Continued from: Plutarco escreve sobre CATÃO DE ÚTICA

XLIII.Na ocasião Pompeu, estando em discussão contra Lúculo, com referência a certas ordens que haviam dado no reino de Ponto, porque um e outro queriam que as suas vontades prevalecessem, Catão favoreceu Lúculo, ao qual notoriamente causavam dano; por esta razão Pompeu, vendo que tinha o pior partido no Senado, recorreu ao povo e propôs um edital para fazer repartir as terras entre os guerreiros; porém, Catão, opondo-se ainda a isto, fêz rejeitar seu edital, que foi a causa pela qual Pompeu, por despeito, passasse então a conviver com Públio Cláudio, o mais sedicioso e o mais audacioso de todos os que se intrometiam falando ao povo; aliou-se também, ao mesmo tempo, a César, dando-lhe oportunidades, porque este, voltando de sua pretoria na Espanha solicitou as honras do triunfo e queria também, ao mesmo tempo, disputar e pretender o consulado, mas havia uma disposição em contrário, pois era preciso que os que aspiravam algum cargo, fossem pessoalmente à cidade e os que desejavam fazer entrada triunfal esperassem fora; pelo que requereu ao Senado que lhe fosse consentido solicitar o consulado por meio de intermediários, no que a maioria concordou; porém, Catão contradisse, e vendo que os outros senadores se inclinavam a favorecer a sua sentença, consumiu o dia todo em discursos e impediu por esse meio a que o Senado chegasse a uma conclusão. César, deixando a pretensão do triunfo, pôs-se a pleitear o consulado e a amizade de Pompeu. Foi eleito cônsul e logo depois deu sua filha Júlia em casamento a Pompeu, tendo feito entre eles como que uma conspiração contra a república; um encaminhava projetos pelos quais pretendia fazer distribuir terras aos pobres e o outro defendia-os; por outro lado, Lúculo e Cícero, aliando-se ao outro cônsul, que era Bíbulo (31) faziam tudo o que podiam contra; mas, principalmente Catão, o qual firmemente suspeitando desta aliança de César e Pompeu, que não teria sido feita com nenhuma boa intenção, dizia não recear tanto esta distribuição de terras, mas temia a recompensa que solicitariam aqueles que por tais meios iam atraindo e lisongean-do a plebe. Todo o Senado acompanhou sua opinião e várias outras pessoas de bem que não eram senadores, colocaram-se também de seu lado, espantan-do-se e enfurecendo-se grandemente por esta impertinência de César, o qual, como a autoridade consular, ia propondo as mesmas coisas de que se fartavam em propor os mais sediciosos e os mais insolentes tribunos do povo, para ganhar a graça da plebe e ia assim vil é covardemente conquistando o favor do povo.

(31) No ano de Roma 695.

XLIV.César e seus aderentes, receando tão grandes adversários, começaram a usar a força; primeiramente foi jogado sobre a cabeça de Bíbulo, quando ia para a praça, um cesto cheio de excrementos e lixo e partiram à força as varas que os sargentos levavam à sua frente, até que finalmente golpes de dardo, voando de todos os lados contra eles, diversos ficando feridos, todos os outros abandonaram a praça, fugindo em grande confusão, porém, Catão retirou-se por último, caminhando com seu passinho comum e ainda virando muitas vezes a cabeça e amaldiçoando tais cidadãos. Os outros fizeram não somente passar seu projeto pelos sufrágios, referente à distribuição de terras aos pobres, mas ainda mais, fizeram ajuntar que todo o Senado seria obrigado a jurar que ratificaria o conteúdo do edital e agüentariam a mão se houvesse alguém que atentasse contra, sob grandes penas a quem recusasse prestar esse juramento. Todos os outros senadores juraram à força, lembrando-se do que outrora havia acontecido em caso igual ao velho Metelo, o qual foi banido da Itália por não ter querido jurar e apoiar um edital semelhante; nessa ocasião as mulheres, em lágrimas, suplicaram em particular a Catão que se dobrasse um pouco e jurasse; também o mesmo fizeram seus familiares e amigos; mas aquele que mais o persuadia e levava a jurar, era o orador Cícero, que lhe demonstrou não ser razoável desobedecer sozinho ao que parecia bem e justo aos outros, e que seria totalmente insensato precipitar-se a si mesmo em evidente perigo, procurando impedir uma coisa que já estava feita; ainda mais, que o maior mal, no caso, seria abandonar e deixar a república presa (para o bem da qual fazia todas as coisas), a esses que esperavam e empregavam todos os meios para arruiná-la, como se fosse muito fácil defendê-la no futuro: — "Pois bem, dizia êle, se Catão não precisa de Roma, e certamente Roma precisa de Catão e também dele necessitam todos os seus amigos"; dos quais êle mesmo dizia ser o primeiro, o que levava abertamente Públio Cláudio, por meio de seu cargo como tribuno a levantar emboscadas para expulsá-lo para fora do país. Dizem que esses pedidos e admoestações feitos a Catão em particular dentro de sua casa e, em público na praça, amoleceram-no um pouco e fizeram-no afinal vir jurar o último de todos, excetuando Faômo, que era um de seus íntimos amigos.

(32) Grego: "a Campanha"; e é o que denominam hoje a Terra do Labor no reino de Nápoles.

XLV.César, encorajado por haver conduzido ao fim esta sua primeira empreitada, levou à frente ainda um outro edital, pelo qual dividia quase todos os campos (32), e todo o país a que chamam a Terra do Labor, aos cidadãos pobres e necessitados de Roma. A este edital ninguém se opôs, a não ser Catão; e César o fêz prender pelos seus sargentos dentro mesmo da tribuna para levá-lo à prisão, mas nem por isto êle se dobrou, nem abandonou a franqueza de seu linguajar e, caminhando, continuou sempre a discorrer contra o edital, concitando o povo a rejeitar aqueles que levavam tais coisas à frente. Todo o Senado foi a seu favor, e a maior parte sã do povo também, mostrando bastante por seu silêncio triste, que estavam em si mesmos desgostosos e enraivecidos da injúria que faziam a um tal personagem; de tal modo que, mesmo César, percebeu muito bem que o povo estava descontente; todavia, obstinou-se, esperando sempre que Catão por si mesmo chamasse e apelasse ao povo; mas quando compreendeu evidentemente que êle não o faria, afinal vencido pela vergonha e desonra que isso lhe causava, admitiu e encarregou êle mesmo um dos tribunos do povo a que fosse libertar Catão. Finalmente, o resultado de todo esse procedimento de César foi que depois de haver ganho o povo por meio de tais editais e tais generosidades, deram-lhe o governo de todas as Gálias, tanto daquém como dalém montes e de toda a Esclavônia (33), com um exército de quatro legiões e, pelo espaço de cinco anos, conquanto Catão predissesse e denunciasse bastante ao povo, que êle mesmo, com suas próprias vozes, alojava o tirano dentro da fortaleza, o qual lhe calcaria um dia o pé sobre a garganta. Fizeram também eleger um tribuno do povo, Públio Cláudio, se bem que fosse de casa nobre, o que era expressamente proibido pelas leis; mas esse Cláudio lhes havia prometido dizer e fazer ludo o que quisessem, contanto que em recompensa 0 ajudassem a expulsar Cícero para fora da cidade de Roma; e fizeram também designar cônsules para o ano seguinte (34), Calpúrnio Piso, pai da mulher de César e Gabínio Paulo, homem nada afeito à devoção e segundo o coração de Pompeu, como escrevem aqueles que conhecem sua vida e seus costumes.

(33) Grego: "a Iliria".

XLVI. Mas se bem que mantivessem a república tão embaraçada e tivessem reduzido a seu poder uma parte da cidade por amor e a outra por receio, no entanto temiam sempre a Catão, considerando que se o haviam superado, isto tinha sido com grande dificuldade e muito trabalho, para sua vergonha, tendo sido constrangidos a empregar a força, e sem esperar jamais poder chegar ao fim. Ainda mais, Cláudio não esperava poder expulsar nem arruinar Cícero, enquanto Catão estivesse presente, e urdindo os meios para poder fazê-lo logo que fosse instalado em seu cargo, mandou chamar Catão e começou a dizer-lhe que o considerava o maior homem de bem e o mais completo que vivia dentro de Roma o que estava pronto a provar isto com efeito, pois quando diversos outros insistiam, desejando fazer parte da comissão para ir a Chipre contra o rei Ptolomeu, êle opinava que não havia outro que merecesse esta honra senão o próprio Catão e pela afeição que lhe dedicava, lhe daria voluntariamente esse prazer. Catão pôs-se incontinenti a gritar que isto era uma emboscada e uma injúria, nunca um prazer; Cláudio então lhe replicou altivo e soberbamente: — "Pois bem, já que não queres ir por bem, eu te farei ir à força". E o fêz, pois na primeira assembleia da cidade, conseguiu que lhe dessem a comissão; mas não lhe concedeu navios, nem guerreiros, nem servos, senão dois secretários apenas, dos quais um era ladrão e homem muito mau e o outro uma criatura de Cláudio; e ainda, como se fosse pouco o que teria de fazer em Chipre contra Ptolomeu, ordenou-lhe também ir depois recolocar os banidos da cidade de Bizâncio em seu país e na posse de seus bens, a fim de mantê-lo mais tempo fora de Roma, enquanto estivesse em seu cargo; vendo-se assim afastado, necessariamente, aconselhou a Cícero, o qual já estava sendo perseguido por Cláudio, a que não entrasse em desentendimento com êle e nao atirasse a cidade de Roma na guerra civil e na carnificina por sua causa, mas que antes se ausentasse por um certo tempo a fim de que pudesse outra vez preservar seu país.

(84) No ano de Roma 6ST6; A. C. 58.

XLVII. Isto feito, enviou um amigo seu, Canídio, a Chipre, à presença de Ptolomeu, para persuadi-lo a que desistisse de tomar armas e que, assim fazendo, não sofreria dano nem de honra, nem de bens, porque o povo romano lhe delegaria a prelatura de Venus na cidade de Pafos. Enquanto isso, ficou na ilha de Rodes a fazer seus preparativos, esperando a resposta. Mas, nesse ínterim, Ptolomeu (35), rei do Egito, devido algum ressentimento ou diferença que tivesse com seus súditos, tendo partido de Alexandria para ir a Roma na esperança de que César e Pompeu o recolocariam logo, com uma poderosa armada em seu reino, quis, passando, falar com Catão; mandou a sua presença, esperando que tão logo tomasse conhecimento de sua chegada, viesse visitá-lo. Catão estava então às voltas com seus negócios e respondeu ao mensageiro que Ptolomeu viesse à sua presença, se quisesse. Êle o fêz, porém Catão não foi ao seu encontro, nem se levantou a sua frente, mas saudando-o apenas, do mesmo modo que teria feito com o primeiro a chegar, disse-lhe que se sentasse. Isto primeiramente espantou o rei por ver sob uma equipagem tão simples e tão pequena, uma tal gravidade e tão grande altivez na maneira de agir. Quando, porém, tendo entrado um pouco no assunto de seus negócios e ouvido sua palavra cheia de bom senso e de são julgamento, pela qual se estendeu francamente, demonstrando-lhe o erro que cometia, ao abandonar tão grande opulência e felicidade real para ir se submeter a tanta indignidade, a tanto trabalho e a tanta corrupção, e presenteando para satisfazer a avareza daqueles que tinham crédito e autoridade dentro de Roma, a qual era tão insaciável, que o reino do Egito, se bem que inteiramente coberto de dinheiro, não bastaria; assim, aconselhou-o a voltar imediatamente e procurar os meios de se reconciliar e despachar com seus súditos, dizendo-lhe ainda mais, que estava contente de ir com êle para o ajudar a fazer as pazes com os seus. Ptolomeu então, voltando como de uma alienação mental ao seu bom senso, considerando a verdade em si e a profunda sabedoria desse homem, ficou entre dois fogos, sem saber de quem seguir conselho; e teria feito conforme o parecer de Catão, se sua gente o não tivesse desviado; mas quando chegou a Roma e precisou se humilhar às portas desses que tinham autoridade e que ocupavam a magistratura, suspirou e lastimou bastante a loucura que havia cometido, como se não tivesse desprezado o conselho de um homem sábio, mas antes o oráculo de um deus.

(35) Auletes, denominada também Nothus.

XLVIII.Enquanto isso, o outro Ptolomeu, que estava em Chipre, de boa sorte para Catão, suicidou-se com veneno; e por terem dito que havia deixado grande soma em moedas, Catão deliberou ir pessoalmente a Bizâncio e enviou a Chipre seu sobrinho Bruto, porque não confiava muito em Canídio. E após haver reposto os banidos de Bizâncio em boas relações com os outros cidadãos e pacificado todas as diferenças que haviam em comum, então voltou a Chipre, onde encontrou uma grande c real riqueza de móveis preciosos, como baixelas de ouro e de prata, mesas, pedrarias, tapeçarias e panos de púrpura, que êle precisou vender totalmente, para fazer dinheiro; quis usar de cuidado extremo e diligência, esforçando-se por alcançar até o mais alto preço, e assistir a tudo, para anotar até a última moeda; para fazer isso, não confiava nos usos e costumes do leilão; pois tinha todos os ministros que se davam por suspeitos, como os pregoeiros, como os lançadores de leilão, até aos seus próprios amigos; portanto, êle mesmo falava à parte com os compra dores que faziam oferta, elevando os preços, de sorte que a maioria das coisas que estavam à venda, foram assim aumentadas.

XLIX.Isto contrariou seus amigos, quando perceberam que desconfiava deles, mesmo Munácio que era o seu mais íntimo, o qual sentiu tão grande despeito, que nunca mais o procurou abrandar, de maneira que no livro que César escreveu depois contra êle, foi nesta parte de sua acusação que insistiu mais demorada e mais amargamente. Todavia, Munácio mesmo escreve, que esse ódio não lhe veio por causa de qualquer desconfiança de Catão, mas pelo pouco caso com que o tratava e por um pouco de inveja que teve de Canídio; pois escreveu um livro sôbre os feitos e ditos de Catão, que Traseas (36) aproveitou em sua história mais do que nenhum outro, e nesse livro escreve que chegou em último lugar a Chipre, onde lhe entregaram uma casa tão ruim, que os outros não a quiseram; e o que é mais, quando procurou entrar na casa de Catão, recusaram-lhe a entrada porque estava impedido, ocupado a entregar qualquer coisa a Canídio; pelo que, tendo se queixado moderadamente, ainda lhe deram uma resposta não muito moderada, a saber: — "Que o muito amar muitas vezes é causa de fazer odiar, assim como escreve Teofrasto: como agora, porque me amas estremecidamente e te parece que não faço conta de ti como mereces, te encolerizas; e eu declaro-te que emprego Canídio mais voluntariamente do que os outros, porque o conheço como homem de bom espírito, fiel e experimentado, tendo vindo desde o início, ao que pude ver, sempre com as mãos limpas".

(86) Ver as Observações.

L. Catão havia primeiramente dito essas palavras a Munácio a sós, mas depois soube que as havia também referido a Canídio, ocasião em que não foi mais cear, como estava habituado, em casa de Catão; e sendo chamado a conselho, não quis aparecer, tanto que Catão ameaçou-o de que faria apreender seus móveis e sua bagagem, como se faz aos que são desobedientes à justiça; mas Munácio por isto não se preocupou e se fez ao mar, voltando a Roma, onde conservou durante muito tempo sua cólera, até que Márcia, a qual estava ainda com Catão, falasse com êle, e tendo sido ambos convidados para jantar em casa de um amigo comum chamado Barca, Catão chegou quando todos os outros já estavam à mesa e perguntou onde se sentaria. Barca respondeu-lhe que ie pusesse onde lhe agradasse; êle depois de haver olhado para todos, disse: — "Quero me pôr aqui pinto de Munácio", e fez uma volta para ir sentar-se ali, sem todavia dar-lhe qualquer atenção durante lodo o jantar. Depois, a instâncias de Márcia, que lhe pediu, Catão escreveu-lhe que desejava falar com êle e Munácio foi procurá-lo cedo, quando Márcia o reteve até que todos os outros, que haviam vindo lambem saudar Catão, tivessem partido; e então Catão abraçou-o, fazendo-lhe todas as gentilezas possíveis. Quisemos narrar isto um pouco por extenso, estimando que essas coisinhas feitas em particular dão bem mais a conhecer os costumes e o natural dos homens, do que as grandes e feitas publicamente diante de todo o mundo.

LI.De resto Catão, naquela sua incumbência, juntou aproximadamente a soma de sete mil talentos (37) e, receando a longa viagem que devia fazer por mar, mandou fabricar diversos cofres, podendo conter cada um, aproximadamente doze mil e cinqüenta escudos (38) e, amarrando a cada um deles uma corda comprida, na ponta da qual havia um grande pedaço de cortiça, a fim de que se por acaso 0 navio viesse a naufragar, essas cortiças mostrassem 0 lugar onde estaria o dinheiro no fundo do mar; assim, foi todo este dinheiro, exceto pequena parte, conduzido a salvo até dentro de Roma. Mas, tendo redigido por escrito em dois livros tudo o que havia feito nesse cargo, não pôde salvar nem um, nem outro: pois um de seus escravos libertos chamado Filárgiro trazia um, o qual tendo embarcado no porto de Cencres (39) afogou-se, e o livro que levava perdeu-se com ele, e o outro, ele mesmo o havia guardado até Corfu (40), onde se alojou na praça da cidade, aí tendo feito estender suas tendas; mas os marinheiros, sentindo frio à noite, fizeram um fogo tão grande que pegou nas tendas e queimou esse livro entre outras coisas. Catão levara consigo os servidores do falecido rei Ptolomeu, os quais eram encarregados da conservação de seus móveis e da administração de suas finanças, os quais trouxe’para fechar a boca aos invejosos e maldosos que quisessem caluniá-lo por qualquer coisa; todavia, não deixou de lhe fazer mal, o fato de não ter feito cuidadosamente esse relato verbal de toda a sua administração para provar sua honestidade e dar a conhecer sua lealdade, mas para servir aos outros de exemplo de esplêndida diligência ; no entanto a sorte invejou-lhe esta honra.

(37) Quatro milhões e duzentos mil escudos. Amyot.

(38) Grego: "dois talentos e quinhentas dracmas".

LII.Che eou até dentro da cidade de Roma por água, e tão logo souberam que se aproximava, todos os magistrados, os sacerdotes, todo o Senado e uma boa parte do povo, saíram à sua frente ao longo do rio, de sorte que as duas margens do Tibre estavam cobertas de gente e propriamente parecia, ao vê-lo assim subir o rio, que era uma entrada triunfal; entretanto, houve quem achasse isto presunçoso e de mau gosto, tendo os cônsules e os pretores saído à sua frente, pois não fez parar seu navio, mas continuou a vogar sempre contra a corrente, dentro de uma galera real de seis remos por banco e não parou antes que toda a sua frota tivesse chegado ao porto; todavia, quando levaram através a praça o ouro e a prata até dentro do tesouro, o povo admirou-se por ver tão grande quantidade, e o Senado, reunido, conferiu-lhe com as mais honrosas palavras uma pretona extraordinária e o privilégio de assistir aos jogos com traje de púrpura. Catão recusou essas honras, mas pediu ao Senado para dar liberdade a Nícias, mordomo do falecido rei Ptolomeu, dando testemunho do cuidado, lealdade e boa diligência do mesmo. Filipe, pai de Márcia, era nesse ano cônsul (41), de sorte que toda a dignidade e a autoridade do consulado advinham de Catão, não sendo menor o respeito que o outro cônsul lhe tributava por sua virtude, do que Filipe por sua aliança.

(39) Porto oriental de Corinto.

(40) Grego: "Corcira".

(41) No ano de Roma 698. Catão não tinha ainda trinta e oito anos; e a lei exigia quarenta para a pretoria.

LIII. Afinal, Cícero, tendo voltado do exílio, ao qual o havia levado Públio Cláudio e tendo recobrado grande poder, um dia foi ao capitólio, na ausência de Cláudio, arrancar e tirar à força as mesas que este aí havia consagrado, nas quais estava contido tudo o que se tinha feito durante o tempo de seu tribunato; estando o Senado reunido, Cláudio acusou-o por esta violência. Cícero respondeu-lhe que sua eleição ao tribunato, tendo sido feita diretamente contra a expressa proibição das leis, era nula e por conseguinte, também nulo tudo o que havia feito ou dito naquele cargo; mas nesse momento Catão tomou a palavra e, levantando-se, disse ser de opinião que em toda a administração de Cláudio, êle não havia nada feito de são, nem de bom; todavia, se assim anulavam em geral tudo o que tinha sido feito sob sua autoridade, seria forçoso anular também tudo o que êle havia feito em Chipre, porque a comissão em virtude da qual teria trabalhado não seria mais legítima, pois que o magistrado, que a teria executado, havia sido eleito indevidamente. Mas, por ser Cláudio de casa nobre, sua eleição ao tribunato não vinha a ser feita contra as leis; pois havia sido adotado por uma família popular, o que a lei lhe permitia, e se havia agido mal em sua gestão, como muitos outros, era preciso responsabilizá-lo para fazê-lo reparar seu erro e agir como homem que havia abusado do poder, e não destruir sua autoridade do magistrado, o que não era lícito fazer.

LIV. Cícero ficou descontente com Catão por esta contradição e desistiu, durante muito tempo, de demonstrar-lhe sinal algum de amizade, como fazia antes, mas depois se reconciliaram nas seguintes condições: Pompeu e Crasso, tendo ido conferenciar com César, o qual com esta intenção havia passado os Alpes, haviam combinado entre eles que solicitariam um segundo consulado e quando estivessem instalados no cargo, fariam prolongar a César seu governo, pelo mesmo tempo que já havia tido, e ficariam eles mesmos com as melhores e maiores províncias, com poderosos exércitos e dinheiro para entretelas e assalariá-las, o que era uma manifesta conspiração para dividir entre eles todo o império romano e arruinar completamente a república. Havia então diversas pessoas de honra que se preparavam para solicitar o consulado; mas, quando viram que Pompeu e Crasso se apresentavam, todos os demais se retiraram, exceto Lúcio Domício, que havia desposado Pórcia, irmã de Catão, a cuja persuasão não quis desistir nem ceder considerando que não era questão de cargo, mas da liberdade do Senado e do povo romano. Correu incontinenti um rumor entre a parte mais sã do povo, segundo o qual não se devia permitir que o poder de Pompeu se juntasse ao de Crasso por meio dessa aliança porque então seria esse poder muito maior e mais forte e que era preciso pelo menos retirar um deles; nessa ocasião os bem intencionados colocaram-se ao lado de Domício, admoestando-o e exortando-o a pugnar conscientemente contra os dois, e que encontraria diversos que não ousariam falar abertamente, com receio dos dois personagens, e que os favoreceriam às escondidas com seus votos, no dia da eleição. Receando isso, Pompeu e Crasso fizeram uma emboscada contra Domício, antes do dia amanhecer, quando ia êle com as tochas ao campo de Marte onde se realizava a eleição e quando o primeiro, que trazia a tocha à frente de Domício passou, foi magoado tão gravemente, que caiu morto aos seus pés e depois caíram sobre os outros que, feridos, fugiram desordenadamente, exceto Domício e Catão; pois este reteve o outro, se bem que estivesse êle mesmo fendo no braço e pediu-lhe para ficar e não abandonar a defesa da liberdade contra tiranos, que davam bem a conhecer como se portariam em seus cargos, pois que a êle aspiravam e pretendiam, usando de vias tão desgraçadas e tão más; entretanto, Domício não quis mais enfrentar esse perigo e fugiu para sua casa.

LV.Assim, foram Crasso e Pompeu declarados cônsules sem contradição; Catão nem por isto não se rendeu mas apresentou-se pessoalmente a solicitar o cargo de pretor, a fim de que servisse pelo menos como um forte, para fazer frente ao consulado e não sendo um qualquer, teria mais autoridade para resistir aos que eram as primeiras e principais autoridades. Mas esses, receando que a pretoria pela reputação de Catão não viesse a ser em autoridade I poder, igual ao consulado, fizeram primeiramenl reunir às pressas o Senado, sem que a maioria do senadores soubesse de nada, em cuja assembléia fizeram decretar que aqueles que fossem eleitos pretores tomariam posse imediatamente e entrariam no exercício de suas funções, sem esperar o tempo prefixado e ordenado pelas leis, durante o qual não pode riam levar perante a justiça aqueles que tivessem comprado com moedas de contado os sufrágios do povo; pois, tendo por meio desse decreto, forjado uma certa impunidade e licença de agir mal aos que pretendiam subir por tais meios, puseram à frente desse ardil alguns de seus ministros, dando eles mesmos o dinheiro para corromper o povo e presidindo pessoalmente a eleição; não obstante todas as suas tramas, a virtude e reputação de Catão os suplantava linda, porque o povo lhe devotava tão grande vene-ração, que estimava seria uma indignidade covarde vender Catão por seus sufrágios, que merecia ser comprado para fazê-lo pretor, de tal modo que a primeira linhagem, sendo chamada para dar seus votos, declarou-o pretor; vendo isso, Pompeu dissolveu logo a assembléia da eleição, aparentando, desonestamente, que tinha ouvido trovejar, porque os romanos estavam acostumados a detestar tal mani festação da natureza e jamais ratificavam coisa alguma quando se dava este sinal e prodígio celestes; mas depois entregaram ainda mais dinheiro do que entes e, com isto, expulsaram as melhores pessoas de bem do campo de Marte e fizeram tanto afinal por seus métodos, que um Vatínio foi eleito e decla-rado pretor em lugar de Catão; e dizem que esses que haviam tão iníqua e tão maldosamente empregado seus sufrágios, como por um remorso de consciência, fugiram imediatamente do campo e a pessoas de bem ficaram muito descontentes pelo ma causado a Catão. Encontrava-se ali um dos tribuno que presidia a assembléia da cidade, quando Catão, saindo à frente, predisse alto e claro diante de toda a assistência, como se estivesse inspirado por algum espírito divino profético, tudo o que estava para acontecer à república e agitou os ouvintes contra Pompeu e Crasso, advertindo-os que eles deviam se sentir culpados de tais atentados e pretendiam fazer tais coisas na administração pública, que haviam receado ser Catão eleito pretor, com medo de que êle impedisse seus projetos. Finalmente quando voltou à sua casa sozinho, foi acompanhado de mais gente do que os outros juntos, que haviam sido eleitos pretores.

LVI.E como Caio Trebônio, tribuno do povo, houvesse apresentado um projeto referente à distribuição de províncias aos novos cônsules, segundo o qual um teria todas as Espanhas e toda a África, e o outro todo o Egito e toda a Síria, com poder de guerrear a quem bem lhes parecesse, tanto por mar como por terra todos os outros, não podendo impedir e fazer nada em contrário, saíram também sem contradizer; Catão, porém, subiu à tribuna antes que o povo começasse a dar seus sufrágios, mas apenas quiseram conceder-lhe duas horas para falar; ainda assim, vendo que se estendia demais para consumir o tempo, procurando demonstrar-lhes o que aconteceria, não quiseram mais deixá-lo falar e enviaram um sargento para o pôr abaixo à força; e como, mesmo depois de ter descido, não cessasse de gritar, dando motivo a que diversos prestassem atenção a suas palavras e se emocionassem, o sargento foi ainda prendê-lo, levando o para fora da praça; mas não o havia deixado mula, quando voltou para a tribuna, onde recomeçou a gritar mais do que nunca, exortando o povo a ter os olhos abertos para socorrer a liberdade e a república, que se iam perdendo; fêz isto por tantas vezes, que Trebônio, não podendo mais suportar, ordenou ao sargento que o levasse à prisão; mas o povo foi atrás ouvindo sempre e prestando atenção ao que dizia, de maneira que Trebônio mesmo, receando algum escândalo, foi obrigado a ordenar ao sargento que o deixasse ir. Assim, Catão consumiu todo aquele dia, sem nada concluir; mas no dia seguinte os aderentes da linha contrária, tendo intimidado parte dos romanos e ganho a outra por meio de belas pala-vras e com a corrupção do dinheiro, impediram pela força das armas um dos tribunos do povo, Aquílio, de sair para fora do Senado, depois de terem levado violentamente Catão para fora da praça, porque gritava que havia trovejado e, tendo ferido diversos homens na praça mesmo, de que uns morreram na hora, fizeram afinal passar seu edital à viva força pelo sufrágio do povo.

LV1I.Devido tal, diversos, estando aborrecidos, foram-se em grupos quebrar e destruir as estátuas de Pompeu, porém, Catão aparecendo, preservou-as; e como também pouco depois houvessem apresentado o projeto das províncias e forças que César solicitava, Catão não se dirigiu ao povo para tentar impedir, mas sim a Pompeu, denunciando e protestando que êle mesmo colocava sobre o pescoço o jugo de César, do que não se apercebia ainda, mas que logo começaria a pesar-lhe, encontrando-se preso e amarrado; então, quando não pudesse mais suportar, nem encontrar meios para se desvencilhar, atirar-se-ia com êle entre os braços da república e lembrar-se-ia das admoestações de Catão, as quais não eram menos aproveitáveis a Pompeu particularmente, como justas e razoáveis em si. Catão fêz-lhe por diversas vezes tais observações, mas Pompeu não tomou conhecimento, porque não podia acreditar que César pudesse jamais mudar e confiava muito em sua prosperidade e na grandeza de seu poder.

LVIII. Afinal, Catão sendo eleito pretor para o ano seguinte, pareceu não dar muito apreço e dignidade ao cargo administrando retamente, mas parecia rebaixá-lo, indo muitas vezes descalço e sem saio ao tribunal e à cadeira pretorial, presidindo desse modo a julgamentos criminais, onde estava em jogo a vida de pessoas importantes; dizem alguns que mantinha a audiência mesmo depois do jantar, tendo tomado vinho; mas isto não é verdadeiro. Afinal, vendo que o povo romano estava perdido e estragado pelas corrupções dos que aspiravam à magistratura e que muitos |á consideravam isto coisa natural, procurando arrancar as raízes completamente desse vício da república, persuadiu ao Senado a fazer um estatuto e ordem: — "Que doravante aqueles que fossem eleitos para qualquer cargo, se não tivessem ninguém que os acusasse, seriam obrigados por si mesmos a apresentar-se em julgamento; e depois de haver depositado entre as mãos dos juízes o juramento de dizer a verdade, dar contas e razão, judicialmente, dos meios pelos quais tinham atingido seus postos".

LIX. Esta ordem tornou-o bastante odioso aos que disputavam aos cargos, de sorte que uma manhã foram em grande número à parte do tribunal onde os juízes dão sua audiência e puseram-se a gritar contra êle, injuriando-o e atirando-lhe pedras, de tal modo que os assistentes foram obrigados a fugir do recinto e êle mesmo atirado para fora pela massa popular e puxado por todos os lados, teve muito, trabalho para chegar à tribuna, onde, levantando-se nos pés, incontinenti acalmou o barulho e amotinação do povo, impressionado pela segurança e severa constância de sua fisionomia; depois, fazendo-lhes tais observações que o tempo e o caso tratado reclamavam uma audiência pacífica, abrandou em pouco tempo todo o tumulto que se havia levantado. Como os do Senado o elogiassem, disse a todos alto e claro: — "Pois eu não vejo motivo para vos elogiar, atendendo que vós abandonastes um pretor em perigo de vida, sem vos sentir de modo algum no dever de socorrê-lo". Mas aqueles que disputavam os cargos, encontraram-se em grande perplexidade, porque de um lado temiam despender dinheiro para comprar os votos do povo e do outro lado também tinham medo de que outros, assim fazendo, não decaíssem de sua pretensão. Fizeram todos juntos um acordo pelo qual depositaria cada um a soma de doze mil e quinhentos escudos (42) e depois, justa e corretamente fizessem sua solicitação ao cargo no qual aquele que se encontrasse em erro e que fosse ajudado pela corrupção, perderia o dinheiro que tinha depositado. Feito este acordo, elegeram para depositário, testemunha e árbitro, a Catão, entre as mãos do qual estava dito que depositariam seu dinheiro. O contrato foi lavrado em sua casa, onde lhe entregaram o julgamento de todos os pleitos, mas recalcitrou quanto ao dinheiro, que não quis receber; e quando chegou o dia da eleição, Catão, assistindo a um tribuno do povo que a dirigia e observando cuidadosamente como procediam ao votar, percebendo que um dos solicitantes o fazia em desacordo com o contrato, condenou-o a pagar a soma concedida aos outros, os quais, estimando e elogiando grandemente sua justiça e completa honestidade, não quiseram mais a multa, julgando que aquele que havia agido maliciosamente estava bem castigado em ser apenas condenado por sentença de Catão.

(42) Grego: "cento e vinte e cinco mil dracmas". O tradutor latino pôs quinhentos mil sestércios, como se lê em uma carta de Cícero a Atiço; Liy. IV.

LX. Este ato desagradou aos outros senadores e suscitou grande inveja contra Catão, como se qui-sesse atribuir a êle só a autoridade e poder de todo o Senado, dos juízes e dos magistrados. Pois não há virtude cuja glória e confiança não engendrem mais inveja do que as daquele que exerce a justiça, pois oídinariamente o povo confia mais e concede maior autoridade a tais pessoas; não somente lhe presta honra, como se faz aos corajosos; nem são admirados, como acontece com os sábios e prudentes, porém, são amados e estimados, porque neles o povo confia. Quando se teme a uns e se desconfia de outros; e, ainda mais, quando se considera que a coragem e a prudência procedem antes de uma força da natureza do que da boa vontade, supondo-se que a alma seja apenas uma vivacidade ou sutileza do espírito e a outra uma força do coração que vem da natureza, cada um pode ser justo, bastando apenas que o queira e isto é a razão, enquanto que a injustiça é o vício de que se deve ter mais vergonha porque é uma malícia e perversidade de que não se tem desculpa. Eis porque todos os grandes eram inimigos de Catão, como sendo por êle repreendidos, mesmo Pompeu, que considerava a reputação de Catão como a ruína de sua autoridade; e por esta causa suscitava sempre alguém para perseguir e injuriá-lo, entre os quais se achava Públio Cláudio, acintosamente em convívio com Pompeu e gritava contra Catão, dizendo que havia desviado muito dinheiro do público em sua comissão a Chipre e que guerreava Pompeu porque havia recusado desposar sua filha.

LXI.Ao que Catão respondeu que havia trazido de Chipre mais ouro e prata para a república, sem um só cavalo nem um só soldado, do que Pompeu com todos os seus triunfos e todas suas guerras, com o que havia feito trabalhar todo o mundo. No entanto não tinha nunca procurado a aliança de Pompeu, não que a considerasse indigna, mas porque via que não caminhava com o mesmo passo que êle na administração da coisa pública: — "Ofereceram-me o governo de uma província logo ao deixar minha pretoria, que recusei, enquanto êle retém uma coisa e outra para dá-las aos seus partidários. Agora emprestou uma força de seis mil homens a César para servir na guerra das Gáhas, sem que a tenha solicitado nem a tenha cedido com o nosso consentimento; e tantas armas, tantos homens e cavalos são dádivas particulares de nossos cidadãos; e êle, Pompeu, tendo o título de imperador e de capitão general, cede suas províncias e suas forças para outros, que as governam, enquanto fica aqui alimentando sedições na cidade, a suscitar e entreter tumultos nas eleições dos magistrados, construindo com tais artifícios os meios de pôr a república em tal confusão que sejamos obrigados depois a lhe dar e deferir poder soberano . Eis como se vingou Pompeu.

LXII. Ora, havia entre seus amigos, um cha-mado Marcos Faônio, o qual dizem ter sido antigamente Apolodoro, o Faleriano, de Sócrates, que o copiava e imitava em tudo o que podia. Esse homem, com o discurso, não se agitou lenta nem friamente pela razão, mas apaixonou-se até ficar fora de si e enfureceu-se como um ébrio. Solicitou um ano o cargo de edil, em cuja eleição ia sendo vencido. Catão, porém, que assistia à disputa, descobriu que onde escrituravam os votos eram estes escritos pela mesma pessoa, e por esse meio, convencido da falsificação, chamou à frente os tribunos do povo e tanto fêz que a eleição foi declarada nula. E depois Faônio, tendo sido declarado edil, Catão ajudou-o em todos os misteres de seu cargo, mesmo ordenando no teatro os jogos que estavam habituados a exibir por ocasião desse ato, para dar passatempo ao povo, quando não só deu aos jogadores, músicos e outros participantes, coroas de ouro como fazem os outros edis, mas rosários feitos de tenros ramos de oliveira selvagem, como se usam na Grécia, nos jogos olímpicos; e enquanto os outros distribuíam suas dádivas aos pobres, ricos presentes, ele distribuiu aos gregos de nascimento, alho, lentilhas e peras; e aos romanos, potes de barro cheios de vinho, carne de porco, ligos, pepinos e feixes de madeira de pouco valor; do que uns zombavam, outros devolviam, e vendo Catão, que era tão severo e tão austero por natureza envolver-se nisso, pouco a pouco convertiam esta reverência em prazer. E finalmente Faônio, pessoalmente ati-rando-se no meio do povo, foi sentar-se entre os espectadores para ver os jogos e foi o primeiro a aplaudir Catão que conduzia tudo, gntando-lhe bem alto que aos jogadores que desempenhavam bem, que os honrasse, concitando aqueles junto dele a fazer o mesmo, dizendo-lhes que havia dado toda a autoridade a Catão em seu espetáculo. Ao mesmo tempo Cunão, companheiro e concorrente de Faônio no cargo de edil, promovia em outro teatro jogos magníficos, mas todo o povo o abandonava para ir ver Faônio, o qual conscientemente ficava inativo, enquanto Catão empreendia e dirigia os jogos. Catão fazia isto para zombar da despesa louca e supérflua que se habituavam a fazer em tais coisas e mostrar que quem quer promover jogos, precisa fazê-los brincando, acompanhando-os com uma graça simples, não com aparato de grande custo, nem com uma superfluidade suntuosa, empregando tanto de solicitude e de despesa em coisas sem importância.

(43) No ano de Roma 701.

LXIII.Algum tempo (43) depois, como Cipião, Hipseo e Milton aspirassem todos três juntos o consulado, usando não somente a corrupção e distribuição de dinheiro, que já eram crimes comuns e ordinários nas disputas dos cargos da república, mas abertamente pelas armas, espancamento e assassínios, com o risco de guerra civil, tanto eram os três audaciosos e temerários, alguns propuseram que deviam entregar a direção das eleições a Pompeu, a fim de que se procedesse corretamente. Catão opôs-se de início, dizendo que não era preciso que as leis firmas sem sua segurança em Pompeu, mas ao contrário, Pompeu nelas. Todavia, vendo que essa desordem durava muito longamente, sem que houvesse magis trados independentes dentro de Roma, e que havia todos os dias, como se fossem três campos de batalha na praça, de tal modo que era difícil fazer cessar daí em diante o mal, para que não se estendesse mais, então foi de opinião que antes de esperar a extrema necessidade, por concessão voluntária do Senado, se pusessem os negócios da república nas mãos só de Pompeu realizando-se o menor mal para esquecer e lemediar os maiores, e introduzindo uma espécie de monarquia, voluntariamente, antes de esperar até que a saída desta sedição produzisse loucura e tirania. Pelo que, como Bíbulo, que era aliado de Catão, houvesse apresentado o alvitre perante o Senado, de que era preciso eleger Pompeu cônsul sozinho, porque dizia êle: — "Ou a república ficará em bom estado pela ordem que êle estabelecerá ou pelo menos Roma servirá a senhor menos mau", Catão, levantando-se, contra a opinião e a espectativa de toda a assistência, aprovou tal proposta, dizendo que valia mais haver um magistrado na cidade, qualquer que fosse, do que não haver nenhum, e esperava que Pompeu soubesse pôr ordem na confusão reinante e que tomasse enfim gosto em conservar a república, quando visse que a tinham assim liberalmente confiado a êle.

LXIV. Desta forma, tendo sido Pompeu eleito cônsul sozinho (44), mandou pedir a Catão para vir um instante à sua presença nos jardins que possuía nos arrabaldes da cidade. Catão foi, sendo recebido com todas as demonstrações de amizade possíveis e finalmente Pompeu, depois de o haver agradecido bastante pela honra que lhe havia dado, pediu-lhe para ser assessor e conselheiro em seu cargo. Catão respondeu-lhe que não havia dito o que dissera antes, por qualquer malevolencia que lhe tivesse, nem dera a última opinião pelo bem que lhe desejasse, mas pelo bem e pela utilidade da república; no (45) entanto, quanto aos seus negócios privados e particulares, que o aconselharia todas e quantas vezes solicitasse sua opinião; mas, quanto aos negócios públicos, diria sempre o que lhe parecesse melhor, ainda que não lhe solicitasse nada; e de fato fêz tudo como havia dito. Logo de início, como Pompeu estabelecesse graves penas e multas novas contra os que por dinheiro tinham corrompido os votos do povo, aconselhou-o a não revolver o passado, mas somente prover o futuro, pois que lhe seria difícil estacionar uma época do tempo, até a qual deveria rebuscar os erros anteriores; e que, ainda mais, se estabelecesse penas mais recen tes do que os crimes, estas causariam dano aos que fossem chamados perante a justiça, castigando-os por uma lei que não tinham transgredido; e depois, tendo sido acusados alguns personagens de qualidade, amigos e familiares de Pompeu, Catão percebendo quê êle se deixava manobrar e dobrava-se em muitas coisas, levantou-se e repreendeu-o asperamente. Tendo Pompeu, por edital, abolido o costume de elogiar em julgamento os criminosos acusados, no entanto êle mesmo tendo escrito um discurso em louvor de Munácio Planco, enviou-o aos juízes enquanto sua causa se decidia. Catão, que por acaso era um dos juízes nesse processo, tapou os ouvidos com as duas mãos, proibindo que lessem tal testemunho; por esta razão Planco recusou Catão como juiz, depois que os advogados tinham sido ouvidos de uma parte e da outra; não obstante, foi condenado. Em geral, Catão tinha pena desses que eram acusados, que não sabiam perfeitamente como deviam fazer com êle, pois não ousavam deixá-lo entre seus juízes, nem recusá-lo também; houve diversos condenados que, ao recusarem Catão, pareciam não confiar em sua inocência e alguns eram censurados por sua grande infâmia, por não terem querido aceitar Catão como juiz, quando lhe fora apresentado.

(44) No ano de Roma 702.

(45) Leia-se: ‘no entanto, que todas as vezes que soliol tasse seus conselhos em particular, êle os daria, mas que, mesmo que não lhe solicitasse nada, diria sempre publicamente tudo o que lhe parecesse conveniente para o bem do Estado".

(46) E o outro senhor Cláudio Marcelo, foram cônsules no ano de Roma 703.

LXV. Enquanto essas coisas se passavam em Roma, César estava na Gália guerreando e não se separava das armas; no entanto, por dons e dinheiro, ia sempre ganhando amigos dentro de Roma, para aí ser também poderoso, de sorte que desde logo as admoestações e predições de Catão começaram a despertar Pompeu do sono, que vinha de há muito dormindo, e fazê-lo pensar um pouco no perigo em que antes não queria acreditar; todavia, vendo-o ainda cheio de preguiça e de dúvida, não ousou pôr conscientemente mãos à obra, para impedir os projetos de César, e deu-lhe vontade de solicitar o consulado, com a intenção de fazê-lo retirar-se incontinenti das armas, ou descobrir sua emboscada e ver afinal o que êle pretendia. Seus competidores eram duas outras pessoas de bem e homens honestos também, dos quais um, Sulpí-cio (46), havia recebido muita honra por meio do prestígio e da autoridade de Catão, razão por que diversos estimavam que não agia antes honestamente, mas mostrava-se ingrato, por se formar com êle nessa pretensão; todavia Catão jamais se queixou mas, ao contrário, disse que não precisavam se admirar se não queria ceder a outrem, o que considerava ser o maior bem que lhe pudesse suceder; mas persuadiu o Senado a fazer um estatuto segundo o qual, daquela data em diante, todos aqueles que disputassem um cargo público, teriam eles mesmos de requerer pessoalmente ao povo e não poderiam solicitar isto por intermédio de outros. Tal decisão contrariou ainda mais a plebe, devido não somente lhe retirar das mãos o dinheiro que se fartava de receber na época das eleições, como privava os candidatos dos meios de proporcionar prazer a muita gente. E, ainda mais, não sendo próprio de seu caráter essa maneira de agradar e ganhar o favor público, mesmo solicitando pessoalmente, preferiu mais manter a dignidade de seus costumes e de sua vida, do que adquirir o consulado. Dessa forma, nada fêz pessoalmente e nem deixou que os amigos o fizessem. Por isso não foi eleito. Conforme o costume daquele tempo, quando um candidato não conseguia se eleger, não somente êle como também seus parentes, amigos e partidários, co bram-se de luto, que durava por muitos dias. Catão, porém, fêz tão pouco caso de sua derrota, que na manhã seguinte foi jogar a péla com os amigos no campo de Marte, e depois do jantar dirigiu-se à praça, descalço e sem saio, passeando, como de costume. Cícero então censurou-o, alegando que a república tinha necessidade de um magistrado como êle e, no entanto, não dera bastante apreço, nem se havia preocupado em ganhar a simpatia da plebe, cortejando-a, agradando-a e falando maneirosa-mente; êle não quis tentar novamente, mas desistiu de uma vez, embora solicitasse depois, mais uma vez, o cargo de pretor. Catão respondeu que, quanto à pretona, não havia sido recusado pela vontade do povo, mas porque este havia sido corrompido e ganho por dinheiro, porém, na eleição para cônsul, não houvera nenhuma corrupção e por isso compreendera perfeitamente que ele mesmo era desagradável ao povo devido seus costumes, os quais não haveria de mudar, segundo os caprichos de outrem, mas continuaria sendo o mesmo em todos os sentidos porque isto não era próprio e conveniente a um homem de bom senso e entendimento.

LXVI.Afinal, tendo César se atirado contra as nações belicosas, subjugando-as, não sem grandes dificuldades e perigos, perseguiu também os germanos, com os quais os romanos estavam em paz, derrotando trezentos mil; por esse motivo, seus amigos solicitaram ao povo que fizesse sacrifícios para agradecer aos deuses. Catão, entretanto, em pleno Senado, disse que deviam entregar César nas mãos daqueles a quem ele havia ultrajado, para que lhe dessem o castigo que bem lhes aprouvesse, a fim de recair somente sobre êle todo o pecado da paz violada, e não sobre a república, que não podia mais; disse-lhes, todavia, mais o seguinte: — "Se devemos fazer sacrifícios aos deuses, que seja para não se terem vingado da fúria e temeridade do capitão, sobre os nossos pobres soldados, que não têm culpa, ou para que tenham compaixão da cidade". César, informado do que se passava, escreveu uma carta ao Senado, contendo a mesma várias injúrias e diversas acusações a Catão. Éste, levantando-se, não como se estivesse ofendido e tomado por urna cólera súbita e nem somente pelo desejo de contestar as acusações, mas fria e calculadamente, como se de longa data tivesse premeditado o que tena de dizer, demonstrou que as imputações de César não passavam de motejos de zombaria, reservados para lazer rir a assembléia; ele pelo contrário, começando por descobrir todos os propósitos do adversário desde 0 início, e delineando claramente suas intenções, como se fosse, não um rival político, mas um cúmplice ou companheiro de conjuração, demonstrou à assistência que não era aos germanos ou aos gauleses que deviam temer, mas sim, ao próprio César, se é que possuíam sabedoria para discernir os acontecimentos. Esse discurso irritou de tal modo os ouvintes, que os amigos de César se arrependeram de ter apresentado as cartas e tê-las feito ler porque, assim procedendo, tinham dado oportunidade a Catão para deduzir dos propósitos de César, as várias acusações, aliás verdadeiras, contra êle. Entretanto, naquele momento, nada foi concluído contra César, no Senado, senão que era razoável providenciar um sucessor para êle; diante de tal consideração, os amigos de César solicitaram que então Pompeu também devia depor as armas e abandonar as suas províncias, ou então, que não obrigassem César a lazer isso.

LXVII.Catão começou então a gritar que isto era justamente o que havia predito e que César vinha para oprimir a república, usando abertamente contra ela, das armas que havia obtido pela fraude e pela mentira; entretanto, pelo que sabia, ele, Catão, nada esperava fora do Senado, porque via que o povo estava favorecendo César e desejava que se tornasse grande; o Senado concordou com o que disse, mas temia o povo. No entanto, chegavam notícias de que César tomara a cidade de Arimi-num (47) e vinha direto com suas armas a Roma. Então, todo o mundo pôs os olhos em Catão, e o povo e Pompeu confessaram que só ele havia previsto, desde o início, o alvo pretendido por César, e que havia predito francamente. Então Catão lhes disse: — "Se vós me tivésseis acreditado, senhores, e seguido meu conselho, não recearíeis agora apenas um homem, nem teríeis também vossa esperança em outro somente". Pompeu a isto respondeu que Catão por certo havia predito mais verdadeiramente, mas que ele, mais lealmente, havia descoberto; e Catão aconselhou o Senado a entregar os negócios nas mãos de Pompeu, porque disse ele: — "Esses que praticam os grandes males, são sempre os que sabem melhor os meios de curá-los".

(47) Rimini.

LXVIII. Entretanto, Pompeu, nao tendo a seu lado exército suficiente para esperar César e vendo ainda o pouco de soldados de que dispunha, assaz friamente encorajados, abandonou Roma. E Catão, tendo resolvido ir com ele, enviou seu filho mais moço para ficar com Munácio, que estava no país dos brutianos, levando seu primogênito consigo; e ainda mais, tendo sua casa e suas filhas necessidade de alguém que as governasse, retomou ainda Márcia, que então estava viúva e possuía muitos bens, porque Hortênsio, tendo falecido, a instituíra sua herdeira; o que César, em seu libelo difamatório contra Catão anota muito injuriosamente, exprobrando-lhe a avareza e ambição mercenária em ganhar por meio de núpcias: — "Pois se tinha, disse êle, necessidade de mulher, por que a cedia primeiramente a outro? E se não tinha o que fazer, por que a retomava pouco depois? Quando a entregou de início a Hortênsio, não foi como uma isca, emprestando-a jovem com intenção de retomá-la rica?" Todavia contra isto é suficiente, parece-me, replicar com esses versos de Eurípides:

Em (48) primeiro lugar, venho contestar
O que não é lícito nem mesmo dizer;
Pois acusar de modo algum se deve
A Hércules, que teve o coração covarde.

Pois parece-me que é o mesmo, acusar Hércules de covardia e Catão de avareza e ambição de ganho, pois se por algum outro motivo falhou nesse casamento, é coisa ocasional que poderia acontecer; pois logo depois que desposou Márcia e lhe entregou sua casa, seus móveis e utensílios e suas filhas, pôs-se a seguir Pompeu e, nunca depois desse dia, como dizem, cortou seus cabelos, nem sua barba, nem pôs chapéu de flores sobre a cabeça, mas manteve-se sempre até a morte nesse estado de luto, com um silêncio morno e uma grande tristeza no coração pela calamidade que atingia a república, mesmo quando os de seu partido assinalavam alguma vantagem, ou quando perdiam. E tendo-lhe caído por sorte o governo da Sicília, passou a Siracusa, quando, sendo avisado de que Asínio Pólio, da parte dos inimigos, havia chegado a Messena (49) com grande quantidade de guerreiros, mandou perguntar-lhe quem o fazia vir até ali, e Pólio perguntou-lhe, por sua vez, qual era a causa daquele movimento guerreiro.

(48) Hércules Furioso, v. 174.

LXIX.E tendo notícias de que Pompeu havia completamente abandonado a Itália e já estava além-mar acampado próximo à cidade de Dirráquio, disse então que via no governo dos deuses uma grande incerteza e grandes variações, levando em conta que Pompeu havia sido antes sempre feliz, enquanto não fazia nada de bom, segundo o direito e a eqüidade e agora, que queria preservar seu país e combater pela liberdade, via-o destituído de sua felicidade. Disse então que era bastante forte para expulsar Asínio para fora da Sicília, se quisesse; mas porque lhe vinha um outro reforço, não quis afligir, nem agitar esta ilha com as calamidades que traz a guerra. Então, depois de haver aconselhado os siracusanos a que se colocassem ao lado dos mais fortes para se preservarem, saiu ao mar e foi encontrar Pompeu, sempre com a mesma opinião de protelar a guerra, esperando sempre alguma saída, evitando batalhas, senão quando fosse forçado por uma das partes; e persuadiu a Pompeu e ao Conselho que estava a seu lado, a discernir os fatos relativos a tudo isto, que não saqueassem nessa guerra nenhuma cidade que pertencesse ao império romano e que não fizessem morrer nenhum cidadão romano, a não ser que se encontrasse em batalha, de armas em punho; nisto adquiriu grande honra, atraindo muitos homens para o partido de Pompeu pela consideração de sua bondade, clemência e humanidade.

(49) Messina.

LXX. E, sendo enviado à Ásia para ajudar aos que estavam comissionados para reunir navios e alistar guerreiros, levou consigo sua irmã Servília e o filho de que Lúculo era pai porque, depois de sua viuvez, esta sempre o seguiu, e assim procedendo, haviam diminuído bastante os rumores que cornam quando viram que ela havia voluntariamente se submetido à guarda e estrita maneira de viver de Catão, acompanhando-o em sua fuga. Todavia, mesmo assim, César não deixou ainda de acusar esta sua irmã. Os capitães de Pompeu não tiveram contacto com Catão senão em Rodes, onde, por meio de admoestações, conquistou os habitantes e ali deixando Servília com seu filhinho, voltou ao acampamento de Pompeu, o qual já havia reunido uma poderosa força, tanto terrestre como marítima, ocasião em que a intenção de Pompeu parecia mostrar-se mais evidentemente do que em qualquer outro lugar, pois havia proposto consigo mesmo dar o comando da armada a Catão, a qual não era menos do que quinhentos navios de guerra sem contar as fragatas, fustes e barcos, dos quais tinham um número infinito; mas, tendo subitamente uma intuição ou talvez avisado por algum de seus amigos, que o objetivo de Catão em todas as suas ações era libertar Roma da tirania, e que, uma vez senhor de um tão belo e grande poder, desejaria que no mesmo dia da derrota de César, Pompeu também depusesse as armas e se submetesse imediatamente às leis, mudou de opinião, se bem que já houvesse falado com o próprio Catão e, em seu lugar, deu o comando a Bíbulo.

LXXI. Mas, nem por isto lhe pareceu que Catão ficasse menos afeiçoado a êle, mas dizem que numa das escaramuças e encontros que se deram diante da cidade de Dirráquio, como Pompeu exortasse aos soldados e ordenasse aos capitães para fazerem o mesmo, cada um em seu lugar aos que estavam sob seu comando, os soldados ouviram-no muito friamente, sem dar demonstração alguma, embora tivessem anteriormente os corações mais inflamados; mas, quando Catão, depois de todos os outros, veio discorrer conforme a comodidade do tempo permitia, sobre as razoes da filosofia, referentes à liberdade, à virtude, à morte e à glória, com veemência e grande afeição e, afinal, vindo a concluir seu discurso por uma invocação aos deuses, tornando seu linguajar para com eles, nem mais, nem menos, como se estivessem presentes e olhando os que combatiam virtuosa e corajosamente pela defesa de seu país, os soldados prorromperam numa gritaria tão grande e sentiram em si próprios um tal ardor, que todos os capitães tiveram esperança e foram de cabeça baixa dar contra os inimigos com tão grande fúria, que os derrotaram e puseram em fuga nesse dia; mas, a boa sorte de César retirou-lhes a completa vitória final, devido a dúvida e desconfiança de Pompeu, que não soube conhecer e aproveitar sua boa hora, como escrevemos mais detalhadamente em sua vida.

LXXII.Entretanto, quando todos os outros se alegravam por este feito e louvavam grandemente a vantagem que haviam tido sobre seus inimigos, Catão, ao contrário, deplorou a calamidade da república e lamentou a desgraçada ambição, que era causa pela qual tantos bons e valorosos cidadãos de uma mesma cidade se matassem entre si, assim, uns aos outros. Depois desta derrota, César, tendo tomado o caminho da Tessália, Pompeu desalojou-se dali onde estava acampado para ir-lhe no encalço e deixando em Dirráquio boa quantidade de armamento e grande número de pessoas, que lhe pertenciam por parentesco ou por aliança, comissionando Catão como capitão e guarda de tudo, com quinze coortes de guerreiros, o que fez pelo temor e desconfiança que tinha dele, pois se por má sorte viesse a perder a batalha sabia bem que não podia acusar disto o homem mais leal nem mais fiel, senão a si próprio; mas também que se a ganhasse, duvidava que onde estivesse Catão, pudesse dispor todas as coisas a seu gosto. Houve também diversas outras pessoas de honra e personagens de grande categoria, que ficaram como se diz, atirados e deixados dentro de Dirráquio com Catão.

LXXIII.Finalmente, quando se deu a derrota de Farsália, Catão resolveu consigo mesmo que, se Pompeu morresse, levaria de novo à Itália todos os que estavam com êle e depois iria sozinho a um exílio o mais longe possível da tirania; e se estivesse ainda vivo, preservaria até o fim as forças que se achavam em suas mãos. Assim deliberado, atravessou a ilha de Corfu, onde estava a armada e, encontrando Cícero, quis ceder-lhe o cargo de capitão, como a um personagem de maior dignidade, porque havia sido cônsul e êle apenas pretor; mas Cícero não quis aceitar e voltou à Itália. E Catão, vendo que Pompeu filho, com uma arrogância e altivez importunas, queria castigar aqueles que se retiravam do exército e notadamente que estava com vontade de atingir primeiro a Cícero, repreendeu-o à parte, em particular, abrandando-o, de maneira que salvou certamente a vida de Cícero e desfez o temor nos outros. De resto, conjecturando que Pompeu pai estaria salvo no Egito e (50) na África, resolveu fazer-se à vela incontinenti para ir encontrá-lo com toda a diligência. Embarcou com sua tropa, mas antes, deu licença para seguir ou ficar, a todos os que não tinham muita vontade de segui-lo nesta guerra.

(50) Grego: "ou na Líbia". Mas este nome significa aqui não uma província particular, mas a Africa assim denominada pelos «regos e, da qual o Egito fazia parte.

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