Os Jesuítas tinham por vice-provincial a Manuel da Nóbrega, um dos padres mais instruídos da Companhia, descendente de família ilustre, que, desgostoso das honras e pompas da sociedade, passara aos desertos da América e buscava a solidão das feras e dos rudes selvagens. Pouco depois figuraram outros, e todos êles dignos discípulos de Santo Inácio.
Como Apóstolos do Novo Mundo, abandonaram êles a comodidade de seus conventos e vieram experimentar as privações amargas, sem excetuar o próprio martírio!. . . Que luta renhida, prolongada e sempre gloriosa com os primeiros colonos, para manterem ilesa a liberdade dos filhos das florestas! Que de obstáculos para chamarem nações inteiras ao grêmio do Cristianismo! E que trabalhos para implantarem a civilização no Novo Mundo, fundando pobres aldeias, qüe são hoje florescentes cidades.
Antes dos Jesuítas, intentaram os Religiosos Franciscanos a conversão dos indígenas; mas seu trabalho foi empregado com mais constância do que feliz sucesso. Os Jesuítas não tiveram somente que lutar com os indígenas, mas ainda com os próprios cristãos, que vivendo em contacto com aquêles, não só não lhes transmitiram seus costumes, usos e crenças, como até adotaram os desvarios de sua existência errante; não só não estigmatizaram a antropofagia, como que animavam as suas guerras, acendendo ódios e soprando discórdias entre as tribos, com o fito de lhes comprarem os prisioneiros. Em vão o papa Paulo III declarou por uma bula, que, havendo os índios nascidos para a fé, como verdadeiros homens, e, não estando privados, nem devendo sê-lo, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, não deviam ser reduzidos à escravidão. Que importava, porém, que o sino bradasse do alto da tôrre, e majestosos sons, rolando no espaço com seu convocar de paz, chamassem ao grêmio do Cristianismo as almas nodoadas do pecado? Que importava que a voz do Evangelho soasse eloqüentemente com o acento da verdade e da inspiração, se a irreligiosidade se levantava como um gigante, alardeando suas fôrças?!
Sublime, contudo, foi a missão dos Jesuitas pela mesma dificuldade de seu triunfo; mais preclara a sua vitória, nascida de
seus renhidos e reiterados combates. A cruz selada com o sangue do Divino Mártir era o seu lábaro; a voz eloqüente do Evangelho eram as suas armas, e a roupeta, sobreposta muitas vêzes aos cilícios que lhes maceravam as carnes, era o seu uniforme. Compreendiam e faziam-se compreender dos indígenas [1]), por isso que estudavam a linguagem do Brasil, que chamavam grego, admirando-o por sua delicadeza, cópia e doçura, por suave e elegante, e ensinaram-os a ler. Desde então as florestas retumbaram com a prédica do Evangelho, narrando estrondosos e maravilhosos sucessos da religião, e os Brasis, acostumados a ouvirem em sua língua só cantos de guerra e de vingança ou as endechas do amor, entusiasmaram-se com as hosanas e hinos, que nela entoavam tão eloqüentemente os novos apóstolos ao Deus da Eternidade, e seus joelhos se dobravam reverentes, e o Senhor ouviu as suas orações.
Fundaram numerosos colégios, cujos edifícios ainda hoie atestam os seus esforços e constância, atentas as dificuldades da época; chamaram para êles os moços que mostravam aptidão para o estudo, e principalmente os cme mais queda tinham Padre José de Anclúeta para a língua geral: por
tôda- a parte levantavam igrejas; e, como verdadeiros obreiros da vinha do Senhor, as fabricavam por suas próprias mãos; por tôda a parte ofereceram exemplos da maior abnegação das grandezas do mundo não buscando mais do que preencher a sua missão de paz e regeneração; derramaram a água do batismo por cima de milhares de cabeças, e, superando as mais árduas dificuldades com a perseverança dos mártires, deram-se por bem pagos com a conversão dos índios à fé, com iniciá-los no conhecimento de Deus, com conduzí-los à prática das virtudes. Bem alto falaram por êles os exemplos do desprêzo dos bens terrestres, os atos de caridade praticados à cabeceira dos moribundos, consolando-os com palavras cheias de unção, prometendo-lhes nova existência, anunciando-lhes dias de eterna salvação.
Com êles foi a luz do Evangelho mais poderosa que a do astro majestoso que se ostenta nos trópicos fulgores: raspou o véu das ínvias florestas, escurecidas pelas sombras dos séculos, ensopados do sangue ainda quente a fumante dos festins de antropofagia; penetrou nas cavernosas brechas cheias de supersticiosas recordações, em que ainda ecoavam os sons surdos, roufenhos confusos dos maracás de seus adivinhos; desceu ao som da música suave, celeste, divina da harpa e do anafil, do pandeiro e da flauta pelas torrentes caudalosas de seus rios, e atraiu às suas margens as hordas devastadoras, realizando no Novo Mundo o que a fábula fantasiara no velho hemisfério, mais bela em sua harmonia do que a voz dos membis *) de seus bardos, mais poderosa que os sons do boré [2]) de seus guerreiros, e mais misteriosa que o sussurro do maracá [3]) de seus pagés [4]).
Reinavam em suas aldeias dias de paz, as festas da alegria, a satisfação do bem-estar e bonança da idade de ouro.
Levavam pelos desertos os índios convertidos, para que atraíssem os que viviam na rudeza da ignorância. Por meio de presentes e mimos de pouco valor, mas que, para os índios eram de aprê- ço, os acariciavam, principiando por ganhar a amizade de seus chefes. Formavam depois aldeias, que deixavam sob a guarda e vigilância de missionários, que os preparassem para a vida civil e religiosa, impedindo-lhe a comunicação com os colonos para que evitassem os excessos e vícios de que estava afetada a sociedade.
Se a guerra se ateava entre os colonos e os índios, eram os padres os primeiros que se apresentavam, e poupavam a efusão de sangue, já adoçando a ferocidade dos conquistadores, com as máximas de paz de Jesus Cristo, já aplacando a vingança dos índios prejudicados em sua liberdade e independência. Daí êsse predomínio que adquiriram sôbre tôdas as tribos, para lhes imporem essa tremenda política que os contemporâneos condenaram, mas que a experiência confirmou como a mais apta para sua civilização.
A reação foi terrível; a soma dos interesses prejudicados pela missão dos novos apóstolos levantou-se contra êles, e a luta renhida, dura, atrevida, começou entre os jesuítas e os colonos, entre a liberdade dos índios, propagada por êles, e, o seu cativeiro, advogado e exercido por êstes. Em vão os breves apostólicos fizeram conhecer às consciências as mal fundadas bases em que se estribavam; em vão as cartas régias, os alvarás com fôrça de lei das côrtes de Lisboa e Madri procuravam proteger a liberdade dos miseráveis índios.
[1] membis — gaita que faziam os índios do fêmur do inimigo.
[2] boré — espécie de trombetausada pelos aborrígenes.
[3] maracá — cabaça sêca, limpa por dentro, cheia de pedras ou frutos, que os indígenas agitam nas festas e na guerra.
[4] pagé — curandeiro e sacerdote entre os índios.
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
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