrante e propôs então duas leis: a primeira: "Que aquele que tivesse já sido uma vez deposto de um cargo, pelo povo, não podia ser eleito para outro; a segunda: que se algum magistrado tivesse exilado um cidadão sem lhe ter antes movido um processo em regra, o julgamento e a decisão final pertenciam ao povo". Destas leis, a primeira, feria com a infâmia, evidentemente, a Otávio, que Tibério havia feito depor do seu cargo, pelo povo; e a outra, visava a Popílio, que sendo pretor, tinha exilado os amigos de Tibério: pelo que ele não esperou o término do julgamento, mas foi voluntariamente para o exílio, saindo da Itália. Quanto à primeira ele mesmo a revogou depois, dizendo que entregava Otávio, pelos rogos de sua mãe Cornélia, que lho havia pedido e com isso o povo ficou muito satisfeito e o entregavam, honrando essa senhora, não menos em consideração aos filhos, do que a Cipião, seu pai, pois, tendo feito erigir uma estátua de cobre em sua honra, nela fez gravar esta inscrição: "Cornélia, mãe dos Gracos". Encontramos por escrito várias frases assaz banais e que revelam a vulgaridade das expressões que Caio proferiu contra alguns dos seus inimigos: como quando disse: "Ousas falar mal de Cornélia que foi mãe de Tibério?" Aquele que falara era suspeito do pecado de sodomia, disse-lhe: "Em que tens a ousadia de te comparar a Cornélia? Tiveste filhos como ela? E no entretanto não há em Roma quem não saiba que ela, que é mulher, viveu mais tempo sem homem, do que tu que és homem". Assim eram ferozes e pungentes as invectivas de Caio; poderíamos acrescentar ainda muitas outras, tiradas de seus escritos.

    XXXVIII. Várias outras leis propostas por Caio.

    XXXVIII. Êle propôs ainda várias leis para aumentar o poder do povo e diminuir o do Senado: uma, com relação ao repovoamento de várias cidades, pelas quais distribuía todas as terras comuns aos cidadãos pobres que eram mandados para povoá-las; outra, ordenava que se distribuísse a indumentária dos soldados, às expensas do governo, sem que por isso se lhes diminuisse o soldo ordinário e que não se podia alistar nem receber a soldo um cidadão, que não tivesse pelo menos dezessete anos. Uma outra dava igual direito nas eleições de magistrados a todos os aliados e confederados residentes na Itália, como aos próprios burgueses que habitavam na cidade de Roma. Outra determinava o preço bem baixo do trigo que se distribuía aos pobres: outra, visava os que podiam ser juízes, pela qual se limitava de muito as prerrogativas e a autoridade, do Senado, porque antes os senadores eram os únicos juízes em todos os processos e por isso eles eram muito honrados e temidos pelo povo e pelos cavaleiros romanos; acrescentava-lhes trezentos cavaleiros romanos, tantos quantos senadores; fêz que os julgamentos de todas as causas fossem comuns entre esses seiscentos homens. Fazendo passar esta lei, diz-se que ele observou diligentemente todas as outras coisas e também este ponto; quando todos os outros oradores, falando ao povo, voltavam-se para o edifício onde se reunia o Senado e para a praça que se chama Comício, ele, ao contrário, voltava-se, discursando, para fora, na direção da outra extremidade da praça; e o que desde então sempre observou com todo o cuidado; com um movimento insignificante ele causou uma mudança completa, transferindo por assim dizer, toda a força do governo, do Senado para o povo, colocando o poder que antes estava nas mãos da nobreza, inteiramente nas do povo, insinuando aos oradores que apresentavam a matéria em público, que era ao povo que eles se deviam dirigir e não ao Senado.

    XXXIX. Propostas sábias e úteis feitas por Caio ao Senado.

    XXXIX. O povo não somente recebeu e aprovou sua lei, com relação aos julgamentos, mas deu-lhe ainda o poder de escolher entre os cavaleiros romanos os que ele quisesse, para serem juízes; com isso ele concentrou em suas mãos um poder absoluto, por assim dizer, de tal modo que mesmo o Senado recebia conselhos dele; na verdade, êle dava-lhe sugestões, apresentava propostas que visavam a sua mesma dignidade como dentre outras, o decreto que êle propôs, por ter o vice-pretor Fábio mandado da Espanha certa quantidade de trigo, o que foi justo e mui honroso; pois êle persuadiu ao Senado que mandasse vender o trigo e restituísse o dinheiro às cidades e comunidades que o haviam mandado e se enviasse uma censura a Fábio porque tornava o império romano odioso e pesado aos seus súditos. Esta proposta granjeou-Ihe grande glória e grande benevolência nas províncias sujeitas aos romanos. Além disso propôs repovoar várias cidades destruídas, reparar e melhorar as estradas principais, construir grandes celeiros, para se fazerem grandes provisões de trigo; de todas essas obras êle mesmo tomava o encargo e a superintendência, para a sua realização, não se cansando, por mais trabalho que tivesse, de prover e de dar ordens a tantos e tão grandes empreendimentos, mas terminando-os todos, com tanto êxito e rapidez, que parecia que êle só tinha.isso a fazer, de modo que aqueles mesmos que o odiavam e temiam, admiravam-se por ver como ele era ativo e expedito em todas as coisas.

    XL. Como êle faz construir grandes estradas.

    XL. O povo do mesmo modo maravilhava-se, vendo sempre em redor dele uma grande multidão de operários, empregados, embaixadores, oficiais, soldados, literatos; a todos êle satisfazia com maravilhosa solicitude, sempre conservando sua dignidade e usando de cortesia e humanidade, aco-modando-se a cada um deles, de sorte que êle tornava seus caluniadores importunos e aborrecidos quando estes diziam que êle devia ser temido, ta-xando-o de violento e intolerável; porque êle sabia conquistar a benevolência do povo, em suas palavras e em suas obras, bem como em seus discursos. Mas o trabalho no qual êle empregou maior diligência e solicitude, foi em reparar e melhorar as estradas principais; tinha o cuidado de que a graça e a beleza nelas estivessem unidas à comodidade; fazia-as traçar em linha reta através dos campos, em terras firmes e tornando-as ainda mais resistentes, pavimentando-as com pedras duras, espalhando depois por cima muita areia, que para lá fazia transportar. Quando havia vales ou canais, que as águas cavavam, os fazia encher ou construir pontes por cima, de igual altura em ambos os lados; assim a obra vinha a se realizar plana, no mesmo nível, muito agradável de se ver. Ainda mais: mandou dividir toda a estrada por milhas, contando cada milha mais ou menos oito estádios (29), (uma meia légua) pondo no fim de cada milha uma pedra, para marcá-la: mandou ainda colocar nas duas margens da estrada assim pavimentadas, cá e lá outras pedras um pouco elevadas, menos distantes uma da outra, para ajudar os viajantes a montar a cavalo, sem ter necessidade de outra pessoa para o fazer.

    XLI. É nomeado tribuno pela segunda vez.

    XLI. Por isso, o povo o enaltecia e festejava com entusiasmo, sempre pronto a dar-lhe demonstrações de benevolência e de amor; êle disse, um dia, falando em público, que lhe tinha apenas uma graça a pedir: se aprouvesse ao povo conceder-lhe, êle ficaria inteiramente satisfeito e se lha recusassem, não se queixaria de modo algum. Cada qual pensou que era o consulado, que êle lhes queria pedir, e todos julgavam que êle ia pleitear ao mesmo tempo o tribunado e o consulado; mas quando chegou o dia da eleição dos cônsules, todos estavam atentos para ver o que aconteceria; ficaram admirados quando o viram descer ao campo de Marte, levando Caio Fânio com amigos dele para auxiliá-lo na conquista do consulado. Isso foi tão útil a Fânio que imediatamente foi eleito cônsul (30) e Caio também foi eleito tribuno do povo, pela segunda vez, sem que o tivesse pedido nem pleiteado, mas o povo o quis assim; vendo que tinha o Senado como inimigo declarado e o cônsul Fânio mostrava-se por sua vez muito frio e indiferente, êle recomeçou a procurar as boas graças e o favor do povo, por meio de novos editos e novas leis, propondo que se mandassem burgueses pobres para repovoarem as cidades de Tarento e de Cápua e que se concedesse pleno direito de burguesia romana a todos os povos latinos.

    XLII. O Senado suscita Lívio Druso para destruir o prestígio de Caio, conquistando o povo por meio de concessões excessivas.

    XLII. O Senado, vendo isso, temendo que se tornasse tão poderoso que eles não lhe pudessem mais resistir, determinou tentar um meio novo de afastar o favor do povo, procurando agradá-lo, conceden-do-lhe coisas que não eram absolutamente razoáveis; um dos companheiros de Caio, no ofício do tribunado, de nome Lívio Druso, homem de boa família e mais instruído que qualquer outro em Roma, no seu tempo, e que resistia àqueles que por suas riquezas e por sua eloqüência eram os mais estimados e tinham mais autoridade no governo. Os principais membros do Senado dirigiram-se a êle, rogando-lhe que passasse para o seu partido e se unisse a Caio, não procurando forçar o povo, nem contrariar à sua vontade, mas ao invés, cuidasse em agradá-lo, concedendo-lhe coisas, que não lhes seria bem negar, e mui razoável incorrer-se em seu desagrado. Lívio ofereceu seu tribunado para servir em tais coisas aos desígnios do Senado; propôs leis que não eram para benefício nem honra do governo e que só tendiam a provocar a emulação e a superar Caio, à força de adular o povo, fazendo-lhe a vontade e agradando-o, como os que fazem representar comédias para dar-lhes um passatempo.

    XLIII. Reflexões sobre este proceder do Senado.

    XLIII. Os senadores mostravam bem evidentemente que as propostas de Caio não os desgostavam tanto quanto desejavam arruiná-lo e abater o seu prestígio a qualquer preço; Caio propunha apenas o repovoamento de duas cidades e para lá queria mandar os mais honestos cidadãos e eles clamavam contra êle, que queria corromper o povo e, ao contrário, favoreciam a Druso que propunha se repovoassem doze cidades e queria que se mandassem a cada uma, três mil dos burgueses mais pobres: eles odiavam a Caio, que havia sobrecarregado de rendas anuais os burgueses pobres, aos quais havia dado terras e Lívio, ao contrário, era-lhes simpático, porque suprimira essa renda àqueles aos quais êle dava também terras, entregando-lhas livres, sem ônus algum. Assim mais: Caio desagradava-lhes, porque dava a todos os latinos igual direito de voto nas eleições dos magistrados, que eram romanos de nascimento: no entretanto, Druso propusera uma lei, que de então por diante não seria mais permitido a um comandante romano fazer chicotear ou bater com varas, na guerra, a um soldado latino; eles acharam bom o edito e o favoreceram; Lívio a cada lei que propunha, sempre dizia em seus discursos, que o fazia a conselho do Senado, que se interessava pelos pobres ; na sua administração nada houve mais útil nem mais proveitoso ao governo, do que isso: o povo tornou-se mais dócil para com o Senado, que antes era odiado e suspeitava-se dos seus principais homens; Lívio eliminou toda aquela malevolencia, porque o povo viu que tudo o que êle propunha era em seu favor e em seu proveito, com o consentimento e por iniciativa do Senado. O prestígio de Druso aumentava porque êle agia retamente, só visava o bem do povo e nunca propunha coisa alguma em seu proveito nem para êle; em todos os repovoamentos de cidades, de que foi autor, para lá mandou sempre outros comissários, aos quais fazia delegar o cargo e jamais quis manejar o dinheiro: Caio ao invés, arrogava para si a direção da maior parte de todas essas administrações, mesmo as principais e as maiores.

    XLIV. Caio é nomeado comissário para presidir à restauração de Cartago. Morte de Cipião.

    XLIV. Rúbrio (31), outro tribuno do povo, propôs que se restaurasse e se repovoasse Cartago, que tinha sido destruída por Cipião; tocou por sorte a Caio ser nomeado comissário para lá; por isso, embarcou e passou à África; Druso, no entretanto, aproveitando a sua ausência, continuou a se insinuar ainda mais, nas boas graças do povo, mesmo porque acusava a Fúlvio, que era um dos maiores amigos de Caio de que o tinham nomeado comissário como êle, para fazer a divisão das terras aos burgueses, e o mandavam ao novo repovoamento. Êle era homem revoltoso, e por isso, odiado e mal visto pelo Senado; era ainda suspeito aos que pertenciam ao partido do povo, de ocultamente incitar os aliados e solicitar secretamente os povos da Itália a se revoltarem; todavia, não havia provas suficientes nem se podia citar coisa alguma contra êle, a não ser o que êle mesmo afirmava, porque mostrava ter má vontade e se aborrecia por ver as coisas em paz e tranqüilas. Isso foi uma das principais causas da ruína de Caio, porque para êle desviou-se uma parte da ira que se tinha contra Fúlvio. Quando Cipião, o Africano (32), foi certa manhã encontrado morto, em sua casa, sem causa alguma aparente que pudesse ter motivado aquela morte repentina, a não ser alguns sinais de pancadas que lhe haviam dado e da violência que lhe haviam feito, como já tivemos ocasião de dizer em sua vida, a maior parte das suspeitas foi lançada sobre Fúlvio, porque era seu inimigo mortal e, naquele mesmo dia, tivera uma discussão muito forte com êle, na tribuna dos oradores; Caio também foi objeto de suspeitas; esse grande crime, perpetrado contra a pessoa do primeiro e do mais digno personagem de Roma, não foi vingado nem se fizeram indagações de espécie alguma, porque o povo impediu o processo e o julgamento, temendo que Caio fosse tido como culpado, se fosse interrogado a esse respeito; mas isso foi algum tempo antes.

    XLV. Presságios funestos. Caio volta a Roma.

    XLV. Caio estava na África realizando o repovoamento de Cartago, que ele chamou de Juno-nia; diz-se, que lhe aconteceram vários presságios e sinais sinistros: o bastão da primeira insígnia foi quebrado pela violência do vento que soprava de um lado e a resistência do porta-insignia, que o tinha firme, do outro; veio também um turbilhão de vento que levou os sacrifícios que já estavam sobre o altar e os lançou fora do recinto que se havia traçado para reconstruir a cidade; mais ainda: os lobos vieram arrancar as marcas que se haviam fincado para delimitar a extensão da cidade e as levaram para longe. Não obstante tudo isso, Caio tudo realizou e terminou no espaço de setenta dias; voltou imediatamente a Roma porque recebera notícias de que Fúlvio era perseguido por Druso e os negócios do governo tinham urgente necessidade de sua presença: porque (33) Lúcio Hostílio, homem da nobreza e que gozava de grande prestígio no Senado e no ano anterior havia sido alijado do consulado por Caio, que fizera eleger a Fânio, esperava voltar a êle, naquele ano, pelo grande número de pessoas que o ajudavam; e se o conseguisse já tinha determinado derrubar Caio, não obstante o favor e o prestígio de que êle mesmo gozava, perante o povo, começasse por assim dizer, a fenecer, porque o povo já estava saturado de tais inovações, pois havia muitos que propunham as mesmas coisas para agradá-lo, com o consentimento e aprovação do Senado.

    XLVI. Perde na opção de um terceiro tribunado.

    XLVI. Voltando a Roma, mudou de casa e do lugar onde êle morava antes, no monte Palatino; foi para a parte extrema da praça, porque havia naquele quarteirão muitos homens de baixa condição: depois propôs o resto de suas leis; para fazer que fossem aprovadas e aceitas pelo voto do povo, reuniu grande multidão de todas as cercanias de Roma; o Senado então ordenou ao cônsul Fâ-mo, que intimasse a todos os que não eram romanos de nascimento, camponeses e habitantes mesmo na cidade, que saissem de Roma; promulgou-se então uma ordem bem esquisita, e sem precedentes; isto é, que nenhum aliado ou confederado, durante alguns dias, permanecesse em Roma: Caio, ao invés, colocou em lugares públicos um aviso, pelo qual censurava o cônsul de ter feito publicar tão iníqua determinação e prometia aos aliados e confederados, que os ajudaria, se quisessem resistir à ordem do cônsul; o que todavia não fêz; vendo que os guardas de Fânio levavam para a prisão um de seus hóspedes e amigo, fingiu não se importar e não o ajudou, quer porque temia experimentar o seu prestígío perante o povo, que passava, quer porque nao quis fazê-lo para, como êle dizia, não dar motivo de brigas e de rusgas com os que lhe eram contrários, os quais não queriam outra coisa, na verdade. Além disso, aconteceu que êle teve sérias divergências com seus mesmos companheiros por este motivo: o povo devia ter o divertimento das lutas dos gladiadores, na praça e vários oficiais, para também presenciarem a luta, mandaram construir um tablado em redor, que eles alugavam. Caio mandou que o tirassem dali, para que, sem pagar, os pobres também pudessem assistir aos jogos, daquele lugar. Ninguém obedeceu; êle esperou então até à noite precedente aos jogos; foi depois com vários operários, a seu serviço, e retirou todos os tablados, de modo que no dia seguinte o povo teve a praça vazia e pôde assistir comodamente aos jogos, ficando-lhe com isso muito grato e estimando-o ainda mais. Seus companheiros, ao invés, começaram a odiá-lo, como ousado e temerário: parece que isso foi motivo de lhe impedirem um terceiro tnbunado, embora êle tivesse o maior número de votos, em seu favor, porque seus companheiros, como vingança, pela violência que lhes havia feito, deram dele maliciosa e injustamente uma falsa informação; todavia isso não é de todo certo.

    XLVII. Um litor do cônsul Opímio é morto pelos homens do partido de Caio.

    XLVII. O fato, porém, é que êle ficou muito admirado com esse acontecimento e parece que disse, um tanto arrogantemente, aos seus inimigos, que se riam dele e zombavam, que seu riso era sardónico e não conheciam as trevas em que suas ações os haviam envolvido. Por fim, seus adversários estabeleceram Opímio no consulado (34) e começaram por revogar várias leis de Caio, dentre outras a do repovoamento de Cartago, procurando todos os modos de irritá-lo, a fim de lhes dar um pretexto para matá-lo; todavia ele suportou tudo pacientemente desde o princípio; mas seus amigos, mesmo Fúlvio, tanto insistiram que ele de novo se pôs a recrutar gente para resistir ao cônsul; a este respeito diz-se, que mesmo Cornélia, sua mãe, secundou-o, assalariando secretamente bom número de estrangeiros, que mandou para Roma, como se fossem homens para a lavoura, precisamente o que ela diz com palavras veladas nas epístolas que escreveu ao filho, à maneira de quebra-cabeças; todavia, outros julgam o contrário; isto é, que ela ficou muito aborrecida com o que ele se pusera a fazer. Quando pois chegou o dia marcado, em que se devia proceder à rescisão de suas leis, um e outro, bem cedo, apoderou-se do Capitólio e depois que o cônsul fizera o seu sacrifício, um dos seus guardas de nome Quinto Antílio, levando as entranhas da vítima imolada, disse a Fúlvio e aos outros da sua liga que estavam perto dele: "Dai lugar aos homens de bem, maus cidadãos que sois!"

    Outros dizem ainda que, depois dessas palavras injuriosas, estendeu-lhes ainda o braço nu, num gesto imoral, para humilhá-los: por isso, foi morto naquele mesmo lugar a golpes de grandes estiletes de escrever, que tinham expressamente mandado fazer para isso. O povo ficou alarmado com esse assassinato e os chefes dos dois partidos, muito perturbados, porque Caio ficou irritado e censurou acerbamente os seus, dizendo que haviam dado aos inimigos um motivo mais que suficiente para atacá-lo, o que eles sumamente desejavam; Opímio, ao contrário, tomando essa oportunidade se pôs a incitar o povo à vingança; no momento, porém, sobreveio uma chuva que os dispersou.

    XLVIII. O povo indigna-se pelo interesse que o Senado mostrava tomar pela vingança dessa morte.

    XLVIII. No dia seguinte, o cônsul reuniu o Senado ao alvorecer, para resolver certos assuntos internos; alguns, porém, tomaram o corpo de Antí-110, colocando-o despido numa cama, levaram-no pela praça, como haviam projetado, até a porta do Senado, onde se puseram a fazer lamentações e queixas em voz alta; sabendo que Opímio lá estava fingindo nada saber, os senadores saíram para observar o que se passava; vendo aquele leito no meio da praça, uns puseram-se a lamentar o defunto, outros a gritar que era um ato indigno, que não se devia deixar passar impune; mas, ao contrário, isso renovou a ira, a irritação do povo contra a maldade dos nobres ambiciosos, que, tendo matado Tibério Graco, que era tribuno, no interior do Capitólio e lançado seu corpo no no, faziam exibição, pública no meio da praça, do corpo de um guarda, Antílio, que por acaso tinha sido injustamente morto mas êle tinha dado motivo aos que o atacaram de tirar-lhe a vida; e estava então todo o Senado em redor do seu leito a deplorar-lhe a morte e a honrar o féretro de um mercenário, para irritar o povo e induzi-lo também a matar àquele que era o único protetor e defensor do povo.

    XLIX. O povo monta guarda durante a noite em redor da casa de Caio.

    XLIX. Depois, voltaram de novo para dentro, onde fizeram um decreto, pelo qual davam poder extraordinário ao cônsul Opímio, para prover com autoridade soberana ao bem público, defender a cidade e exterminar os tiranos. Concluído e promulgado este decreto, o cônsul ordenou imediatamente aos senadores assistentes, que fossem tomar suas armas; aos cavaleiros, que, no dia seguinte de manhã, cada um deles trouxesse consigo dois servos armados; Fúlvio preparou-se também contra êle, e reuniu o povo: Caio, voltando da praça, parou diante da estátua de seu pai e contemplou-a fixamente, sem nada dizer; chorando, porém, soltou um grande suspiro e continuou seu caminho. Isso comoveu muito o povo que tudo presenciara; e por isso diziam a si mesmos, que eles eram muito covardes, porque falhavam na hora necessária abandonando tão. ilustre personagem; depois foram à sua casa, onde passaram toda a noite, vigiando a porta, não à maneira dos que guardavam Fúlvio, que passaram toda a noite bebendo, gritando e fazendo alarido, tanto que o próprio Fúlvio ficou aborrecido, dizendo que eles faziam e diziam coisas inconvenientes e indignas da sua posição. Ao contrário, os de Caio, estavam tristes e acabrunhados, silenciosos, como se aguardassem uma calamidade para a pátria; conversavam a respeito do que estava para suceder, vigiando e dormindo cada qual, por sua vez.

    L. A mulher de Caio exorta-o a não ir à praça pública.

    L. Rompeu o dia; os de Fúlvio despertaram ainda atordoados por causa do vinho, que haviam ingerido durante a noite, armaram-se com os despojos dos gauleses, que estavam pendurados pelas paredes da casa, pois êle os havia derrotado no ano em que fora cônsul, e com grandes gritos e ameaças foram ocupar o monte Aventino; Caio não quis se armar, saiu de casa com uma longa túnica, como se se dirigisse à praça do modo costumeiro, mas tinha uma espada curta escondida por baixo da túnica. Quando êle ia saindo de casa, sua mulher deteve-o à porta e segurando-lhe uma das mãos, tendo na outra um seu filhinho, disse-lhe: "Ai! Caio, não vais hoje como de costume, tribuno do povo, à praça, para falar ao povo, nem para propor novas leis, nem vais a uma guerra honesta, para que se por acaso acontecer o que é comum a todos os homens, pelo menos eu possa usar o luto de tua morte com honra; mas tu vais expor-te aos assassinos que já mataram teu irmão e ainda vais sem armas, disposto a sofrer antes que fazer qualquer outra coisa: tua morte não trará vantagem alguma ao Estado, porque o que é pior, é também o mais forte, visto que os julgamentos se fazem com violência à espada. Se teu irmão tivesse sido morto pelos inimigos diante da cidade de Numância, pelo menos nos teriam dado o seu corpo para sepultá-lo; mas talvez será preciso que eu mesma vá suplicar ao mar ou ao rio que me restituam teu corpo que lá eles lançarão: que confiança poderemos ter nas leis e nos deuses depois que Tibério foi morto".

    LI. Morte de Fúlvio.

    LI. Licínia fazia-lhe estas piedosas considerações, mas Caio soltou-se docemente de seus braços e partiu sem lhe responder, com seus amigos. Ela, agarrando-o pelas vestes, caiu por terra, estendida no chão, onde ficou muda, silenciosa, por muito tempo, até que seus servos a levaram desmaiada ao seu irmão Crasso. Fúlvio, depois que reuniu todos os do seu partido, a conselho de Caio, mandou o mais novo dos seus filhos, que era um lindo jovem, com um caduceu na mão, isto é, uma vara de arauto, que dá salvo-conduto. Este rapaz, apresentando-se humildemente, com lágrimas nos olhos diante do cônsul e do Senado, levou-lhes palavras de reconciliação; muitos dos presentes foram de opinião que se devia atendê-lo. Mas Opí-mio respondeu-lhe que não se devia mandar mensageiros, para, por meio de belas palavras, conquistar o Senado, mas era necessário que eles mesmos viessem em pessoa, apresentar-se como súditos e criminosos, à justiça, pedir perdão e procurar abrandar a ira do Senado. Por fim, proibiu que o moço voltasse para junto dos seus, a não ser com a condição que lhe havia imposto. Caio, ao que dizem, queria ir dar suas razões ao Senado, mas os outros não deixaram que êle fosse; por isso Fúlvio mandou-lhe de novo seu filho repetir-lhe as mesmas propostas anteriores. Mas Opímio, que só queria combater, mandou imediatamente prender o moço e colocou-o sob custódia, marchando incontinenti contra Fúlvio, com um bom número de soldados de infantaria e archeiros candiotas, que, com golpes certeiros, fizeram mais dano e desorganizaram mais os adversários do que qualquer outra coisa, de maneira que em pouco tempo eles se puseram em fuga; Fúlvio escondeu-se numa banheira abandonada, onde pouco depois o encontraram e êle foi morto com o filho mais velho.

    LII. Morte de Caio Graco.

    LII. Caio não combateu, mas atormentado por ver tão sangrenta desordem, retirou-se ao templo de Diana, onde quis suicidar-se; mas seus amigos mais fiéis, Pompônio e Licínio, impediram-no; estes dois, estando então junto dele, tiraram-lhe a espada, e aconselharam-no a fugir. Diz-se que então êle se pôs de joelhos e estendendo as mãos juntas para a imagem da deusa, rogou-lhe para vingança daquela ingratidão e traição do povo, que jamais êle se livrasse da escravidão; o povo, ou a maior parte dele, abertamente voltou-lhe as costas, quando ouviram clamar, a som de trombetas, que seriam perdoados todos os que passassem para o outro partido. Caio, então, fugiu, mas seus inimigos o perseguiram tão de perto, que o alcançaram sobre a pente de madeira, onde dois dos amigos que o acompanhavam detiveram-se para revestir aos perseguidores; disseram-lhe que êle continuasse a fugir, enquanto eles combatiam sobre a ponte, como fizeram, e ninguém conseguiu passar por ela, até que ambos foram mortos. Ninguém quis fugir com Caio, exceto um servo de nome Filócrates; todos o aconselhavam e o exortavam, como se fosse uma competição, em que se animam os concorrentes e os que lutam, mas ninguém pôs mãos à obra para ajudá-lo e socorrê-lo, nem lhe deram um cavalo, embora êle o tivesse pedido, porque viam que os inimigos o perseguiam já de muito perto; êle, porém, adiantou-se tanto que teve tempo de se esconder num pequeno bosque, consagrado às Fúrias, onde seu servo Filócrates matou-o; e matou-se também êle mesmo sobre seu cadáver (35) . Todavia outros escrevem que tanto o amo como o servo foram apanhados ainda vivos, mas que o servo abraçou estreitamente seu senhor, que nenhum dos inimigos o pôde ferir, sem tê-lo matado primeiro, com os vários golpes que lhe desferiram.

    LIII. Seus corpos são lançados ao rio.

    LIII. Um dos assassinos cortou a cabeça de Caio para levá-la ao cônsul; mas um dos amigos de Opímio, que se chamava Setimuleio, tirou-lha, a caminho, porque antes da batalha êle tinha sido avisado a som de trombeta que àquele que trouxesse a cabeça de Caio e a de Fúlvio, ela ser-lhe-ia paga o peso em ouro: por isso Setimuleio levou-a espetada na ponta de sua lança a Opímio e trouxeram uma balança para pesá-la; verificou-se que seu peso era dezessete libras e dois terços, porque Setimuleio, além do pecado de homicida, havia ainda acrescentado este outro crime: tirou-lhe todo o cérebro, substituindo-o por chumbo derretido. Os que trouxeram a cabeça de Fúlvio, eram homens de condição baixa e vil e nada receberam. Os corpos de ambos e dos outros sequazes também, mais cu menos em número de três mil, foram todos atirados ao rio, seus bens confiscados e proibido às suas viúvas usar o luto por sua morte; ainda mais: fizeram Licínia, mulher de Caio, perder o dote que seu esposo lhe deixara: mas procederam ainda mais cruel e desumanamente com o jovem filho de Fúlvio, que não tinha sequer combatido, nem estivera na refrega, mas lá tinha ido apenas para lhes falar, antes do combate, e ficara prisioneiro; mataram-no depois da batalha.

    LIV. Opímio morre convencido de se ter vendido a Jugurta.

    LIV. Todavia, o que agravou e ofendeu o povo, mais do que tudo isso, foi o templo da Concórdia, que Opímio mandou construir, pois parecia que ele se vangloriava, e que, por assim dizer, triunfara, tendo feito morrer tantos cidadãos romanos. Alguém, por isso, escreveu durante a noite por baixo da inscrição do templo, estes versos:

    Um ato furioso e criminoso cometeu o templo da

    [Concórdia.

    Opímio foi o primeiro em Roma, que, sendo cônsul, usurpou o poder absoluto de ditador e que condenou sem processo três mil cidadãos romanos, além de Fúlvio Flaco, cônsul, também, e que tivera as honras do triunfo, e Caio Graco, jovem que sobrepujou em virtude e fama a todos os de seu tempo; no entretanto Opímio foi também concussionário e ladrão, pois tendo sido mandado em embaixada a Jugurta, rei da Numídia (36), deixou-se subornar pelo dinheiro; tendo sido citado em juízo por isso, foi reconhecida a sua culpabilidade e ignominiosamente condenado; e assim terminou seus dias com essa nota de infâmia, odiado, injuriado e vilipendiado por todos; em face da derrota portou-se êle covardemente para com aqueles que combatiam em seu favor.

    LV. Honras prestadas pelo povo à memória dos Gracos.

    LV. Mas, logo depois, deu a conhecer quanto ele lastimava os dois irmãos Gracos, porque lhes mandou erigir estátuas e quis que fossem colocadas em lugar público e honroso, consagrando os lugares onde eles tinham sido mortos; muitas pessoas ofereciam-lhes as primícias das flores e dos frutos, nas estações próprias e iam fazer-lhes suas preces, de joelhos, como no templo dos deuses. Sua mãe Cornélia, como está escrito, sofreu com firmeza e magnanimidade este duro golpe: quanto às capelas que se construiram e se consagraram, nos lugares onde eles tinham sido mortos, ela diz somente que eles tiveram as sepulturas que haviam merecido: depois, ela permaneceu quase sempre no monte Misene, sem modificar sua maneira de viver, pois tinha muitos amigos; e como era senhora distinta, que estimava e tratava bem os estranhos, mantinha sempre boa mesa, havia sempre em sua casa muitas pessoas, gregos e literatos, e muitos reis recebiam presentes dela e lhos mandavam também. Os que iam visitá-la sentiam grande prazer, entretendo-se com ela em amistosa palestra, ouvindo-a contar fatos da vida de seu pai Cipião, o Africano; mas admiravam-se ainda mais, ouvindo-a narrar a morte de seus filhos, sem molhar seus olhos de lágrimas e sem se lastimar, nem se mostrar revoltada, como se estivesse contando alguma história antiga, tanto que alguns escreveram que a velhice, ou mesmo a magnitude da desgraça, haviam-lhe perturbado a razão e eliminado o sentimento da dor; mas, esses mesmos mostravam-se insensatos, em dizer tais coisas, não compreendendo como a origem ilustre e a boa formação servem para fazer os homens suportar com firmeza qualquer dor e muitas vezes a fortuna é bem mais forte que a virtude, a qual quer observar todos os pontos do dever; todavia, não lhe pode tirar a constância em suportar, quando é o caso, pacientemente, a adversidade.

    Notas

    1. 1) Nos anos 577 e 591 de Roma.
    2. (2) Outros lêem neste lugar Deificas, isto é, mesas de prata, obras de Delfos, — Amyot. Da mesma forma que a tripeça de Delfos.
    3. (3) Cento e vinte e cinco escudos. — Amyot. !)72 1., 10 soldos franceses.
    4. (4) No ano 611 de Roma.
    5. (5) Tibério tinha então apenas vinte anos.
    6. (6) Nos anos 607 e 608 de Roma. Èle tinha dezesseis anos.
    7. (7) Vários anos depois. O assunto de que se trata e o consulado de Mancino são do ano 617 de Roma. Tibério tinha então vinte e seis anos.
    8. (8) Acrescente-se: e a fêz observar religiosamente.
    9. (9) No ano 618 de Roma. Foi Mancino mesmo que propôs a lei; mas os numantinos o devolveram.
    10. (10) Nos anos 620 e 621 de Roma.
    11. 1) No ano 621 de Roma.
    12. (12) Antípater.
    13. (13) No ano 621 de Roma.
    14. (14) Mais ou menos cinco soldos e meio. — Amyot. 1 lib., 3 s. e 4 d. 1/8 de moeda francesa, pois o óbolo valia 2 s. 7 d. 1/8 de moeda francesa, o que dá para a dracma, que vale seis óbolos, segundo Plínio, 15 s. 6 d. 3/4 segundo o cálculo que fizemos: e 3 d. 9/80 para o chalco, dez dos quais faziam um óbolo, segundo o mesmo Plínio.
    15. (15) Que havia subido ao trono no ano 616 de Roma.
    16. (16) Do partido, não está no texto grego, e nada significa.
    17. (17) Ou melhor, Fúlvio, que foi cônsul oito anos depois, no ano 629 de Roma, uniu-se a Caio Graco e foi morto com êle no ano 633 de Roma.
    18. (18) Os portugueses, como procônsul, no ano 618 de Roma.
    19. (19) Leia-se: o Senado temendo por êle. C.
    20. (20) Odisséia 1. I, v. 47. C.
    21. (21) Acrescente-se: Mas eu narrarei isto mais detalhadamente na Vida de Cipião. C.
    22. (22) Êle foi morto no fim do ano 621 de Roma; havia nascido no fim do ano 591 ou no começo do ano 592 de Roma e Caio no ano 600.
    23. (23) No ano 628 de Roma.
    24. (24) No ano 631 de Roma.
    25. (25) Dois anos, somente, segundo Aulo-Oelo.
    26. (26) Acrescente-se: por ter procurado ajudar os aliados e ter estado, etc. C.
    27. (27) Cidade do Lácio, que Opimio, então pretor, tomou e destruiu.
    28. (28) No ano 632 de Roma
    29. (29) Isto não está no texto grego. A légua tem 24 estádios.
    30. (30) Êle foi cônsul no ano 632 de Roma. Veja as Observações.
    31. (31) O padre Pétau coloca, portanto, mal, o repovoamento de Cartago e sua restauração, no ano G31 de Roma; aqui êle vem a cair no ano 632.
    32. (32) No ano 625 de Roma.
    33. (33) Deve-se ler: Lúcio Opimio, como se dirá em seguida, no cap. XLVII. C.
    34. (34) No ano 633 de Roma.
    35. (35) No ano 633 de Roma.
    36. (36) Alguns anos depois. Veja Salústio, cap. XVI.

    Fonte: Edameris. Plutarco, Vidas dos Homens Ilustres, volume VII. Tradução brasileira de Carlos Chaves com base na versão francesa de de 1616 de Amyot com notas de Brotier, Vauvilliers e Clavier.

     

     

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