Padre José de Anchieta – Viriato Corrêa

Anchieta

padre anchietaQuando
Anchieta estava à bei­ra da praia, a maré, para não lhe molhar os pés, deixava
de encher.

(Da  lenda popular)

Na imensa brancura da praia a mancha negra do vulto de Anchieta.

Em
Iperoígue, ao cair da tarde. O mar rasgado não tem fim. É um dia de céu azul,
de nuvens rendadas pelo céu, de brisas doces e de gaivotas bran­cas. A praia,
como uma toalha estendida ao sol, é tão alva e tão alva, que a gente pensa ter
sido com espuma do mar que Deus formou a areia.

A
maré vazou há tanto tempo que já deve ser hora de começar a encher.

Nem uma ubá(1>
cabocla baloiça nas ondas. Nem uma buzina tamoia soa nos ares. Nada. Tudo
tranqüilo como se a natureza estivesse aproveitando aquela tranqüilidade para
dormir.

(1)   
 U—  canoa de índios


Somente lá em cima, no
arvoredo, como que a embalar o sono da natureza — a cantiga das cigarras.

Na areia
úmida Anchieta vai vagarosamente escre­vendo com o bastão.

Ao pisar
naquela terra viera-lhe à cabeça a idéia de compor um poema dedicado à Virgem
Maria. E eram os primeiros versos desse poema que agora escrevia na areia.

Já fazia
muitas semanas que ele estava ali em Ipe-roígue, no meio dos índios selvagens.
Viera de São Vicente acompanhando o padre Manuel da Nóbrega. Tinham vin­do
pedir paz aos índios,. tinham vindo pedir aos chefes tamoios que desistissem da
guerra que eles de novo pre­paravam contra os portugueses.

Se havia
no mundo guerra justa havia de ser aquela dos selvagens contra os civilizados. Era
a indignação do povo livre contra o povo que o queria escravizar. Os por­tugueses
todos os dias arrasavam aldeias para reduzir os indígenas ao cativeiro. A
explosão de revolta tinha que dar-se e deu-se com o ataque de Piratininga.

Era
em Piratininga que viviam os mais ferozes escra-vizadores dos filhos da selva.
E um dia, quando ninguém espera, a vila é atacada brutalmente.

Não
é apenas uma aldeia ou uma tribo a atacá-la, é todo o povo caboclo que sofre a
destruição dos escraviza-dores: os tamoios, os guaianás, os tupiniquins, os
carijós.

O choque é
tremendo. Afinal, ajudada por Tibiriçá, a vila consegue vencer os atacantes.

Mas
a derrota, em vez de desanimar os indígenas, os irritou ainda mais.  Das matas
de Piratininga às praias do Rio de Janeiro, ouviu-se a voz da inúbia guerreira
convi­dando todas as tribos caboclas para a vingança.

Aimberé,
Grão-Palmeira, Cunhambebe, Coaquira, Pa-ranaguaçu, enfim todos os grandes
caciques das selvas, for­maram os seus exércitos. Muito, muito mais de cem mil
homens já estavam preparados para atacar os portugueses. Seria o arrasamento. Em S. Vicente, em Piratininga, em toda parte onde houvesse sombra de europeu, não ficaria pedra
sobre pedra.

Não seria
apenas o arrasamento de uma, de duas, ou mais vilãs, seria a extinção do
domínio português no Brasil.

Era
preciso pedir paz aos índios. Pedir, como, se deles ninguém podia ao menos
aproximar-se?!

Havia
alguém que tivesse coragem de ir falar em paz a algum dos chefes? Havia. Havia
Nóbrega, o superior dos jesuítas. Iria a Iperoígue entender-se com Grão-Pal­meira
e Coaquira, os dois caciques mais velhos e mais cordatos.

E foi a
ele, Anchieta, que o superior dos jesuítas esco­lhera para o acompanhar a Iperoígue.

Tinham
sido tremendos os primeiros dias que os dois passaram entre os selvagens. A
vida de ambos andou por um triz nas mãos daquela gente.

Mas
Nóbrega, com a sua bondade, estava pouco a pouco acalmando os ódios. Havia duas
semanas que anda­va nas aldeias distantes convencendo os chefes indígenas de
que deviam desistir da guerra.

Ele,
Anchieta, ficara ali em Iperoígue, acalmando tam­bém a raiva dos caciques.

 


As
horas eram-lhe amargas. Todos os dias os índios lhe faziam ameaças de morte.

Felizmente
Deus lhe dava a inspiração do poema dedi­cado à Virgem Maria. Felizmente,
porque a febre daquela inspiração punha a sua alma inteiramente esquecida do
mundo.

*

Naquela
tarde tranqüila, de céu azul, de gaivotas brancas, Anchieta começava a escrever
o poema. Como não houvesse papel, escrevia na areia e guardava os versos

na memória,

As estrofes
surgiam-lhe inteiras, cantantes, musicais, iluminadas. Transfigurado, ele ia
escrevendo, escrevendo. E5 à proporção que escrevia, pouco a pouco,
sem dar por isso, aproximava-se cada vez mais do mar.

Versos,
versos, dezenas, centenas de versos lhe bro­tavam na cabeça.

A
tarde desmanchava-se em ouro. O mar dourava-se à luz da tarde.

Soprava
agora um vento mais vivo. As vagas não eram mais o veludo macio de horas antes;
agora cresciam cres­pas, nervosas, avolumadas. Sentia-se que era a maré que
estava enchendo. Em breve o alvíssimo lençol da praia desapareceria coberto
pelas águas verdes.

Mas o que
então se passa é um acontecimento prodi­gioso, tão prodigioso que, lá em cima,
na ribanceira, onde se erguem as ocas tamoias, os índios ficam
boquiabertos.

 

E que é que se passa? Isto.

Umas atrás
das outras, as ondas da maré que enche, vêm rolando e correndo para a praia.
Mas Anchieta está à beira d’água absorto, escrevendo. E, ao vê-lo, as ondas
param, como se não quisessem perturbá-lo.

Outras vagas, em seguida, vêm chegando e, ao ver as
companheiras paradas, param também.  O vento começa a soprar fortemente.  
Ondas, ondas às dezenas, às centenas, aos milhares, vêm correndo.  E todas
param ali, umas ca­valgando as outras, fervendo, espumando, na inquietação de
avançar e de espraiar-se.   E vai crescendo o volume líquido e vai-se formando a
montanha d’água. O mar inteiro ruge como enjaulado. Lá em cima, na ribanceira,
os índios, surpreendidos por aquele acontecimento nunca visto, gritam alarmados
para Anchieta:

— Sai, abaré("), sai!

Ele não ouve, A sua alma está
fora da terra, no mundo luminoso da inspiração.

Mais e mais ondas, sempre mais
grossas, mais altas. E a montanha d’água a crescer, a subir, a ferver, a
espumar.

— Sai, abaré, sai!

"Uma
pedra, atirada da ribanceira, cai-lhe junto aos pés. Anchieta desperta. A
muralha líquida que lhe ruge à fren­te, mete-lhe medo.

Corre, afasta-se, sobe a ladeira da aldeia.

 


E
quando ele chega lá em cima todo aquele colosso de ondas desaba
estrepitosamente. Num segundo, a toalha infinita da praia fica coberta de água
verde e de espumas brancas.

A natureza de novo se tranqüiliza.

O sol derrama no poente uma chuva de
ouro.

Todas as nuvens do céu estão douradas.

Estão douradas as próprias gaivotas
brancas.

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