Resenha do livro Heidegger, de Zeljko Loparic

Resenha do livro Heidegger, de Zeljko Loparic

LOPARIC,
Zeljko. Heidegger. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens[1]

 

Foi lançado recentemente,
integrando coleção Passo-a-passo da Jorge Zahar Editora, o pequeno livro
intitulado Heidegger, de autoria de Zeliko Loparic (UNICAMP). A obra
propõe uma introdução às ideias do filósofo alemão Martin Heidegger
(1889-1976). Este trabalho não segue o modelo de uma introdução aos moldes dos
manuais, apresentando ideias e fatos de maneira isolada; tendo como produto,
conhecimentos gerais ou elementos de curiosa apreciação. Ao contrário, efetua
uma introdução temática, ou seja, coloca o leitor no universo dos termos e
questões fundamentais ao pensamento do filósofo; ‘convidando’ o leitor a
interagir com estas questões. Embora Loparic utilize notas biográficas do autor
alemão e explicações didáticas de suas ideias, isto é feito de maneira dosada;
sem uma diluição demasiada dos conceitos, o que poderia acarretar a banalização
das ideias do pensador.

A vida de Heidegger é
abordada no livro em contraponto a sua obra; mantendo-se fiel à conhecida
biografia filosófica redigida por Rüdiger Safranski, recomendada por Loparic
como “possivelmente a melhor biografia de Heidegger já escrita”. Seguindo a
mesma premissa de Safranski, vemos, neste livro, a vida de Heidegger ser
pensada como algo indissociado de sua trajetória filosófica. É deste modo que
presenciamos a partir da pergunta “Quem é Heidegger?” (que inaugura o primeiro
tópico do livro), uma contextualização histórica de sua obra; seu
posicionamento em face do panorama filosófico de sua época; a recepção de seus
escritos de juventude ainda ligados estreitamente à fenomenologia de Husserl.

A caracterização das ideias do filósofo alemão é feita em três tópicos
intitulados, respectivamente: “As moradas de Heidegger”, “Os escritos” e “Os
caminhos do pensamento”.

No primeiro, encontramos um
comentário amplo sobre a lida que o autor tinha com o fazer filosófico, esta
que, segundo Loparic, remonta o modo sereno de vida de alguém nascido na
pequena província de Messkirch no interior da Floresta Negra e a maneira
que esta serenidade determinaria seu pensamento. Do mesmo modo, são tratadas as
modificações neste quadro diante da Segunda Grande Guerra, que arruinou
aquela que seria a morada primeira do filósofo, a exigência de se construir
novas moradas para o pensamento através da poesia de autores como Hölderlin e
Hebel.

Também a técnica moderna, enquanto máxima expressão do pensamento
racional, é tratada neste tópico, frente a um aceno de Heidegger ao pensamento
de Nietzsche, que afirma: “O deserto cresce”. Quanto a isto, na página 28 do
livro, Loparic esclarece o seguinte: “Desertificação não é uma questão de
erosão, nem de guerras mundiais, mas, paradoxalmente, o banimento da
necessidade, mais precisamente, do caráter questionável da vida humana. Esse
banimento atinge, em particular, a recordação. (…) Desta forma, ele perde a
si mesmo. Desertificação é o nome nietzscheano para a objetificação terminal”.

As conhecidas relações de Heidegger com a Grécia e a surpreendente
afinidade com o Oriente também são aludidas como edificadoras de moradas do
pensamento. No segundo caso, é digna de consideração a influência que Heidegger
tem, principalmente, junto aos pensadores japoneses (talvez explicada a partir
de uma possível ressonância da filosofia que se ocupa do sentido do ser com as experiências do pensamento oriental; expressa, por exemplo, no interesse
do filósofo pelo Tao e pela poesia chinesa de Bashô).

É valioso neste tópico o comentário acerca da tentativa de pensar as ideias
de Heidegger à luz da psicanálise, pelo suíço Medard Boss nos chamados Seminários
de Zollikon
. Neste momento, Loparic aproveita para introduzir sua
interpretação aproximativa entre Heidegger e Winnicott. Esta leitura original
(mas não menos controversa) retrata aquela que já se tonou quaestio
disputatae
na cena heideggeriana brasileira, uma vez que Loparic afirma que
é na primeira infância, ainda no acolhimento do colo da mãe, que o humano (em
sua experiência existencial de ser-aí) “pode constituir a continuidade e a
estabilidade do seu si-mesmo e do seu mundo”. Os desdobramentos destas
afirmações vão tocar questões caras ao pensamento de Heidegger como a
linguagem, a corporeidade, a finitude, além das relações com o outro.

Nos outros dois tópicos, vemos
o itinerário do pensamento de Heidegger a partir da menção de suas principais
obras, redigidas na forma de tratados, preleções e conferências. Contudo, como
era de vontade do autor, estes trabalhos são pensados como “caminhos, não
obras”. Pois, deste modo, fica resguardada a possibilidade de pensarmos as
questões filosóficas não a partir de marcos referenciais, mas de caminhos a
serem seguidos, enquanto exercício de questionamento. 

Em seguida, em dois outros momentos: “Alguns ecos” e
“O legado”, Loparic aponta as contribuições que Heidegger teria trazido ao
pensamento contemporâneo, ao influenciar seus interlocutores e as falas que
partem das questões por ele entabuladas. Nestes dois passos, presenciamos o
inventário dos principais nomes ligados ao pensamento de Heidegger e
responsáveis por sua difusão. São, então, registrados: os impactos do
pensamento de Heidegger nas obras de Jaspers e Husserl (este último que,
segundo a avaliação de nosso comentador, “rendeu-se à sua influência no momento
em que introduzia, nos anos 1930, o conceito modificado de mundo da vida”); os
desdobramentos da filosofia de Heidegger entre seus alunos (Fink, Gadamer,
Jonas e Marcuse); a influência de Heidegger na França (Aubenque, Derrida,
Foucault, Haar, Levinas, Merleau-Ponty e Sartre); os intelectuais que
introduziram estas ideias no Japão (Bin, Koichi, Kuki, Nishitani e Yasuharu); a
produção considerável de literatura sobre Heidegger pelos anglo-saxãos
(Dreyfus, Kisiel, Olafson e Rorty) as aproximações sugestivas do italiano
Gianni Vattimo do pensamento de Heidegger ao de Nietzsche e Gadamer; o
interesse da psicanálise pela filosofia heideggeriana e as re-leituras de Freud
a partir desta e, finalmente, a recepção das ideias de Heidegger no Brasil ao
cargo de autores como Emmanuel Carneiro Leão, Benedito Nunes e Ernildo Stein.

Nos referidos tópicos,
embora se proponha um “brevíssimo panorama”, o livro incorre nos riscos sempre
iminentes de quem se propõe a elencar. É o caso das omissões de alguns nomes
que não poderiam ser esquecidos. Faltou citar, ao lado dos demais alunos judeus
de Heidegger, Karl Löwith, que nunca escondeu suas boas relações com o mestre e
que produziu diversos textos significativos sobre a articulação entre teologia
e ontologia. Entre os pensadores de língua francesa: Jacques Taminaux e
Alphonse de Wealhens, este último, responsável pela edição francesa de Ser e
Tempo
; entre os anglo-saxãos, William Richardson, autor de Heidegger: Through Phenomenology to Thought, um dos mais completos tratados sobre
Heidegger (prefaciado pelo próprio Heidegger) e no Brasil, Gerd Bornheim foi o
autor que em meados da década de 1970 já tinha publicado seu: Dialética –
Teoria Práxis
como um exercício de entendimento das ideias de Heidegger.
Bornheim durante toda sua vida filosófica buscou pensar as implicações
estéticas da obra deste filósofo.

O livro é elucidativo. Traz clareza, não só ao público
leigo, mas também aos estudiosos do autor, quanto ao projeto do pensamento de
Heidegger. Ressalta a importância do autor no século XX; demonstrando que
embora seu pensamento tenha passado por diversos momentos, este se manteve fiel
à questão que considerava a primordial: a questão da verdade.

O livro traz seguindo o
padrão da coleção Passo-a-passo (proposta editorial que busca abordar
diversos campos do saber tratando autores e obras comentados por especialistas
em linguagem acessível), um conjunto de fragmentos seletos de diversos textos
de Heidegger, muitos ainda contidos em obras não traduzidas para o português;
material que é capaz de promover um primeiro contato com a obra do autor. Uma
cronologia da vida e obra de Heidegger e uma pequena bibliografia com leituras
recomendadas podem ser encontradas no final desta edição; entre os títulos
indicados, chamamos atenção para outro livro de Zeljko Loparic, intitulado Ética
e finitude
; que está sendo relançado em 2004 pela Editora Escuta, em uma
mais que merecida segunda edição.


[1] Doutor em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ,
autor de Heidegger & a educação.

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