Biografia de Joaquim Nabuco
JOAQUIM AURÉLIO NABUCO DE ARAÚJO (Recife, 1849-1910) foi um talento de primeira ordem, que com igual brilho se afirmou na tribuna parlamentar e popular, no panfleto, na crítica literária e na história política.
Deputado em várias legislaturas, assumiu posição saliente na vasta arena a que então o parlamentarismo abria um campo de ação; e notadamente se distinguiu na campanha da abolição do cativeiro.
Sobrevindo a revolução de que resultou a mudança das instituições, Joaquim Nabuco mui cavalheirosamente se enfileirou entre os monarquistas, e em prol da causa vencida galhardamente se bateu na imprensa. São dessa época os seus opúsculos O Dever dos Monarquistas em réplica a uma carta do Almirante Artur de Jaceguai, Balmaceda, estudo da revolução chilena que derribou esse estadista, e a Intervenção Estrangeira durante a Revolta.
Após dez anos consagrados, como êle próprio disse, a este sentimento de fidelidade, serviu como ministro da República em Londres, e defendeu os direitos do Brasil na questão de limites com a Guiana Inglesa, litígio em que, como se sabe, contra nós foi proferido o laudo arbitral do rei da Itália, não obstante os esforços empregados por Nabuco.
Êle era, quando faleceu, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, onde conseguira formar um grande círculo de admiradores e amigos.
Sua obra capital é Um Estadista do Império, longo estudo da vida e feitos de seu ilustre pai, o senador José Tomás Nabuco de Araújo. Cumpre além disso citar: Camões e Os Lusíadas, obra estampada por ocasião do trí-centenário camoniano; A Minha Formação, auto-biografia assaz interessante; Escritos e Discursos Literários; e na língua francesa, que assim como a inglesa, Nabuco primorosamente manejava, o livro de poesias Amour et Dieu, Le Droit au Meurtre, resposta ao Tue-la! de A. Dumas Filho, e Pensées Détachées et Souvenirs, publicada em 1906. Em todos esses livros — diz um julgador competente, Jaime de Séguier — Nabuco se revela um escritor seguro do seu pensamento e possuidor de um estilo claro, elegante e individual.
Nabuco bacharelou-se em Letras no Colégio de Pedro II, em Direito na Faculdade do Recife e ultimamente fora distinguido com o diploma de doutor por uma universidade dos Estados Unidos. Era membro do Instituto Histórico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras.
Massangana – Obra de Joaquim Nabuco
O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, e ao qual este terá sempre de se cingir sem o saber…
Pela minha parte, acredito não ter nunca transposto o limite das minhas quatro ou cinco primeiras impressões. Os primeiros oito anos da vida foram assim, em certo sentido, os de minha formação instintiva, ou moral, definitiva… Passei esse período inicial, tão remoto e tão presente, em um engenho de Pernambuco, minha província natal! A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo… Nunca se me retira da vista esse pano de fundo da minha primeira existência… A população do pequeno domínio, inteiramente fechado a qualquer ingerência de fora, como todos os outros feudos da escravidão, compunha-se de escravos, distribuídos pelos compartimentos da senzala, o grande pombal negro ao lado da casa de morada, e de rendeiros, ligados ao proprietário pelo benefício da casa de barro, que os agasalhava, ou da pequena cultura que lhes consentia em suas terras.
No centro do pequeno cantão de escravos, levanta-se a residência do senhor, olhando para os edifícios da moagem, e tendo por trás, em uma ondulação do terreno, a capela sob a invocação de São Mateus. Pelo declive do pasto árvores isoladas abrigavam, sob a sua umbela impenetrável, grupos de gado sonolento.
Na planície estendiam-se os canaviais cortados pela alameda tortuosa de antigos ingás, carregados de musgo e cipós, que sombreavam de lado a lado o pequeno rio Ipojuca. Era por essa água quase dormente, sobre os seus largos bancos de areia que se embarcava o açúcar para o Recife; ela alimentava perto da casa um grande viveiro, rondado pelos jacarés, a que os negros davam caça, e nomeado (116) pelas suas pescarias. Mas longe começavam os mangues, que chegavam até à costa de Nazaré… Durante o dia, pelos grandes calores, dormia-se a sesta, (117) respirando o aroma, espalhado por toda a parte, das grandes tachas (118) em que cozia o mel. O declinar do sol era deslumbrante, pedaços inteiros da planície transformavam-se em uma poeira de ouro; a boca da noite, hora das boninas e dos bacuraus, era agradável e balsâmica; depois o silêncio dos céus estrelados, majestoso e profundo. De todas essas impressões nenhuma morrerá em mim. Os filhos de pescadores sentirão sempre debaixo dos pés o roçar das areias e ouvirão o rugido da vaga. Eu por vezes acredito pisar a espessa camada de canas que cercava o engenho e escuto o rangido longínquo dos grandes carros de bois…
Tornei a visitar doze anos depois a capelinha de São Mateus, onde minha madrinha, D. Ana Rosa Falcão de Carvalho, jaz na parede ao lado do altar, e pela pequena sacristia abandonada penetrei no cercado onde eram enterrados os escravos… Cruzes, que talvez não existam mais, (119) sobre montes de pedras escondidas pelas urtigas, era tudo que restava da opulenta fábrica, como se chamava o quadro da escravatura… Em baixo, na planície, brilhavam, como outrora, as manchas verdes dos grandes canaviais, mas a usina agora fumegava e assobiava (120) com um vapor agudo, anunciando uma vida nova. A almanjarra (121) desaparecera no passado. O trabalho livre tinha tomado o lugar, em grande parte, do trabalho escravo. O engenho apresentava do lado do "porto" o aspecto de uma colônia; da casa velha não ficara vestígio. . O sacrifício dos pobres negros, que haviam incorporado as suas vidas ao futuro daquela propriedade, não existia mais talvez senão na minha lembrança… Debaixo de meus pés estava tudo o que restava deles, defronte dos colum-baria, onde dormiam na estreita capela aqueles que eles haviam amado e livremente servido. Sozinho ali, invoquei todas as minhas reminiscências, chamei-os a muitos (122) pelos nomes, aspirei no ar carregado de aromas agrestes, que entretém a vegetação sobre suas covas, o sopro que lhes dilatava o coração e lhes inspirava a sua alegria perpétua. Foi assim que o problema moral da escravidão se desenhou pela primeira vez aos meus olhos em sua nitidez perfeita e com sua solução obrigatória. Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como (123) a tinham até o fim abençoado… A gratidão estava do lado de quem dava, eles morreram acreditando-se os devedores… Seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor pudesse ter uma obrigação para com eles, que lhe pertenciam.
Deus conservara ali o coração do escravo, como o do animal fiel, longe do contacto com tudo que o pudesse revoltar contra a sua dedicação. Este perdão espontâneo da dívida do senhor pelos escravos figurou-se-me a anistia para os países, que cresceram pela escravidão, o meio de escaparem a um dos piores
(116) — nomeado — reputado, afamado, celebrado: "Eu direi neste caso o que já disse noutro o nomeado Beltram Descalqui…" (Franc. M. de Melo, Apólog. Dialog., ed. de Fernando Néri, p. 315). (117) — dormir a sesta, como, em geral, escrevem os autores, ou, como seria melhor, dormir à sesta, isto é, à sexta hora, contadas das seis da manhã, como faziam os Romanos. Nomeia o sono ou descanso do meio-dia, após a refeição. É locução adverbial de tempo, posta aí junto a um verbo intransitivo, como se fora dormir ao meio dia, às doze horas, à sobremesa. Decorre do vocábulo o verbo sestear. que se encontra em Taunay e em Euclides da Cunha; neste: "Nem lhe importa que… escasseiem, nas baixadas, os abrigos transitórios onde sesteiam os vaqueiros fatigados". (Em Os Sertões — A luta: cap. III, p. 244, 6.a ed.). (118) tacha tz tacho grande, dos engenhos de açúcar. Tacha é também o prego pequeno, de cabeça chata, e significa ainda mancha, nódoa; e daí os verbos tachar (pôr tacha ou mancha, censura, acusar), lachear, pregar tacha), tachonar, de tachão (adornar com tachas grandes e vistosas). Seu homófono taxa significa regulamento de preços, o próprio preço; imposto ou tributo; razão de juros; e multa postal, paga em selos; e o verbo taxar oferece esses mesmos sentidos. (119) que talvez já não existam — melhor construção.
(120) assobiar e assoviar, — formas sincréticas, como cobarde e covarde rebelde e revel, clina _e crina, flauta e frauta, neblina e nebrina, taberna e’ taverna, enguia e anguia, enteado e anteado, empola e ampola, resplendor e resplandor, rude e rudo, traje e trajo, manjadoura e manjedoura, aspargo e espargo, cousa e coisa, biscoito e bisecuto, louro e loiro, coiro e couro etc. (equivalência entre b e_ v, r e /, an e en, e e o, a e e, ou ou e oi). São formas coexistentes e dicionarizadas. (121) almanjarra está aí no sentido próprio da principal peça da atafona, ou moinho movido a mão ou por animais. Por extensão, almanjarra significa cousa desconforme, grande, mal feita e desmedida. (122) — chamei-os a muitos = chamei muitos deles; a muitos restringe o pronome os: é construção clássica e elegante. (123) como _ Melhor fora mas ou senão que, em lugar de como; mas vai-se usando essa paridade.
luliões (124) da história… Oh! os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com seu sangue, mas abençoaram com seu amor!
Eram essas as idéias que me vinham entre aqueles túmulos, para mim, todos eles sagrados, e então ali mesmo, aos vinte anos, formei a resolução de votar a minha vida, se assim me fosse dado, ao serviço da raça generosa entre todas, que a desigualdade de sua condição enternecia, em vez de azedar, e que por sua doçura no sofrimento emprestava até mesmo à opressão de que era vítima um reflexo de bondade…
(Minha Formação)
(124) talião (do lat. talio; talione-) pena igual à culpa, punição com o mesmo mal causado: dente por dente, olho dor olho, desforra, vindita; locução: pena de talião.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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