Oliveira Lima – D. João VI no Brasil
CAPÍTULO IX
RELAÇÕES COMERCIAIS DO
BRASIL. OS TRATADOS DE 1810
Com a mudança da corte e a conseqüente abertura dos
portos brasileiros
ao comércio universal, é evidente que variaram por completo as condições mercantis da colônia.
Antes, no regime de monopólio da metrópole, os negociantes portugueses, em
livre concorrência ou por estancos, fixavam a seu talante o preço dos gêneros ultramarinos e
pagavam-nos com artigos
europeus pelo preço que eles próprios, únicos intermediários, igualmente determinavam. Era um
contrato em que uma das partes carregava com
todos os ônus e a outra com todas as vantagens.
No Brasil, aliás, se vivia economicamente muito como na
China, produzindo a
terra tudo de que carecia a população. Excetuavam-se, todavia, os braços e as
manufaturas de luxo. Importavam-se os primeiros da África e as segundas, as
poucas que permitiam a concepção geral de conforto e os meios do comum dos
consumidores, do reino. Nem para Portugal residia o valor das colônias no gasto das suas
manufaturas ou no emprego da sua navegação e dos seus braços supérfluos, como o aconselharia uma sã economia política. Os
trabalhadores não superabundavam em Portugal, sendo todos os do Brasil negros escravos; a
navegação era nacional, isto é, portuguesa, mas só até à metrópole, aí baldeando-se os gêneros coloniais para navios
estrangeiros, geralmente ingleses, que os conduziam ao seu final destino; as
manufaturas que as colônias compravam e usavam, longe de serem produto da indústria do reino,
vinham de ordinário na
mesma forma do estrangeiro, do norte da Europa para Lisboa, onde eram reexportadas.
O lucro que Portugal tirava das possessões estava, pois, todo nos direitos
cobrados pela metrópole sobre as exportações para as colônias e as importações destas colônias,
muito mais do que nos proventos industrial e marítimo. Era uma exploração
econômica, em vez de ser uma remuneração financeira que aproveitasse a todos os elementos
da organização mercantil.
Os impostos diretos pagos pelo comércio brasileiro, ou melhor, o comércio estabelecido no Brasil,
e que indiretamente recaíam sobre os consumidores nacionais, como não podia deixar de acontecer
pela falta de concorrentes
nas transações coloniais, subiam a 150% no cálculo feito por Luccock, que foi negociante dá
praça do Rio depois da franquia dos portos. Quer isto simplesmente dizer que Portugal recebia
250 libras por cada 100 libras mandadas sob a forma de material de escambo ou
antes de venda e
de trabalho, além dos ganhos apurados nos fretes, juros do capital empregado, monopólios e estancos etc.
Como todo e qualquer produtor, o Brasil precisava de vender para poder comprar: mais do que
qualquer outro, porém, visto ser essa sua única riqueza, colher para logo exportar, em lugar de
produzir para ir acumulando. Ainda hoje assim acontece, porque viemos do excesso imediato da nossa produção agrícola e
extrativa. D. João VI pôde abrir
as portas ao tráfico
geral, promover portanto a riqueza, mas não lhe assistia o poder de criar milagrosamente uma fortuna pública.
O Brasil entrou a negociar diretamente, posto que não negociasse com seus próprios capitais nem
empregasse seus próprios navios mercantes, que uns e outros faleciam. Apenas, quando a navegação
deixou de ser exclusiva,
deixou a pauta de ser proibitiva, como o era num país muito embora sem qualquer
indústria. Por efeito do decreto de 1808 passaram os 48% percebidos nas alfândegas nas
importações a 24%, e mesmo depois de 1810 a 15% para os ingleses, mais favorecidos de fato do que
os portugueses, os
quais, além de muito menos aparelhados para os negócios e sem instrumentos de
transporte, pagaram até 1818 16% sobre as suas importações no Brasil.
O Rio de Janeiro tornou-se naturalmente, na transformação da existência mercantil da colônia, o
grande entreposto brasileiro. Aí afluíram as mais variadas mercadorias para consumo local,
distribuição pela costa,
sobretudo entre Bahia e Montevidéu, mas mesmo para o norte, e colocação nos
sertões mais remotos, num grande desenvolvimento do comercio que anteriormente existia a par de muito
contrabando.
Em 1817 e 1818, quando Spix e Martius recolhiam suas impressões o Rio estava sendo mais do que
Lisboa teatro de especulações e campo de atividade comercial. De Portugal lhe chegavam vinhos,
azeites, farinha: de
trigo, sal, vinagres, bacalhau, azeitonas, lãs, presuntos e paios, frutas secas, chapéus, algodões,
sapatos, pólvora,240 cordame etc; da Índia e China, diretamente, porcelanas,
musselinas, sedas, chá, canela, cânfora etc; do Reino Unido, fazendas, metais, gêneros alimentícios e mesmo vinhos espanhóis por via de
Gibraltar; da França, artigos de luxo, quinquilharias, móveis, livros e gravuras, sedas,
manteiga, licores, velas, drogas; da Holanda, cerveja, vidros, linho e genebra; da Áustria,
que comercialmente abrangia o norte da Itália e o sul da Alemanha, relógios,
pianos, fazendas de
linho e seda, veludos, ferragens, produtos químicos; do resto da Alemanha,
vidros da Boêmia, brinquedos de Nuremberg, utensílios de ferro e latão; da Rússia e
Suécia, utensílios de ferro, aço e cobre, couro, alcatrão, breu, vigas; da Costa da África, isto
é, tanto de Angola como de Moçambique, negros (20.000 no ano de 1817), ouro em pó, marfim,
pimenta, ébano, cera — de que as igrejas consumiam carregamentos — azeite de dendê, goma arábica; de Cabo Verde, sal e
enxofre.
Para as colônias africanas e asiáticas de Portugal, o Rio
de Janeiro representou durante o reinado americano de Dom João VI o que antes representava Lisboa. O comércio
português com a Índia e a China localizou-se na praça do Rio, de onde se faziam as
reexportações para Lisboa e outros pontos europeus, e também para o resto da América, pois
que, por causa das dificuldades da situação política no Prata, o próprio tráfico para Buenos Aires e
Montevidéu se operou algum tempo pela capital
brasileira.
O comércio brasileiro com a Ásia era, contudo, por si
mesmo valioso. Segundo as estatísticas do Correio Braziliense, as
importações da Bahia,
por exemplo, foram no ano de 1808, no tocante à Europa, inclusive Portugal e fábricas
privilegiadas, da importância de 1.000 contos, e no tocante à Ásia da importância de
373 contos. No ano imediato elevaram-se as primeiras importações a 2.000 contos e as segundas
a 443.241
As principais exportações do Rio, as que lhe eram
peculiares, compreendiam
açúcar, cultivado nas baixadas perto do mar, mormente à roda da capital e nos
distritos de Cabo Frio e Campos, e de que se exportaram, no ano típico de 1817,
680.000 arrobas; café, cultivado mais para o interior, na zona acidentada, e cuja
produção progredia muito, exportando-se em 1817, 9.567.960 libras e em 1820, 14.733.540
libras; algodão, que muito
dele vinha, contudo, de Minas Gerais, e fumo, que em parte vinha do Espírito Santo.
Para consumo e reexportação para dentro e fora do país desembarcavam
entretanto no porto do Rio de Janeiro couros, chifres, charque, sebo, toucinho, cebolas, arroz, feijão,
queijos, farinha de trigo e de mandioca, algodão, açúcar e aguardente do Rio Grande do Sul e de
São Paulo; sola, cebolas,
alhos, peixe seco e louça de barro de Santa Catarina; legumes, peixe, produtos florestais,
lenha e carvão, pau-brasil, cocos, tabaco dos .pequenos portos ao norte do Rio — São João do
Paraíba, Macaé, Caravelas, Vitória etc; tonéis de gameleira e cal de Cabo
Frio; cal e louça de barro
da Ilha Grande; fumo, tucum e escravos da Bahia; sal, salitre e artigos europeus de Pernambuco;
peles, couros, charque, farinha de trigo — o mesmo que do Rio Grande do Sul — de Buenos Aires e de
Montevidéu. Fazia-se
essa navegação costeira em embarcações de um ou dois mastros, construídas nos
estaleiros dos portos maiores, de cujos arsenais saíam até fragatas de guerra.
Por
terra não era o tráfico da capital com as capitanias da costa e do interior
menos extenso e remunerador, vindo do Rio Grande do Sul e de São Paulo gado em pé, vacum, cavalar e muar; de Minas algodão em rama, café, fumo,242 pedras
preciosas, queijos, rapadura e tecidos muito baratos de algodão; de Goiás e Mato Grosso ouro em pó e em barras e
diamantes.
Para o interior do Brasil as principais exportações do Rio eram panos, ferragens, sal, vinhos e
cocos; para as possessões africanas fazendas, açúcar, aguardente, fumo, arroz e farinha; para a
índia parte do numerário em barras de ouro e piastras espanholas, que em
poucos anos se elevou a perto de 800.000
libras esterlinas.
A superioridade das exportações sobre as importações
determinava a entrada
de dinheiro da Europa, mas a procura do ouro na Europa durante a série de guerras
continentais e depois a procura do metal no Extremo Oriente, segundo rezam os
fastos financeiros, ocasionaram-lhe subida no valor, chegando o prêmio a 16 e 17%. Com esta
drenagem, o esgotamento
das minas, o desenvolvimento das relações mercantis e o acréscimo da riqueza pública e particular,
não mais bastava para o meio circulante do Brasil e Portugal o quinto do ouro
extraído em Minas Gerais, que era outrora suficiente. A grande contração resultante na
circulação monetária fez
por vezes subir o juro das letras a 20 e 22%, sendo de 12% o juro usual para contas abertas entre
negociantes. Devido à carência de numerário acharam então entrada no Brasil muitas piastras mexicanas,
que valiam 750 réis,
e o Tesouro comprava para recunhar e emitir a taxa de 960 réis (um peso), que as fez
artificialmente subirem a 915 réis. Destarte pagava o Tesouro por 22 — valor
intrínseco do ouro — o que não lhe renderia mais
do que 17.243
Pelo tempo em que viajavam Spix e Martius e de acordo com o mapa por eles deixado relativo ao ano
de 1817, o total das exportações do Rio de Janeiro subia em valor a 5.400 contos, produzindo de
direitos para o Tesouro não longe de 150 contos, porque, além dos 2°7o cobrados
sobre todo produto
exportado e calculados sobre o preço do mesmo no mercado, existiam as taxas
especiais, de 160 réis pela caixa de açúcar, 80 réis por arroba de café, 100 réis por bala de algodão, 20
réis pelo couro e 20 réis pelo rolo de
fumo. A exportação do algodão somava 320.000 arrobas em 40.000 balas ou fardos, representando em 1817 o valor de
2.560 contos; a de couros valia no mesmo ano 614 contos, equivalentes a
512.000 peças, e a de fumo 360 contos, equivalentes a 18.000 rolos ou pacotes.
Quanto a preços, o médio do açúcar, entre o branco fino e o mascavado, era de 200 réis por arroba;
a arroba de café custava 2$400 réis; 8$ a de algodão; 1$200 o couro de boi e 6$ os 50 quilos de
tabaco. Naturalmente
os preços oscilavam conforme a maior ou menor procura do gênero, e a procura dava-se maior
quando ocorriam certas circunstâncias extraordinárias. A guerra de 1812, por exemplo, entre a
Inglaterra e os Estados
Unidos, foi de grande proveito para o Brasil, como o seria depois a guerra civil de 1861-1865,
impedindo a regular exportação do algodão americano para o mercado britânico.
Em ambas as ocasiões o nosso algodão subiu consideravelmente, podendo dizer-se que durante o
reinado de Dom João VI constituiu,
graças aos compradores ingleses, o principal artigo da exportação brasileira, o
que melhor
correspondia aos esforços empregados pelo governo para proteger o comércio nacional,
refletidos na Junta criada em 1808 e reformada em 1816. Foi também este o ano em que o rei
mandou estudar, em conferências de peritos presididas pelo conde da Barca ou pelo marquês de Aguiar, os meios de estabelecer
um completo sistema de relações comerciais que já funcionava de fato, mas era
conveniente fomentar entre os diferentes domínios portugueses, tendo por núcleo o Rio de
Janeiro. Era por
outro lado idéia privativa de Macau fazer no Brasil o entreposto das mercadorias da China,
encontrando os estrangeiros no Rio aquilo que costumavam ir buscar a Cantão.
Num sentido não ajudavam os produtores brasileiros e vendedores portugueses os beneméritos esforços
do governo, e é que, para ganharem umas patacas a mais, adulteravam com freqüência os gêneros,
misturando areia com
açúcar, sementes com o algodão, outras substâncias estranhas com arroz.244 Estava-se na
infância da arte da falsificação; era o empirismo da velhacaria; não passava de um
efeito de trapaçaria e ao mesmo tempo de ignorância, mas em todo caso prejudicava altamente o
renome da exportação nacional.
Igualmente se deram
alguns abusos de confiança ao introduzir-se o regime de crédito mercantil,
anteriormente desconhecido na prática. Nos tempos coloniais quase não se fazia
negócio algum a crédito, nem se punha comumente dinheiro a juros no Brasil:
entesourava-se no pé de meia e vendia-se contado. Nem se formava idéia exata do
valor e influência do capital, ou se emprestava sobre cauções, ou se
descontavam letras. Somente em 1810 foi levantada a proibição para todo o
comércio marítimo de dar dinheiros ou outros fundos a risco pelo prêmio que
pudessem ajustar os seguradores. Existiam, naturalmente, em todo o tempo
dívidas; davam-se declarações de obrigações por contratos e sujeições a
penhoras ou execuções; o que, porém, não havia era operação alguma comercial
baseada propriamente sobre o crédito. Diz Luccock que o fiador de um contrato
ou de uma obrigação só era forçado a pagar depois de declarado insolvente o
devedor, e que algumas, não raras vezes no seu conhecimento, escapavam os bens
de ambos a todo e qualquer rigor da lei.
Do tempo de Dom João VI data a fundação do principal estabelecimento de crédito
brasileiro, o qual com fortuna vária tem atravessado o nosso século de vida
autônoma prestando serviços à economia nacional, posto que nem sempre isenta a
sua administração de abusos e malversações. O Banco do Brasil foi enchido de
mimos pelo governo que o organizou. Para aumentar os favores de todo gênero
que lhe foram dispensados, de fato para tornar mais sólida a instituição, ordenou
o príncipe regente que o dinheiro dos órfãos, das ordens terceiras e das
irmandades, o qual antes se punha a render nas mãos de particulares, fosse de
então em diante entregue ao Banco, passando-se mesmo logo para a sua caixa
aquele que na ocasião estivesse com particulares. O Banco pagaria os capitais
nos prazos convencionados e os juros nos do costume, ficando para garantia
dessas quantias sob hipoteca os fundos da caixa de reserva do estabelecimento.
Mais se dispôs que fosse de nenhum efeito
toda penhora, ou execução fiscal, ou cível, feita nas ações do Banco, e que os
seus bilhetes se recebessem como dinheiro nos pagamentos realizados à fazenda
real e os distribuísse da mesma forma o Erário Régio nos pagamentos das despesas
do Estado. Em 1812, pelo alvará de 20 de outubro, era o Banco do Brasil
favorecido com cem contos anuais de imposições adrede criadas por espaço de dez
anos sobre seges, lojas, armazéns, oficinas e navios. A realfazenda deste modo
entrava como acionista para auxiliar o estabelecimento montado debaixo de
tantas esperanças; mas das entradas realizadas nos cinco primeiros anos não
queria receber lucro algum, destinando tudo quanto lhe pudesse caber para
proveito dos acionistas particulares.
Chegou o Banco a inspirar grande confiança. Conta
Tollenare245 que os
ingleses do Recife, com o fim de experimentarem a sua solidez, juntaram três
milhões de cruzados em notas e apresentaram-nas a troco, sendo imediatamente satisfeitos, o que
robusteceu muito no momento o crédito do estabelecimento. Tollenare, como esperto negociante,
divisava, porém, o defeito capital da
instituição.
"Não se deve esquecer, pondera ele nas suas
reflexões semanais, que os bancos só alcançavam tantos privilégios dos governos porque se comprometem, pelo menos
tacitamente, a conceder-lhes grande crédito." E, com efeito, o próprio governo acabou
por quase arruinar o Banco do Brasil, cuja gerência estava, aliás, longe de ser um modelo de
regularidade e probidade.
É sabido que para o regresso da família real para
Portugal foi o Banco
posto a saque. Pouco antes de embarcar, a 23 de março de 1821, tinha o rei de mandar considerar
dívidas nacionais os desembolsos do Banco nas suas transações com os cofres públicos, ou
adiantamentos efetuados para suprir as urgências do Estado, declarando responsáveis para com essas
dívidas as rendas do Reino do Brasil e outros rendimentos, e mandando entrar para a caixa do Banco
os brilhantes lapidados que se achassem no Erário. Quase naufragou então o
estabelecimento, levado a pique pelos
próprios que tanto o tinham favoneado.
A honestidade não era, como já houve ensejo de recordar,
um traço característico
da sociedade brasileira em tempo d’el-rei Dom João VI. Indivíduos honestos, e no máximo grau, certamente se
encontravam, mas nãõ
com a desejável freqüência. No Tesouro refere Luccock ser tamanha a falta de escrúpulos que
correntemente se deduziam prêmios — uma vez chegou a forçada redução a 17% do total — sobre as
quantias pagas ou sacadas.
Note-se que tais prêmios não eram exigidos pelo fisco, mas ex-torquidos pelos
empregados para darem andamento a um expediente que se tornara sumamente moroso e
complicado sob essa comandita de funcionários infiéis. Verdade é que, ao passo que as
prodigalidades da ucharia
se pagavam pontualmente, esses funcionários da nação andavam com atraso de nove a doze meses nos
seus salários, sendo muitos assim compelidos a dependerem da fraude para a sua subsistência.246
Para os fornecimentos era preferido quem mais desse de luvas. Nos anos imediatamente anteriores à
partida da corte para Lisboa, as coisas sob este aspecto pioraram muito no dizer do mencionado
negociante inglês.
Eram notórios os escândalos, freqüentes às concussões, e a advocacia administrativa pululava,
trabalhando sem rebuço os agentes ou corretores, que nos negócios em que o
Estado tinha parte se interpunham com o
fim de receberem comissões.
No domínio comercial o ato mais
importante e de mais graves conseqüências do reinado americano de Dom João VI foi o tratado de 1810, arrancado à condescendência
anglófila de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao cabo de dois anos de laboriosas conversações e
tenazes esforços por parte
do representante britânico. Era lord Strangford um desses diplomatas do tipo
de lord Strafford de Redcliffe, sir Robert Morier e lord Cromer, que a
Inglaterra costuma exportar para certos países; que têm mais de protetores do que de
negociadores, e que impõem com mais brutalidade do que persuasão o reconhecimento egoísta dos
interesses dos seus concidadãos e da sua
nação.
Nem fazia ele mais do que obedecer à política do seu governo. O Reino Unido deixara de ocultar seus
fins, que já se podiam qualificar de francamente imperialistas. Num discurso
famoso, pronunciado na Câmara dos Comuns, desvendara o grande Pitt o fito capital da
expansão britânica, fazendo-se
o Pedro o Eremita da nova cruzada que visava, em vez de conquistar aos infiéis o sepulcro do
Cristo, a conquistar sobre os restantes fiéis a supremacia mercantil do globo. Strangford era de
têmpera a participar da campanha: estava perfeitamente talhado para o seu
posto e possuía a consciência da sua força, derivada do próprio valor e do
valor das circunstâncias portuguesas. Dele escrevia o ministro americano
Sumter, com eloqüente laconismo, que era "pessoalmente odiado,
politicamente temido, respeitado e
obedecido".247
Do príncipe regente dizia o representante dos Estados
Unidos, na mesma
ocasião, que era pessoa de boas intenções e que não descurava aquilo que se julgava ser o interesse
nacional, mas que o seu espírito dútil e oportunista transbordava de confiança pela
Inglaterra. Não era, contudo, tanta a confiança que o fizesse abdicar da sua personalidade
de opiniões. Com mais
exatidão descrevia Sumter o estado d’alma do ministro Linhares, c qual pelos mesmos racionais
motivos pensava de igual maneira. "É um homem de inteligência, com vistas profundas no
que diz respeito a interesses, política e recursos do seu país; percebendo,
porém, que este não pode
sustentar-se isolado e concebendo uma justa idéia de ascendência britânica, ao
mesmo tempo reconhecendo que outro qualquer no seu lugar não faria melhor e poderia
fazer pior, estabeleceu uma transação entre
o seu patriotismo e a sua ambição, e nesta posição se conserva."
O tratado de 1810 foi franca e inequivocamente favorável à Grã-Bretanha, se bem que diga o
preâmbulo ter ele por fito "adotar um sister liberal de comércio, fundado
sobre as bases da reciprocidade, e mútua conveniência, que pela descontinuação de certas proibições,
e direitos proibitivos, pudesse procurar as mais
sólidas vantagens de ambas as partes, às produções e indústrias nacionais, e dar ao mesmo tempo a
devida proteção tanto à renda pública, como aos interesses do comércio justo e
legal".
Não era empresa fácil a conclusão de um tratado equitativo entre o Brasil e a Inglaterra pelo que
toca às relações mercantis. Interesses havia que eram irreconciliáveis. Hipólito expôs
lucidamente as condições do caso. Em primeiro lugar alguns dos gêneros brasileiros, como o açúcar e o café, entravam em concorrência
com as produções das colônias inglesas e por este fato estavam virtualmente excluídos do mercado
britânico; outros não encontravam na Inglaterra consumo considerável, o
contrário do que
acontecia com os vinhos e azeites portugueses, cuja avultada exportação carecia a metrópole de zelar.
Depois, pela sua situação geográfica, distância dos centros de intrigas políticas, magnitude
territorial, dispersão dos núcleos de povoação, não era o Brasil um país que tivesse de recear
pela sua independência tanto quanto acontecia com Portugal, sempre ameaçado de absorção pela vizinha Espanha: daí a dispensa
que lhe cabia de fazer favores comerciais por motivos políticos. Além de que,
quaisquer favores concedidos o seriam em detrimento do futuro eventual das indústrias
brasileiras, pois, sendo ainda muito pouco conhecidos no próprio Brasil os produtos naturais
da terra, impossível se tornava dizer se muitos deles não se prestariam a fins industriais.
Finalmente o regime exclusivo outorgado às manufaturas da Grã-Bretanha arredava a contingência
de entabolarem-se outras ligações mercantis, com os Estados Unidos por exemplo, cujas
indústrias entravam por esse tempo a florescer e porventura estariam no caso de alimentar o mercado brasileiro com alguns
artigos mais em conta ou mais apropriados às
suas exigências.248
O ministro americano chegara com as melhores intenções para promover o desenvolvimento do comércio
do seu país, e logo de começo nutria certas esperanças, achando que o acolhimento cordial
que tivera na primeira
hora provinha tanto da satisfação natural a uma corte de ver aumentada a representação
diplomática nela acreditada como do interesse no alargamento do tráfico
nacional. "As circunstâncias e ligações atuais acrescentava ele, devem fazer
quaisquer outras considerações afora estas parecerem em demasia indistintas para exercerem muita
impressão sobre um
governo que, como a maior parte dos outros nos nossos tempos, anda obrigado a cogitar mais de
expedientes que de planos permanentes para longínquas
vantagens."249
O tratado celebrado com lord
Strangford pronto veio porém ceifar todas as esperanças americanas. Comentando-o,250
após remetê-lo numa cópia impressa a 17
de outubro — nesta data ajuntando não poder dar conta do seu efeito sobre a opinião pública, porquanto todas as classes
da população tinham estado
entretidas durante os seis dias anteriores em corridas de touros ao ponto de tudo esquecerem — ponderava Sumter judiciosamente:
"Tendes observado que o fito e efeito principais dos atuais convênios são estender ao Brasil o antigo sistema
de conexão entre Portugal e
Inglaterra, e restabelecer os tratados abrogados pouco antes da trasladação
do príncipe."
O ministro dos Estados Unidos já então não desconhecia
circunstância alguma das que acompanharam essa trasladação. Soubera decerto
que a intimação
napoleônica de divórcio da Inglaterra fora formulada aos 12 de agosto de 1807, e a resposta
de Portugal fora combinada com o gabinete de Saint James por intermédio de D. Domingos de Souza
Coutinho. Soubera
mais que o regente somente consentira em fechar os portos aos ingleses a 22 de outubro —
quatro dias após o exército invasor francês ter entrado na Espanha por via de Baiona — depois deles
liquidarem suas propriedades
em Portugal, com prazo ilimitado para o pagamento dos direitos de saída, e ao mesmo tempo
que partia para Paris, carregado de poderes e de diamantes, o marquês de Marialva, a quem ia
confiada a tarefa
de aplacar a ira do terrível imperador, e de pedir para o príncipe real Dom Pedro a mão de uma filha do
antigo estribeira Murat. Soubera finalmente de quão longe datava e quão estreita se fizera a
relação estabelecida entre Portugal e a
Grã-Bretanha.
Portugal, quando em
1640 se libertara da Espanha, concedera, para as atrair, vantagens comerciais a outras nações
que aliás de qualquer modo o apoiariam, por estar no seu interesse a decadência da Espanha e portanto a independência do reino. A
ruína da indústria portuguesa pode dizer-se
que data verdadeiramente, outras circunstâncias a ajudando, das exigências que uma tal política de concessões
provocou das partes contrárias. Tendo contudo a França, no afã de proteger as
suas Antilhas recentemente adquiridas, excluído no ano de 1664 do
mercado nacional, em favor do próprio
monopólio, o açúcar e o fumo brasileiros, a corte de Lisboa, onde então dominava o espírito vigoroso de
Castelo Melhor, retalhou proibindo a entrada no reino de mercadorias
francesas.
Deu isto a que Gênova se apoderasse do mercado português para as suas
sedas, e que a Inglaterra visasse ao mesmo resultado no tocante às lãs, ainda que com menos fortuna
visto em 1681 começarem os portugueses a utilizar industrialmente a lã dos seus carneiros.251
Sucessos políticos
vieram no entanto preparar a posição alvejada pelo comércio britânico. A subida de Felipe V, príncipe francês e fortemente
sustentado por Luiz XIV, ao trono
da Espanha fez Portugal recear de novo pela sua integridade com ver-se desamparado da França, e levou-o a lançar-se nos braços da Grã-Bretanha. O célebre tratado de
Methuen, em 1703, que deu às
manufaturas inglesas de lã o monopólio do mercado português e matou no reino
esta indústria, foi o produto de semelhante fase diplomática.
Como a Inglaterra pouco relativamente consumia dos
produtos agrícolas
do reino, houve o saldo que ser pago com ouro do Brasil e assim foi aquela nação
progressivamente açambarcando todo o tráfico com Portugal, para aí exportando seu
trigo, sua quinquilharia, munições, navios e até capitais, os quais, tomados em Londres a 3 ou 3
1/2 por cento, eram emprestados em Lisboa a juro de 10 por cento. O
próprio comércio passou
em boa parte para as casas da feitoria inglesa, com seus correspondentes nas várias províncias. O
ouro que saía não era somente para pagamento do excedente das exportações inglesas sobre as
importações portuguesas:
carregavam-no também os navios de guerra britânicos, por contrabando, pois que tal exportação era legalmente
defesa.
Assim se foi acentuando, exceção feita do lampejo
pombalino, a decadência
econômica do reino, simultânea com a sua decadência política e mesmo intelectual, e se
convertendo à Inglaterra na caixa e depois praticamente na suserana de Portugal. Nunca todavia
ficou tão marcada esta relação de dependência como no tratado de 1810, negociado no Rio de Janeiro e do qual escreveu
Palmela252 ter sido "na forma e na substância o mais lesivo e o
mais desigual que jamais se contraiu entre duas nações independentes":253
a começar pelos motivos que imediatamente o determinaram e a findar nas conseqüências que nele se
originaram.
O motivo capital foi o grande prejuízo incorrido pelos negociantes ingleses que, depois da abertura
dos postos brasileiros, mal apreciando por um lado as possibilidades do mercado que se lhes
oferecia, e por outro lado
com as fábricas e armazéns repletos de mercadorias mercê das guerras
continuadas e da organização do bloqueio continental, remeteram para a América do Sul tudo quanto
podia constituir artigo de negócio, conta-se que até patins. Não achando muitas das consignações
pronta colocação,
baixaram seus preços de metade, ao passo que os gêneros brasileiros alcançavam preços dobrados,
mesmo porque os navios empregados em trazer
as manufaturas britânicas careciam de fretes de torna viagem.
Como resultado, e ainda não
dos piores, deve-se registrar a grande devastação das matas do litoral por
efeito da permissão, dada aos ingleses no tratado, de nelas cortarem madeiras
de construção para as suas embarcações. A madeira carregada para a Inglaterra o
foi não somente para uso nos estaleiros, como para todas as aplicações
possíveis no país de destino e noutros países. Entraram a abundar em Londres os
móveis de jacarandá e de vinhá-tico "’e os navios da mesma nação, que em
outro tempo foram de pinho, e de outras madeiras fracas, e pouco duráveis, agora
já eram de vinhático, pau d’arco, e semelhantes madeiras muito fortes e
duradouras".254
Quando em 1808 o príncipe
franqueou os portos brasileiros às nações amigas, era outrossim um
privilégio que concedia à Inglaterra, não somente por ser a única então da
Europa em estado de manter e proteger uma possante marinha mercante, como pela
razão muito simples de estar quase todo o continente sob o jugo de Napoleão,
quer como protegido, quer como aliado, o que não passava de um equivalente do
primeiro termo. Mais tarde, por ocasião da grande pacificação presidida por
Metternich, é que os portos brasileiros foram realmente abertos a todo o comércio
internacional: o decreto de 18 de junho de 1814 já se não fundava sobre
restrições especiosas. Esses anos entre 1808 e 1814 foram portanto de
verdadeiro monopólio mercantil para a Grã-Bretanha e serviram-lhe para ocupar
suas posições estratégicas e conquistar o mercado. A princípio não tinha
concorrentes e, quando surgiu a possibilidade destes aparecerem, estava ela
armada de vantajoso tratado de 1810, tão hostil pelo seu exclusi-vismo às
outras nações e tão prejudicial à própria metrópole do Brasil.
A política de isolamento
professada no reino era debaixo de certos pontos de vista atrasada e daninha,
mas ainda era o que amparava na sua decadência o comércio português. Hoje, com
as modificações impostas pelo espírito do século, denominamos protecionista tal
política, que nos Estados Unidos tem dado os resultados conhecidos. A abertura
dos portos e o tratado Linhares-Strangford deram àquele comércio um golpe fatal,
acentuando-se o seu deperecimento quando, em 1815, entrou o mundo culto a
gozar novamente benefícios da paz.
Em 1805 tinham entrado no porto
do Rio de Janeiro, sob o regime do velho monopólio, 810 navios portugueses; em
1806 entraram 642, em 1807 subiu o número a 777, sendo quase igual — 765 — em
1808, para atingir em 1810, sob o efeito combinado da liberdade mercantil e da
concentração na capital brasileira dos interesses econômicos do império, o algarismo
de 1.214. Pois dez anos mais tarde, em 1820, apenas 57 embarcações
portuguesas, procedentes de Lisboa e das quais 28 somente de três mastros, fundeavam na baía de Guanabara, elevando-se tal
número a 212 se ajuntarmos os navios sob
pavilhão português vindos da Índia, África e outros países da América do Sul.
São
óbvios os motivos de semelhante decadência. Ao passo que os gêneros coloniais
entraram a baixar depois da paz geral, mercê da crescente produção de Cuba e dos
Estados Unidos, fazendo as exportações destas terras temível concorrência ao nosso algodão, ao
nosso açúcar e ao
nosso fumo, e iniciando um estado de coisas que pode dizer-se até hoje se prolonga, as pobres
manufaturas do reino viram-se afastadas em proveito das superiores manufaturas britânicas, pela
redução que às últimas fora concedida. Igualmente exerceu essa redução pernicioso efeito sobre
certas indústrias e culturas incipientes no reino ultramarino, tais como da seda, do anil, da cochonilha, do
cânhamo, do trigo, dos tecidos de algodão, dos curtumes e das salinas, que a metrópole
anteriormente impedira e que à sombra da franquia de 1808 tinham começado a medrar sob bons auspícios.
Em vista por um lado das circunstâncias econômicas predominantes, e por
outro das condições políticas gerais em que se achavam as duas potências contratantes em relação
uma à outra — se bem que no momento precisamente do início das negociações precisasse a
Inglaterra muito, por motivo
do bloqueio continental, do mercado brasileiro, e grande número de oficiais ingleses requeressem
ir servir em Portugal, tendo vários militares portugueses acompanhando a corte e sendo não poucos
dos que ficaram
tachados de franceses — não podia o tratado com a Inglaterra deixar de
representar para Portugal uma capitulação e para o Brasil uma inferioridade. De fato assim sucedeu.
As condições exaradas no convênio de 1810 significavam a transplantação do protetorado britânico,
cuja situação privilegiada na metrópole se consagrava na nossa esfera econômica e até se
consignava imprudentemente
como perpétua. A falta de genuína reciprocidade era absoluta e dava-se em todos os terrenos,
parecendo mesmo dificílima de estabelecer-se pela carência de artigos que se equilibrassem na necessidade
do consumo, sendo
mais precisos no Brasil os artigos manufaturados ingleses do que à Inglaterra as matérias primas
brasileiras. Dava-se ainda a desigualdade na importância que respectivamente representavam suas
exportações para os
países produtores, constituindo a Inglaterra o mercado quase único do Brasil,
ao passo que aquela nação dividia por muitos países os seus interesses mercantis; e dava-se
finalmente na natureza dos meios de transporte com que chegavam os gêneros aos mercados, não
podendo competir um
fardo de algodão descido de Minas em costa de mula, com uma peça de tecido
carregado por excelente estrada de Manchester a Londres ou Southamptom.255
Como,
deste modo, impor taxas proporcionais e equivalentes para balançar a situação, isto é, os
favores aduaneiros que um tratado de justa reciprocidade devia assegurar às duas partes? Hipólito
lembrava bem que em
tudo levava vantagem o negociante inglês, na justiça e severidade com que no seu país se fazia a
cobrança dos direitos, quando no Brasil estava a porta sempre aberta a todos os
abusos e malversações, prejudicando a uns a condescendência criminosa exibida
para com os outros; e também na conquista real e efetiva que para aquele representavam proteção e a
tolerância
exaradas no tratado para a sua pessoa e religião, quando tais regalias eram comuns na Inglaterra
para todas as nacionalidades e credos e nada introduziam de novo. O súdito português domiciliado
na Inglaterra gozava, exatamente como o nacional britânico, da "singular
excelência da constituição do país", mas o súdito inglês, que viesse
residir em Portugal
ou domínios, ficaria livre das arbitrariedades praticadas freqüentemente pela administração e polícia e a que andavam sujeitos
os naturais.
Por último, como eram idênticos os direitos e
equivalentes os adicionais a impor, quer fossem os gêneros transportados em navios portugueses, quer em navios ingleses —
assim se considerando tanto os construídos nos dois países respectivos como os apresados e
legalmente condenados256
— lucrava evidentemente com semelhante disposição a marinha mercante britânica, já
anteriormente e superiormente aparelhada para o tráfego. As autoridades portuguesas eram, de
resto, as primeiras a pôr tropeços à livre e franca navegação, das embarcações nacionais. Haja visto o caso do Tigre, navio
saído de Londres para o Maranhão em 1810 e que, depois de carregado para a torna viagem, foi
detido pelo governador D. José Thomaz de Menezes por não poder o mestre do
barco satisfazer a exigência
legal mandando viajar com capelão e cirurgião, pela simples razão de se não
encontrar eclesiástico ou facultativo na capitania ou disposto e empreender a travessia.257
Não paravam aí as flagrantes desigualdades do convênio.
Os vinhos portugueses,
que constituíam a grande importação britânica, continuaram a gozar do direito
diferencial quando transportado em embarcações inglesas, oferecendo a Inglaterra como
equivalente a Portugal o tributar este mais as lãs que não fossem transportadas em
embarcações portuguesas,
o que estava bem longe de corresponder efetivamente a um favor recíproco porque as lãs também eram
todas transportadas em navios britânicos.
Também na Ásia — e a esse tempo já vimos que não era
destituído de
importância o intercâmbio entre Brasil, índia e China — a Inglaterra apenas
concedia a Portugal o tratamento da nação mais favorecida, enquanto Portugal
se obrigava a não fazer regulação alguma que pudesse ser inconveniente ou prejudicial
ao comércio e navegação dos ingleses nos portos, mares e domínios que pelo tratado lhes eram
franqueados. Nem era esta a mais palpável contradição em matéria de
reciprocidade, cuja falta
nada teria contudo de estranhável se se reconhecesse desassombradamente que as
vantagens comerciais e outras atribuídas aos ingleses tinham por fim corresponder ao
apoio eficaz, sob a forma de socorros de tropas e de empréstimos de dinheiro,
que Portugal estava recebendo da Grã-Bretanha para garantia e salvaguarda da sua
existência como nação independente.
Sendo total a desigualdade, não era entretanto
aparentemente completa.
Assim, podiam segundo o tratado estabelecer-se os ingleses em qualquer ponto dos domínios
portugueses, possuir bens de raiz, abrir lojas de retalho ou de atacado e
viajar livremente, da mesma forma que os portugueses nos domínios britânicos;
ao passo que os outros estrangeiros só podiam adquirir na Inglaterra, bens aforados por 99 anos
no máximo, não lhes era lícito abrirem lojas em Londres e, para desembarcarem,
estavam sujeitos à
inspeção e dependentes desde a Revolução Francesa do Alien Office, o qual possuía a
faculdade de negar licença sem processo legal.
Estas restrições administrativas, se bem que lhes fossem
igualmente infensas
a letra e o espírito do tratado, e que por dez ingleses idos a estabelecer-se no Brasil fosse um
português estabelecer-se na Inglaterra, não foram todavia publicamente revogados, como seria mister
tratando-se de
derrogação de leis e tratados. Em teoria, senão na prática, seguiram os ônus recaindo sobre os
súditos portugueses sem maior reclamação da legação ou embaixada em Londres, cuja recomendação se
fizera mesmo precisa para qualquer português obter da polícia inglesa licença
de residir nos domínios britânicos.258
Por outro lado os navios portugueses que estavam, aqueles
que demandavam as
praias inglesas, na proporção de 20 para 200 navios britânicos que se dirigiam para o
Brasil, continuaram a pagar na Inglaterra direitos de scavage e outros somente pagos
pelos navios estrangeiros — tendo eles no entanto sido em tudo equiparados aos nacionais
— sob pretexto de que eram direitos municipais, não podendo intervir nisso o
governo britânico.
O odioso do fato estava mais que tudo em que as taxas somadas, pagas neste
capítulo pelos portugueses (tonelagem, pilotos, certidão de medida, faróis, diques etc.), eram de muito
superiores às que pagavam os ingleses no Brasil.
Para cúmulo, sendo tão mesquinha a
produção dos estaleiros do Reino e por contra fabricando os britânicos todas
as unidades das suas marinhas de guerra e mercante, não se consideravam navios
portugueses, com título portanto aos favores da reciprocidade, os que fossem de
construção estrangeira, embora constituindo a maior parte da marinha mercante
do Reino:’ ‘e isto até [comentava Hipólito] com efeito retrógrado, compreendendo
os que estavam já comprados, e naturalizados portugueses, segundo as leis de Portugal,
ao tempo que se fez o tratado".
Segundo o tratado os monopólios — afora os
da coroa que eram os do marfim, pau-brasil, urzela, diamantes, ouro em pó,
pólvora e tabaco manufaturado — não teriam mais valor para os ingleses, isto é,
os não obrigariam mais daí por diante, existindo para eles, e para eles
somente, perfeita liberdade de comércio, não consentindo Portugal em companhia
alguma que lhes restringisse ou embaraçasse a faculdade de mercadejarem, e
cessando no seu interesse todos os privilégios, mesmo os da Companhia de
Vinhos do Alto Douro, criação de Pombal com que se reanimara no reino a cultura
da vinha.
Poucos anos depois do convênio
entrar em vigor, observava o negociante Tollenare259 que a franquia
dos portos — deveria também dizer o acordo de 1810 — prejudicara muito a
Companhia, sendo igualmente possível que não fosse exemplar a sua
administração. Os importadores tinham encontrado vantagem em mandarem vir
vinhos da Espanha e outros lugares, de preferência os do Porto, de sorte que
nos depósitos se acumulavam ruinosamente as colheitas. Em 1816 Tollenare viu
nos armazéns, sem venda, mais de 80.000 pipas.
Conservara a Companhia o privilégio
da exportação portuguesa para o Brasil, mas cessara o monopólio da importação
brasileira com a liberdade de tráfico, e com a abolição dos favores exclusivos
por efeito d: tratado desapareceram outras regalias. A Companhia, que adiantava
dinheiro aos lavradores a uma taxa moderada, antes comprava as colheitas pelo
preço que ela mesma fixava e tinha sozinha o direito de fabrico e venda dos
vinhos chamados de feitoria. O lucro do Estado residia especialmente na
manutenção das boas qualidades dos produtos, livres das adulterações a que
poderiam sujeitá-los os lavradores isoladamente, conservando-se portanto alto o
crédito da exportação nacional, que à poderosa Companhia convinha zelar.
.
As causas e processos dos ingleses corriam por juízo privativo, de nomeação dos interessados, como já
acontecia no reino e hoje ocorre na China, estipulando o artigo X do tratado com manifesta ironia, senão de intenção pelo menos de efeito, que em
compensação desse direito de exterritorialidade se observariam escrupulosamente as leis pelas
quais eram asseguradas
e protegidas as pessoas e propriedades dos vassalos portugueses residentes nos domínios do rei da
Grã-Bretanha "e das quais eles (em comum com todos os estrangeiros) gozam do
benefício pela reconhecida eqüidade da jurisprudência britânica, e pela singular excelência da sua
Constituição".260
O artigo XIV do
tratado referia-se à proibição de engajamento numa nação, de desertores da
outra nação, devendo os magistrados locais assistir na apreensão dos moços e marinheiros
desertores de navios eventualmente ancorados no porto estrangeiro. Simultaneamente versava sobre extradição de criminosos, fixando
como de índole a determinarem semelhante medida internacional a alta traição, falsidade e
"outros crimes de uma natureza odiosa” — expressão, comentava Hipólito nas suas excelentes considerações a respeito, muito vaga
e sem realidade de significação pois que, se na Inglaterra estatuiria sobre o caso e em perfeita
independência um tribunal
de justiça, em Portugal estaria tal interpretação à mercê do arbítrio de um secretário de Estado,
sobre o qual exerceria o representante inglês sua poderosa pressão. Na Grã-Bretanha o governo não
se sentia superior
às leis, enquanto que no Brasil um aviso ministerial tinha o privilégio de destruir na prática toda e qualquer legislação.
Por isso mais uma vez era sensível a desigualdade do convênio. Também no capítulo da tolerância
religiosa e da liberdade de consciência, que igualdade poderia estabelecer-se
entre os ingleses, que obtinham a faculdade de erigir suas capelas, sem forma exterior de
templos nem sinos muito embora, e proceder livremente as cerimônias do seu
culto ou cultos sem serem inquietados ou percebidos, e os portugueses aos
quais, concedendo aquela
tolerância e liberdade em matéria espiritual, nenhum favor novo outorgava o governo britânico?
A disparidade mais flagrante consistia sobretudo no fato
da Inglaterra
somente garantir comercialmente a Portugal o tratamento todo platônico da
nação mais favorecida, quando os produtos ingleses iam gozar nos portos
portugueses, se importados por ingleses, de um favor singular e exclusivo. Após o tratado,
pelo regime de virtual privilégio do comércio britânico, ficou sendo o seguinte o estado legal
das relações mercantis do Brasil: livres, as mercadorias estrangeiras que já tivessem pago
direitos em Portugal,
e bem assim os produtos da maior parte das colônias portuguesas; sujeitas à taxa de 24% ad valorem as
mercadorias estrangeiras diretamente transportadas em navios estrangeiros; sujeitas à
taxa de 16% as mercadorias
portuguesas, e também as estrangeiras, importadas sob pavilhão português; sujeitas à taxa de 15%
as mercadorias britânicas importadas sob pavilhão britânico, ou português. Esta última
disposição ainda foi posterior ao tratado, tomada por decreto de 18 de outubro de 1810 (o
tratado de comércio
e navegação era de 19 de fevereiro e igual data trazia o de paz e amizade) para não
prejudicar mais a navegação mercante do reino, contra a qual todavia se atentava gravemente pela disposição anterior.
Serviriam
de base principal à pauta as faturas juradas dos gêneros e os seus preços correntes no país importador.
Impusera lord Strangford como
condição sine qua non — mais depressa, declarava Linhares na memória apresentada ao príncipe regente sobre a
conveniência e vantagens do tratado,
rompendo todas as negociações do que cedendo coisa alguma nesse ponto — a admissão nos domínios portugueses
de todas as manufaturas inglesas
indiscriminadamente, com manifesto prejuízo das fabricas privilegiadas do reino e portanto da indústria
portuguesa. Gozavam, é verdade,
tais fábricas e continuariam gozando no Brasil da isenção de direitos de entrada e em Portugal da franquia de
matérias primeiras, mas em quantos
casos poderiam elas competir, em qualidade e preço do produto, com as excelentes e vastas fábricas inglesas?
Entretanto, apesar daquela franquia
indistinta, ficava pelo artigo XX do tratado vedado introduzirem-se na Inglaterra — a não ser para
reexportação e sujeitos a encargos de armazenagem, dique, medições e peso, tanto na chegada
como no despacho
para fora — produtos dos mais importantes do Brasil, o açúcar e o café entre outros.
A par de tantas desigualdades havia, à guisa de
compensação, disposições
de uma reciprocidade cômica, como a do artigo XXI, que dava gravemente ao príncipe regente de
Portugal a faculdade de impor direitos proibitivos sobre o açúcar, café e outros gêneros coloniais a
serem importa"" das possessões britânicas, formulando-se assim a hipótese um tanto extraordinária
de entrarem em concorrência com os nacionais semelhantes artigos estrangeiros, de que no
Brasil existia superabundância para o consumo
local.
Também no tratado simultâneo de paz e amizade se
continha como disposição
muito liberal e proveitosa que a Inquisição nunca seria introduzida no Brasil, onde até então
não fora criada, conforme aconteça em
Goa, indo os judeus brasileiros dar pasto e abrilhantar os autos de fé de Lisboa. Em 1810, porém, já essa instituição
do século XVI estava praticamente extinta, mesmo em Portugal, onde não
tardaria a desaparecer de todo como uma das primeiras medidas da revolução
triunfante de 1820,
não conseguindo galvanizá-la a reação ulterior.
Deixava,
pois, de ser positiva para aparecer irrisória semelhante vantagem, encerrada no meio de um
convênio pelo qual a corte emigrada renovava em sua nova sede os tratados da
aliança que desde quatro séculos existia entre as duas nações, desmanchada apenas um
momento debaixo da
pressão napoleônica, mas logo reatada, obrigando-se mesmo Portugal pelo artigo IV do tratado de paz e amizade
"a inteirar as perdas e defalcações de propriedade, sofridas pelos vassalos do rei da
Grã-Bretanha em conseqüência
das medidas que a coroa de Portugal fora constrangida a tomar no mês de novembro de 1807".
Como
de tudo quanto faz no domínio internacional, costuma a Inglaterra avisadamente tirar
cabedal, não contente com as muitas concessões do tratado de comércio, foi naquele outro tratado de
paz — convênio político
e não mercantil — que lord Strangford arranjou maneira de inserir uma cláusula
facultando à Inglaterra, em recompensa dos grandes serviços prestados à família real
portuguesa pela marinha real inglesa, o referido privilégio de "fazer
comprar, e cortar madeiras para a construção dos seus navios de guerra, nos bosques, florestas
e matas do Brasil (excetuando nas florestas reais, que são designadas para uso da marinha portuguesa), juntamente com
permissão de poder fazer construir, prover ou reparar navios de guerra nos portos e baías
daquele império".261
Os restantes artigos do tratado de comércio e navegação
diziam respeito à nomeação e aprovação dos cônsules; reciprocidade no
tratamento e honras
dispensadas aos embaixadores e ministros dos dois países; estabelecimento de paquetes para
fomento das relações mercantis;262 privilégio estendido aos
negociantes ingleses de serem assinantes para os direitos que tinham de pagar nas
alfândegas portuguesas, sem reciprocidade porque nas alfândegas inglesas não era conhecido
semelhante favor, nem mesmo para os nacionais; enumeração do que, consoante o direito das gentes e a interpretação acordada,
constituía contrabando de guerra; restituição dos salvados, assunto em que a velha legislação
portuguesa era mais liberal e humana do que a inglesa, a qual ainda em certos casos reconhecia direitos reais e territoriais,
isto é, dos donatários das terras, aos bens naufragados; punição de piratas; finalmente direito
às partes contratantes de revisão do
tratado ao cabo de 15 anos.
Até terminar a nova discussão, nesse caso de apelo à revisão, ficaria
suspensa qualquer cláusula a que se fizesse objeção e de que se desejasse alteração. Isto não abolia contudo a perpetuidade das obrigações e não
extinguia portanto
expressamente* as vantagens de que se encontrasse de posse a parte aquinhoada ou julgada
tal pela outra, podendo aquela com boa razão pedir equivalência pela sua desistência ou renúncia
de favor. E esta compensação
seria fatalmente concedida porque, como Hipólito escrevia ao rematar seus
judiciosos comentários ao tratado,263 uma nação fraca e dependente como Portugal,
negociando com a poderosa Inglaterra, sua protetora pela força das circunstâncias, não lograria
escapar ao jugo pelo subterfúgio da suspeição indefinida da cláusula posta em debate.
Os
efeitos imediatos do tratado, não obstante sua palpável injustiça foram benéficos para o Brasil no
sentido que aí fizeram baixar o preç: da vida. Por isso ponderava o ministro Thomas Sumter264
que "em resumo
e tudo considerado, portugueses e ingleses julgavam [ele próprio concordando]
ser o tratado favorável ao Brasil". A 21 de maio explicava porque, noutra comunicação. O
comércio do Brasil com a Inglaterra estava. sendo, nas circunstâncias predominantes, muito lucrativo
para a primeira parte,
achando-se os portos brasileiros inundados de mercadorias britânicas que eram vendidas muito
baratas, por atacado segundo o sistema de venda inglês, e pagando-se os produtos exportados do país
por preços mesmo superiores
aos que devia permitir a tabela vigente no Reino Unido, simplesmente pelo fato dos
negociantes ingleses no Brasil, geralmente ligados com casas de comissões e
armadores, zelarem os lucros destes sócios em detrimento dos seus
consignatários. Chegava o representante dos Estados Unidos a afirmar que a Inglaterra não derivava
um lucro positivo do seu tráfico
comercial com o Brasil.
No
entanto, o tratado entregou aos ingleses o exclusivo de tais relações mercantis.
Tollenare, malgrado o seu faro do ofício, menciona nas suas observações que, a não ser
para alguma modista, costureira, seleiro, fabricante de carros, destilador e armeiro-serralheiro, e
talvez para algum professor
de línguas, de música ou de desenho, não descobria no Recife oportunidades de vida para franceses; a não ser também
que, dispondo de um pequeno capital para a compra da terra e dos negros,
quisessem ir plantar algodão a trinta
léguas para o interior. Os engenhos de açúcar requeriam grande capital, e no comércio existia, para empregados, grande
dificuldade de colocação porque o
serviço se fazia sem caixeiros, com um homem de confiança e alguns
trabalhadores braçais, e para lojistas, um futuro
muito problemático, visto os armazéns preferirem todas as mercadorias inglesas,
já conhecidas e demais favorecidas pela tarifa, e os exportadores ingleses já terem seus consignatários
habituais.
Eram estas as naturais conseqüências da posição
conquistada pelos ingleses,
constituindo além disso "o tratado de 1810 um obstáculo a apertarem-se quaisquer laços comerciais
com outros países. Um dos fins da missão Luxemburgo em 1816 foi precisamente
buscar os meio de promover o tráfico entre a França e o Reino Unido de Portugal e Brasil, nada
logrando obter o
duque embaixador porque Barca logo lhe declarou que o governo português pretendia, antes de
pensar em conceder novos favores, regular sobre um plano uniforme as relações mercantis das
diferentes partes da monarquia entre si. Só depois se poderiam regular essas
relações com as potências
européias por meios de tratados de comércio, queixando-se a tal propósito o ministro de Dom João VI de que o convênio de 1810,
"imposto pela
Inglaterra", impossibilitara o comércio do Brasil com o resto da Europa, colocando-a inteiramente nas
mãos dos ingleses.265
Consolava-se
o embaixador de Luiz XVIII do seu mau êxito teórico com o anterior e maior malogro dos ingleses na
prática, repetindo o que já sabemos ser verdade sobre não haver correspondido o Brasil, como mercado para manufaturas européias,
as esperanças nele depositadas com a abertura do portos e a trasladação da
corte, sendo no geral pouco felizes as limitadas especulações tentadas.
"Os pormenores que a este respeito recolhi colocarão V. Ex. em posição de julgar se não será prudente
entravar esse impulso da nossa indústria
e dirigi-lo num sentido em que ela se ache
menos exposta às perdas que aguardam os negociantes indiscretos que a avidez arrastará ao Brasil sem terem
previamente tomado as informações e os conselhos da experiência."266
Por
um lado, pois, não era tão grande mal que as vantagens de tratamento a que a indústria francesa
aspirava lhe fossem regateadas, ou melhor, recusadas. "Por outro lado,
ajuntava Luxemburgo, o sistema aduaneiro em vigor é por forma tão odioso, e vexatório, que a
fortuna dos negociantes
andará sempre comprometida enquanto não forem dados aos cônsules nos tratados os meios
de protegê-los contra semelhantes abusos. Este ponto é porventura mais importante do que o da
diminuição dos direitos;
a avaliação legal das mercadorias modificou tanto a enormidade das taxas, que o lucro ainda
seria imenso se não tivessem os negociantes que lutar contra os privilégios dos ingleses, os quais alcançaram
ser melhor aquinhoados do que os próprios portugueses. Resultou desta última circunstância uma espécie de
animosidade que poderá ser-nos muito vantajosa quando possuirmos um bom tratado de comércio e
que um minis-lério
menos indolente e mais esclarecido imprima uma melhor direção aos negócios do Brasil."
O momento, todavia, não era dos piores, pois que
estava Barca com os negócios estrangeiros, tendo deixado as" três pastas
de reduzir o velho Aguiar "que nem a
rã esmagada com a pata de boi", e não se havendo ainda recorrido ao
"estuporado" J. Paulo Bezerra.267
É
fato que a avaliação, segundo notava Luxemburgo, alterava extraordinariamente o rigor da tarifa, o
qual podia converter-se em lenidade se fosse baixa aquela avaliação. Ao ocupar-se com os novos
tratados de Portugal com a Inglaterra, observava Palmela268 que
"a experiência tinha demonstrado, enquanto vigorou o tratado de 1810, o
inconveniente que para nós resultava de um método, que dava lugar a fraudes incessantes
na fatura dos
gêneros, fraudes em virtude das quais o direito de 15% ficava sendo nominal e não se percebia de fato dele mais que a
metade ou ainda menos. Quando nas nossas
alfândegas se queria obviar a tais fraudes, isso dava logo lugar a reclamações
diplomáticas".
Também, como os 15% cobrados aos ingleses eram orçados de acordo com os preços estipulados na
pauta e não tanto conforme o valor corrente dos gêneros, do declínio dos preços poderia às
vezes resultar que os direitos aduaneiros representassem realmente 25%. Por
isso tinha havido desde
as negociações uma troca de concessões. A Inglaterra abolira as taxas sobre mercadorias
armazenadas nos seus portos para reexportação, c o Brasil diminuíra consideravelmente a avaliação
segundo a qual se arrecadavam nas suas alfândegas os direitos sobre as importações inglesas.
Dos artigos exportados pela França muitos não se achavam naturalmente
na pauta vigente, a qual era defeituosa, de sorte que eram avaliados pelos peritos. Estes,
desdenhando as faturas e tomando por base c preço da venda a retalhos nas lojas do Rio, sem se
quererem recordar de que tais preços já ocasionalmente estavam sobrecarregados
em 48%, pelas
próprias avaliações anteriores, assim se cobrando uma taxa sobre a taxa mesma, tributavam aqueles
artigos em 40% algumas vezes, e outras. vezes em quantia até superior ao valor real da
mercadoria.269 Nem assistia aos franceses a faculdade, alcançada pelos ingleses no
tratado de 1810, de
em casos tais abandonarem as suas importações à alfândega pelos preços por esta arbitrados.
Dir-se-ia que o tratado não esquecera pormenor algum vantajoso a: comércio inglês; e, contudo, um
tanto desiludido dos ganhos previstos pela sua diplomacia e especulando com a proteção que aos interesses
polacos da
monarquia portuguesa andava dispensando, pretendeu o governo britânico nos anos
imediatos e por intermédio da legação do Rio, obter com a abolição da Companhia
Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, extremamente defendida por Dom João VI, a liberdade absoluta e incondicional — livre e
irrestrita permissão como dizia a versão oficial — para os súditos ingleses de negociarem,
exportarem e fabricarem vinhos, vinagres
e aguardentes.
Ao
governo português não convinha absolutamente a caducidade da sua concessão. Os
processos da Companhia eram talvez vexatórios bastante para o produtor,
cerceando-lhe a concorrência no dispor do seu artigo, mas com eles lucrava,
como ficou dito, o renome do produto, beneficiando-se assim indiretamente tanto a lavoura como o
comércio. Demolir
a criação do marquês de Pombal seria pelo menos abrir francamente o campo às adulterações.
Lord
Strangford argumentou sofisticamente com a letra do tratado de 1810, conforme a qual nenhum
monopólio ou privilégio devia embaraçar o tráfico futuro entre os dois países
acordantes. O governo do Rio pretextava, porém, que justamente ali se tratava do futuro,
não tendo a disposição
aplicação ao presente, aos contratos já existentes ao tempo da celebração do convênio; nem por
outro lado referência a causas agrícolas e tão somente a franquias comerciais.270 Esta
foi, muito poucos dias antes da sua morte, a linguagem de Galvêas e, dois anos atrás, a 3 de
dezembro de 1811,
fizera Linhares ao ministro britânico declarações peremptórias com relação à
Companhia do Alto Douro, negando que jamais tivesse o príncipe regente tido
intenção de aquiescer à exigência britânica e levando Strangford a confessar que, no decurso das
negociações para o tratado, se não aventurara a querer incluir expressamente a Companhia
entre as abolições
porque sabia que semelhante pretensão seria formalmente rebatida.
É de notar que os negociantes ingleses podiam comprar
quanto vinho quisessem à Companhia,
"até mais barato do que os portugueses", e que na Inglaterra, sendo o tratado baseado na letra, quando não no espirito,
sobre uma perfeita reciprocidade, tinham continuado a vigorar a conhecida Companhia da índia e outras que
funcionavam anteriormente aos ajustes de 1810.
Outrossim
reclamou a Legação Britânica, recorrendo-se dos mesmos argumentos, a abolição dos
contratos reais do sabão, das cartas de jogar e da aguardente de cana,
replicando-lhe o conde das Galvêas que o primeiro andava desde 1766 anexado ao
contrato do tabaco, e este explicitamente excetuado no tratado de 1810; que o uso das cartas
de jogar estava defeso pelas Ordenações do Reino, só se excluindo da proibição
as manufaturadas por estanco real, e que o terceiro se não podia qualificar de
monopólio de compra e venda, apenas de arrecadação
de rendas reais produzidas
pelos impostos e subsídios, estabelecidos sobre o referido gênero.
Um tratado de comércio como este, tão extenso, variado e
inovador, bolia com
tantos interesses e alterava tantas coisas, que se podia bem esperar que suscitassem
dificuldades e despertassem discussões quase todos os seus artigos. Choveram
com efeito as reclamações, que pejam os livros de correspondência com a legação
de Londres, provenientes tanto dos negociantes portugueses em Inglaterra, como do comércio do
reino, como dos próprios negociantes
ingleses.
É contudo de ver que, pedindo muito e pedindo sempre,
pela voz do seu
representante oficial ou pela dos particulares interessados, se não prestava a Inglaterra do seu lado a
corresponder com boa vontade às reclamações portuguesas, invariavelmente entendendo a seu jeito
a reciprocidade. Assim, havendo o Alien Bill sido outra vez votado por
dois anos em 1816, como
medida de conservação contra as doutrinas revolucionárias e de segurança contra os estrangeiros
perturbadores de ordem, somente "deixando aos lesados queixosos de procedimentos vexatórios
e injustos o recurso ao Conselho Privado Britânico", nada logrou novamente obter em favor
dos aliados da Grã-Bretanha a Legação Portuguesa em Londres. Cipriano Ribeiro Freire
é quem dirigia ao marquês de Aguiar as seguintes palavras: "… as maiores instâncias e
diligências que fiz, para que os nacionais portugueses fossem excetuados das regulações desta
lei foram sem efeito, como não sendo possível nem praticável fazer exceção de potência alguma
sem ofensa das outras, em uma medida de preservação própria, primeira das leis naturais e sociais".271
Logo depois de divulgados e postos em execução os tratados de 1810. vários tópicos dos comerciais
tinham entretanto sido prontamente julgados inconvenientes, abrindo-se, para os modificar, novas
negociações promovidas
pela corte portuguesa, desta vez em Londres. O governo do Rio não esperou porém o resultado dos esforços diplomáticos do seu embaixador Funchal para publicar, aos
26 de maio de 1812,272 um alvará com força de lei em retaliação dos direitos de scavage
e outros que continuaram pagando na Inglaterra os navios portugueses,
apesar de equiparados pelo convênio aos
nacionais, sobre que não recaíam tais taxas.
O citado alvará estabelecia direitos de saída de 4%, além do aluguel do armazém e despesas do guarda,
sobre os gêneros britânicos reexportados: os direitos seriam mesmo de 5% para os produtos que
não fossem britânicos,
ou pertencentes a negociantes britânicos, o que prolongava o regime de favor até na
retaliação. No alvará também se fixava o tempo da armazenagem e se criavam penas
para as embarcações que extraviassem mercadorias
constantes do livro de carga ou de portaló.
A resolução tomada pelo gabinete português produziu no assunto salutar efeito, pois que no acordo
relativo a pontos de importância, verdade é que secundaria ao lado das mais
evidentes contradições de reciprocidade, a que chegaram em Londres os comissários portugueses
e ingleses no fim de
1812 — e no qual aliás mais se agravou em algumas matérias a falta de reciprocidade — ficou
estipulado que os direitos chamados municipais
e os pagos à corporação dos pilotos (Trinity House) continuariam a ser cobrados, restituindo-se, porém, a
diferença quando se verificasse haver
o negociante português desembolsado mais do que o britânico. Em correspondência o governo do Rio suspendia o
alvará de 26 de maio de 1812 na
parte referente à cobrança do novo direito de reexportação, ficando em
execução a prática anterior, a saber, os 4% sobre a baldeação.
Compensação nacional para as desvantagens de um tratado que tanto
favorecia o comércio de uma nação estrangeira, julgou o governo de Dom João VI achá-la na liberdade de comércio
estendida a todos os domínios portugueses da África e da Ásia,273 abrindo-se os seus
portos ao tráfico
direto com os outros portos da monarquia, não só com a metrópole, "para que, por este
vasto e geral sistema de comércio, se reproduzam novos meios de correspondência e relação entre
os meus vassalos, residentes
nos importantes e preciosos domínios que possuo nas mais felizes e ricas paragens do globo".
"A posição geográfica do Brasil por si mesma —
ajuntava o alvará, já referendado por Galvêas quando, após a interinidade de
Aguiar, substituiu Anadia na pasta do
Ultramar a que andavam juntos os negócios do
Brasil —, a mais favorável e apropriada para se constituir o empório ao comércio de entreposto entre a Europa e
Ásia." De fato, porém, tinham-se
descurado os melhores interesses
do comércio nacional e a ligação prática,
não somente teórica, das várias seções da monarquia num apertado quase mercantil,
nem se conservando para os vinhos portugueses o merca-o exclusivo do Brasil,
nem facilitando e garantindo, por meio de regulamentos adequados, ao açúcar brasileiro o mercado
exclusivo de Portugal, sano para consumo como para reexportação livre de
vexames.
Noutros artigos
notava um periodista da época uma disparidade clamorosa e funesta: nos chapéus, por exemplo, indústria já muito portuguesa,
gravada na saída do reino com direitos de consulado no valor de 15% e a taxa sobre fábricas de 3% e não podendo
portanto competir com a inglesa, e da mesma forma nas chitas, que pagavam em
direitos da Casa das Índias,. manufatura
e consulado ou saída, 7% mais do que as inglesas.
Antes do tratado de 1810, logo que foram abertos ao comércio estrangeiro os portos, os vinhos,
licores espirituosos e azeites eram tributados em 48% em vez de 24%, mas todas as mercadorias
transportadas em navios
portugueses por conta de súditos portugueses pagavam um terço menos de
direitos. Não admira portanto que o convênio com a Inglaterra fosse
nacionalmente considerado um desastre pelos espíritos imparciais, e que outras nações que contavam
tirar grande partido do comércio livre, o mirassem de soslaio como envolvendo um prejuízo
positivo.
Ainda as nações européias andavam todas por esse tempo
muito ocupadas com
as guerras continentais: os Estados Unidos, porém, que, assim que o príncipe
regente chegou ao Brasil, mandaram ao Rio um brigue de guerra com o cônsul nomeado para a Bahia,
Mr. Henry Hill, encarregado
de saudá-lo em nome do presidente americano por ter posto pé no continente ocidental que
lhes era comum, se não podiam reconciliar
com a idéia que as primitivas trocas de amabilidades e expressões de simpatia não conduzissem a um tratado, pelo
menos sobre a base da nação mais favorecida.
Nem
as exigências da situação comercial eram de natureza a justificar os favores exclusivos
concedidos à Grã-Bretanha. O açúcar brasileiro podia bem encontrar nos Estados Unidos um mercado
amplo e seguro, que
insuflaria nova vida à sua produção à custa do açúcar das índias Ocidentais Inglesas, e por outro
lado as regalias de ordem moral e alcance civilizador facultadas pela Grã-Bretanha, constituíam
lei vigente na América
do Norte. "Entre outras circunstâncias que não escaparam a vossa notícia, rezava um despacho do
secretário de estado ao ministro Sumter,274 descrevereis a liberdade de
residência e de tráfico existente nos nossos portos de mar e no interior do país; a eqüidade das
nossas leis municipais; a universal tolerância que entre nós prevalece em
matérias religiosas; a
barateza, extensão e espírito de empreendimento da nossa navegação; a
importância de cedo se assegurar a amizade de uma nação numerosa, crescente e industriosa,
habitando o mesmo continente; a total improbabilidade de futura aparição de
interesses em conflito, com relação ao intercurso
com outra qualquer parte do mundo."
Preso à Inglaterra pelas disposições leoninas do tratado de 1810, e não achando modo de eximir-se
dessas obrigações, procurou o governo português ressarcir suas perdas acentuando em sua
legislação aduaneira a
tendência protecionista, da produção e do transporte, que estava sendo comum a todas as nações cultas.
Pelo decreto de 2 de maio de 1818 foi a imposição dos direitos aduaneiros ampliada a todas as
importações sem exceção, mesmo pertencentes à família real, sendo declarados suspensos
por 20 anos todos os privilégios e isenções. Os vinhos estrangeiros foram tardiamente onerados no triplo
dos portugueses; a aguardente estrangeira em duas e meia vezes mais. Cada
arroba de carne seca exportada em navio estrangeiro passou a pagar 600 réis; em navio
português 300 réis. Os direitos sobre todas as mercadorias portuguesas baixaram de 16 para
15%, ficando assim
equiparadas às inglesas e até entraram as manufaturas da metrópole a gozar para a sua
importação no Brasil de uma redução de 5% a título de prêmio, decretando-se igual favor para os
gêneros estrangeiros
importados em navios portugueses. As produções asiáticas passaram a pagar 3 em vez de de 8%. Estabeleceu-se uma taxa
de 2% sobre a exportação de artigos de ouro
e prata, diamantes polidos e outras pedras preciosas, e bem assim, sobre todos
os artigos de comércio que até então
não pagavam direito fixo, regulando-se embora diferentemente este direito segundo as pautas dos vários portos. Era
tal taxa um equivalente dos direitos de consulado que semelhantes artigos
pagavam nas alfândegas portuguesas e que foram então abolidos, sendo ao mesmo
tempo declarada livre a
reexportação dos portos do velho reino. No Brasil os escravos e mercadorias de todo o gênero importadas e
depois reexportadas pagariam antes um direito de consumo.
Tudo isto significa indubitavelmente um começo de libertação do comércio nacional da tirania
inglesa e uma tentativa séria de proteção ao sistema mercantil luso-brasileiro.275
De resto, se os efeitos imediatos do tratado que tamanha celeuma levantou, tantas imprecações
valeu a Linhares e
ficou na história diplomática como um modelo de convenção leonina, foram em grande parte vantajosos
ao Brasil pelos motivos indicados, seus resultados permanentes sabemos também que não foram
afinal tão vantajosos para a Inglaterra
como se podia ou queria imaginar.
O comércio britânico ganhou individualmente em alguns casos, fazendo-se fortunas à sombra dos
favores outorgados de nação a nação, mas perdeu consideravelmente em outros casos. Coletivamente
não lucrou bastante,
já por causa de especulações intentadas e que se baseavam na repentina abertura de um mercado
novo, erroneamente antecipado mais importante do que efetivamente resultou; já por causa dos
prejuízos experimentados na venda dos oscilantes produtos recebidos do Brasil
em troca das
importações inglesas; já pelas perdas ocasionadas pelos créditos a prazo imito extenso concedidos pelos
comissários ingleses, e que atrasavam as operações mercantis, favorecendo também as especulações
dos mercadorias a
varejo com os retalhistas. Em 1820, ano que precedeu o regresso da corte, existiam no Rio de Janeiro
uns sessenta estabelecimentos ingleses e muito naturalmente a concorrência entre eles
determinava maiores prazos para os créditos, chegando alguns a dezoito meses.276
Se ajuntarmos àquelas circunstâncias particulares a da
geral e progressiva
depressão comercial que se verificou na Inglaterra depois da paz, quando começou o escoamento das
mercadorias acumuladas durante o bloqueio continental, sem que pudesse por isso mesmo
manter-se uma produção
igual à anterior, resultando de semelhante estado de coisas muitas falências, motins provocados
pelos operários sem emprego despedidos das inúmeras fábricas, uma situação em resumo de
descontentamento, miséria e desordens em vez do sonhado reinado da abundância, ficaremos bem persuadidos de que o mercado
brasileiro não constituiu para o capital britânico uma mina copiosa de juros.
Além disso, por mais desigual que lhes corresse o
tratamento, não deixaram
os franceses de aparecer como rivais. "De alguns dos portos da França —
escrevia Marrocos à irmã277 — têm aqui chegado alguns navios, com muitas modas, enfeites
e bugiarias, mais baratas que as inglesas, de que estes desesperam, pois
queriam só para si o interesse; e ainda esta semana aqui tive em minha casa
três vestidos de seda, bordados de palheta de prata, para ajustar, mas achei
muito caro o preço de cada ura, que era de cinco doblas. É provável que aí tenha
aparecido o mesmo com igual
abundância. Já vão aparecendo aqui muitos franceses, que são conhecidos pelo tope branco; mas eu
não sei pelo que, ainda lhes conservo tal aversão, que não posso olhar direito
para eles; e para mim ficou sendo nação
detestável."
Calculava Henderson que no referido ano de 1820 não menos
de 200.000 libras
de propriedade britânica se achavam empatadas nos fornecimentos a crédito, e
eventualmente sujeitas a demandas sempre demoradas e as mais das vezes ruinosas, complicadas,
como não deixava de ocorrer, com embargos, vendas fictícias e o moroso andamento de uma justiça
dúbia. Afora esta
paralisação de capitais, envolvendo sérios riscos, não raros eram os abusos graves que
se davam com a pauta aduaneira que devia regular os direitos de importação ad valorem, apesar
das precauções tomadas.
A
pauta em vigor marcava para certos artigos taxas fixas, quando eram flutuantes seus preços: com a
tendência geral para a baixa predominar:: nos centros fabris ingleses, artigos havia que na
realidade estavam pagado no Brasil, em vez do direito de favor do tratado, 25
e 3097o. Outras e zes
era o caso que a pauta não atendia suficientemente às diversas qualidades de um
dado gênero, como por exemplo madapolões ou cambraias, cobrando-se taxa igual sobre a
qualidade fina e sobre a ordinária, o que fazia
com que esta chegasse a pagar efetivamente 40% de direitos.
Diriam os numerosos descontentes que ainda eram fracas
tais atenuantes
para a falta absoluta da reciprocidade que deveria caracterizar um tratado que
sobre ela se proclamava baseado. Se abusos como os apontados se davam do lado
português, em compensação outros piores se
praticavam do lado inglês. Assim, os navios portugueses pagavam por tonelada na Inglaterra cerca de 2,200 réis,
quando os navios ingleses pagavam
uma bagatela de taxas em alguns portos portugueses e em outros coisa
alguma.
Os vinhos portugueses, que pelo tratado de Methuen
gozavam do favor
de um terço sobre os direitos pagos pelos vinhos franceses, tinham chegado a ser onerados por pipa, de
11 libras que tanto era o imposto aduaneiro percebido logo depois do convênio de 1703, com 54
libras que tanto viera
a ser o imposto cobrado em 1814; ao passo que as lãs inglesas tinham entrado
para o regime comum dos 15%, lançados depois de 1810 sobre as importações britânicas.
Entretanto Portugal possuía pelas cláusulas do referido tratado de Methuen a faculdade de até
proibir a introdução de semelhantes fazendas, no caso de se alterar alguma
coisa no existente que redundasse em
prejuízo dos seus vinhos.
O auction duty ou taxa de leilão era um direito adicional de 5%
lançado sobre as fazendas estrangeiras vendidas na Inglaterra em almoeda. Do
seu pagamento estavam excluídas apenas, antes da guerra de 1812-13, as fazendas americanas, não as
portuguesas, não obstante a cláusula da nação mais favorecida de que desfrutava
Portugal e de não ser cobrado tributo análogo nas alfândegas de Portugal e
Brasil.278
O redator do Português calculava em milhões de
cruzados a diferença que se poderia obter de lucros com o restabelecimento de
uma verdadeira reciprocidade, desvirtuada e apregoada por tão manifestas
desigualdades.
Mediante essa diferença se poderia robustecer o erário público, vazio ao ponto acerbamente
comentado pelo citado periódico, de oficiais da marinha real terem que mendigar por não
receberem seus soldos, e de funcionários civis buscarem na desonestidade o que
lhes escasseava em adequada remuneração. Os abusos, porém, tinham-se criado à
sombra do regime e
a sua extirpação radical significaria a morte do mesmo regime. A corrupção medrava escandalosa
e tanto contribuía para aumentar as despesas, como contribuía o contrabando para diminuir as
rendas. No velho reino acoutavam-se nos
palácios da fidalguia ninhos de contrabandistas, que eram os próprios criados da casa, por vezes
partilhando os amos dos
seus ganhos ilícitos. Foi a prevaricação, que era a essência mesma da administração portuguesa, que
adulterou os fins da função do Banco do Brasil nessa época, fazendo do estabelecimento uma
simples sucursal do Tesouro
para emissão das notas com que cobrir as necessidades do Erário, quando fora destinado a
facilitar as transações comerciais que a abertura dos portos devia alargar, organizar o crédito
bancário com a multiplicação dos escassos capitais, e dar incremento à
agricultura brasileira.
No tocante ao convênio com a Inglaterra, o modus
faciendi é que foi censurável, não a idéia em si de um tratado de comércio que tinha de
fazer-se porque era
até necessário habilitar o Brasil, que não possuía fábricas, a receber as
manufaturas exigidas para seu consumo, as quais que anta lhe chegavam pelos portos de
Lisboa e Porto, então fechados ou quase ao comércio marítimo do norte. Não
menos necessário era promover a exportação dos produtos agrícolas do Brasil, sendo
forçoso encontrar para
eles mercado direto, na falta das praças intermediárias e mesmo do mercado da metrópole. A colônia não
podia ser sacrificada sem piedade, a luz
mesmo dos interesses portugueses.
Considerada pois isoladamente da de Portugal, a situação
comerei do Brasil
lucraria com qualquer acordo mercantil que se tornasse o complemento da profícua abertura
dos portos ao tráfico estrangeiro. À calônia egoistamente tanto importava que com tal tráfico
enriquecessem ingleses
como portugueses da metrópole, e estes eram os que verdadeiramente sofriam com a perda do
antigo monopólio, cuja conservação não sem razão consideravam vital. Para o Brasil o essencial
era estabelecer relações comerciais diretas com outros países e ativá-las o
mais possível melhor
lhe resultando ainda assim de toda a falta de reciprocidade do convênio
Strangford-Linhares do que da decaída tutela nacional, que obstava qualquer desafogo autonômico.
O fato
feria os próprios observadores do tempo mais interessado no prolongar, se não perpetuar a
condição de vassalagem econômica da possessão. Ao mencionar como uma medida altamente vantajosa
o decreto emancipador da Bahia, de 28 de
janeiro de 1808, não pôde esquivar-se a admitir um cronista do tempo:
"Deste modo não intervindo os negociantes,
e as barras de Lisboa, e do Porto, chegavam as coisas de fora mais baratas,
e saíam as da terra mais caras, do que antigamente. Por outra parte com a chegada de muitos navios mercantes
não podia haver falta dos artigos comerciais estranhos, e aumentando-se
com a esperança do maior lucro a Agricultura
do país, devia ser grande a abundância dos gêneros destes. Tudo assim logo
sucedeu. Foi mais o tabaco da Bahia, o café do
Pará, e do Rio de Janeiro, o arroz do Maranhão, o algodão deste, e de Pernambuco, o açúcar deste, e da Bahia, e a
madeira, a courama das capitanias marítimas."279
Voltando ao assunto, escreveu ainda o mesmo cronista
coevo: "Ora disto
proveio ser o comércio com os estrangeiros muito grande por virem logo muitos navios mercantes
carregados da Grã-Bretanha. Os portugueses do Brasil tiveram também logo o cuidado de aumentarem
o número de navios
nacionais deste exercício, pelo modo, e com a presteza, que lhes foi possível. Enfim chegaram a
pouco, e poucos navios de outras nações; e se viram fazendas, e diversos panos, alguns muito
estimáveis, todos naquela
abundância, em que antes não apareciam, e todos também por preços mais cômodos, do que aqueles,
porque em outro tempo se vendiam. O mesmo sucedeu com a manteiga, queijos, bacalhau e
outros gêneros."
A obra política do conde de Linhares foi portanto
benéfica ao Brasil, mesmo
em seus aspectos menos defensáveis, por avessos à eqüidade de um pacto internacional e aos
exclusivos postos que legítimos interesses da metrópole.
269
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