Resenha
do livro A caminho da linguagem, de Martin Heidegger
HEIDEGGER, Martin. A caminho da
linguagem. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback: Petrópolis, Vozes,
2003. ISBN: 85-86965-65-0
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens[*]
Sob o título de A caminho
da linguagem (Unterwegs zur Sprache), encontramos alguns dos textos
de maturidade do filósofo alemão Martin Heidegger apresentados na forma de
conferências ou redigidos como ensaios durante a década de 1950 (estes, reunidos
tal como sua primeira publicação em 1959). Nestes escritos temos Heidegger
ocupado em tratar a linguagem como questão do pensamento comprometido com a
verdade. Contudo, este problema no momento aparece de maneira diversa daquela
presenciada nos escritos da década de 1920, como em Ser e tempo, um de
seus principais livros (no qual Heidegger ainda operava com o método
fenomenológico, tratando a linguagem como algo ainda sobreedificado à noção de
verdade). Em A caminho da linguagem, encontramos um reposicionamento do
autor diante de sua compreensão feita; apontando a linguagem como a essência
originária da verdade e abertura de sentido ao homem.
O tema da linguagem é
tradicional à filosofia, estando presente já entre os gregos antigos, possuindo
implicações com noções fundamentais ao pensamento ocidental, como a realidade,
verdade, compreensão etc. Conceitos cujos desdobramentos repercutem em toda
história, entretanto carentes de um pensamento que assuma para si a tarefa de
dar visibilidade às implicações que estas noções possuem com a filosofia, em
seu exercício contínuo de determinação da verdade das coisas que efetivamente
são.
Heidegger cria acessos
entre o pensamento, a linguagem e a realidade. Por isso, estes escritos de
filosofia, como o próprio autor fez questão de ressaltar, deveriam ser pensados
como “caminhos” possíveis para uma experiência pensante da linguagem,
reveladora de sentido. A metáfora do caminho é elucidativa, pois faz com que
pensemos a linguagem através de algo aberto por ela própria e que nos envia à
ela mesma. Isto nos permite constatar que todo discurso possível ocorre a
partir de uma experiência primeira de linguagem, experiência que o pensador
trataria por “originária”.
Entre estes
textos-caminhos, observamos o autor tratar da linguagem poética, enfocando esta
manifestação não como um recuso estilístico, mas a indicação subministrada do
fenômeno de já estarmos sempre desde a linguagem, mesmo quando pensamos ou
dissertamos teoricamente sobre ela. O que faria que uma lida objetivada da
linguagem, possível a partir da linguistica, já fosse algo epigonal ao advento
da mesma. Assim, o recurso feito pelo autor aos temas relativos à poesia não
consiste em uma esquiva a essa lida objetiva, mas em modos de abordá-la a
partir daquela que é a sua dimensão mais profunda, não a função de asserção ou a de comunicação, mas a de celebrar o acontecimento das coisas
que verdadeiramente são.
O livro traz seis textos,
dentre os quais é preciso que se ressalte pelo menos três, devido sua
importância: o primeiro, o ensaio A linguagem na poesia,
publicado avulso pela primeira vez em 1953 sob o título de Georg Trakl: uma
colocação sobre sua poesia. Neste texto, Heidegger comenta o autor
austríaco investigando o ‘lugar’ próprio da linguagem na experiência poética do
literato, conhecido pelos críticos como o poeta da immagine vaga e do
silêncio.
O segundo texto ressaltado é De uma conversa
sobre a linguagem entre um japonês e um pensador, reprodução do diálogo de
nosso autor com o Professor Tezuka da Universidade Real de Tóquio. Neste texto,
há uma revisão do itinerário que o pensamento de Heidegger, acerca da
linguagem, cursou desde a época que o autor era professor assistente de E.
Husserl, até o novo campo temático inaugurado com a dita virada hermenêutica (evento a partir do qual o autor se distancia das investigações
fenomenológicas sobre as estruturas do homem em sua condição existencial de
ser-aí, para encaminhar-se à “questão básica” da verdade do ser em geral,
enquanto sentido imanente a todas as coisas). Este texto poderia parecer
pitoresco para aqueles que concebem Heidegger como um filósofo europeu restrito
ao universo do pensamento ocidental, ignorando, em sua biografia, as afinidades
com o Oriente, que chegaram a levá-lo a traduzir, com o auxílio de um sinólogo,
trechos do Tao Te Ching de Lao Tsé e a comparar, na conferência O
princípio de identidade, o conceito grego de linguagem (lógos) com o Tao dos chineses.
O terceiro texto, A
essência da linguagem é conjunto de três conferências proferidas entre os
anos de 1958-59. Este trata da linguagem e de suas experiências, a partir do
discurso poético de autores como Hölderlin e Stefan George. Uma prévia da
importância deste texto pode ser dada a partir da seguinte passagem, quando o
autor elucida aquilo que anteriormente chamamos de experiências da linguagem:
Fazer uma experiência com a linguagem significa
portanto: deixarmo-nos tocar propriamente pela reivindicação da linguagem, a
ela nos entregando e com ela nos harmonizando. Se é verdade que o homem quer
saiba ou não, encontra na linguagem a morada de sua própria presença, então uma
experiência que façamos com a linguagem haverá de nos tocar na articulação mais
íntima de nossa presença. Nós, nós que falamos a linguagem, podemos nos
transformar com estas experiências, da noite para o dia ou como o tempo. Mas
talvez fazer uma experiência com a linguagem seja algo grande demais para nós,
homens de hoje, mesmo quando esta experiência só chega ao ponto de nos tornar
por uma primeira vez atentos para a nossa relação com a linguagem e a
partir daí permanecermos compenetrados nesta relação. (HEIDEGGER, 2003, p.
121).
A citação também nos dá
uma real ideia do nível da “discussão” sobre a linguagem no interior do livro.
Os demais textos do
livro, A linguagem (1950), A palavra (1957) e Caminho para a
linguagem (1959), também são produto de palestras e contemplam o tema,
utilizando-se dos mesmos motes e autores abordados por Heidegger. Curiosamente,
nos mais de oito anos do intervalo que separa o primeiro texto destes dois
outros (mesmo considerando as diversas revisões, complementações e novas
versões efetuadas com base em apontamentos), observa-se que a temática de
Heidegger é conduzida com o mesmo enfoque, o que testemunha em favor da unidade
de seu pensamento.
Esta publicação é um
instrumento importante para quem deseja acercar-se da filosofia da linguagem e,
mesmo, mais especificamente, sobre o pensamento de Heidegger (recomendado não
só ao público da Filosofia, mas também das Letras). Possui uma boa apresentação
gráfica, seguindo o padrão da coleção Pensamento humano da Editora Vozes
e tem uma tradução suficientemente boa para servir ao público de língua
portuguesa.
[*] Doutor em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ,
autor de Heidegger & a educação.
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