ARTUR AZEVEDO, nasceu em 1855, na cidade de São Luís, capital
do Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro em 1908. Escreveu em prosa
e verso com admirável facilidade, colaborando ativamente na imprensa
diária e fazendo sua especialidade na literatura dramática.
Entre as suas mais aplaudidas composições neste gênero (e muitas
foram elas) podem citar-se: — A Véspera de Reis, reprodução fiel de
costumes populares, Amor por Anexins, A Pele do Lobo, O Liberato,
A Mascote na Roça, A Almanjarra, O Dote, A Jóia, O Badejo, comédias
das quais as duas últimas escritas em verso e com apuro literário, res-
ponderam à crítica que lhe exprobrara algum desleixo e desperdício de
talento em peças de somenos importância. São de sua lavra os dramas
Anjo de Vingança e O Escravocrata, este de colaboração com UrbaNo
Duarte. Das operetas e paródias algumas há muito bem traçadas e de-
senvolvidas: A Donzela Teodora, A Princeza dos Cajueiros e A Filha de
Madama Angu. Cultivou a espécie das revistas, onde, ligados por um
gracioso entrecho, se criticavam os sucessos da atualidade. Uma dessas
peças, O Mandarim, feita de colaboração com Moreira Sampaio, havendo
introduzido no palco a imitação de personagens contemporâneas, suscitou
no jornalismo acesa polêmica.
Contos fora da Moda, Contos Possíveis, Contos Efêmeros, são os
títulos de livros em que se reuniram algumas das livres e chistosas his-
torietas de Artur Azevedo.
Conhecedor, a fundo, das coisas do nosso teatro, exerceu por muitos
anos, em várias folhas, a crítica teatral, com penetração e indulgência,
que faziam lembrar a maneira de Sarcey.
Foi alto funcionário na Secretaria do Ministério da Agricultura,
repartição a que também pertenceram o jornalista Gusmão Lobo, o polí-
grafo Luís da Veiga, o tradutor da Divina Comédia, Xavier P>iheiro, e
Machado de Assis, o festejado romancista e poeta que presidiu a Aca-
demia Brasileira de Letras.
O Badejo – Peça de Teatro selecionada de Artur Azevedo
Ato II, Cena V — Lucas, César Santos, h
Ramos, Benjamin Ferraz, D. Angélica.
Ramos
Então? Que é isso? Desertaram ambos?
D. Angélica
Ambrosina onde está, que não a vejo?
Lucas
Para o seu quarto foi com uma enxaqueca.
D. Angélica
Qual! minha filha nunca teve disso!
Lucas
Nesse caso, fêz hoje a sua estréia.
D. Angélica
Valha-me o Bom Jesus! Vou ter com ela!
Lucas
Um vidro tenho aqui de sais ingleses…
(Angélica sai sem lhe dar ouvidos).
Ramos
Deixe. Não será nada. A senhorita
Bebeu "Bucelas" e bebeu "Colares".
Não ‘stando acostumada a tais misturas,
Sentiu-se incomodada.
César
Não; não creia:
Muito pouco bebeu durante o almoço.
(Senta-se a examinar um álbum de fotografias).
Benjamim
Diz muito bem. Nos cálices apenas
Os lábios virginais umedecia.
Ramos
Gosta de ver retratos, senhor César?
César
É divertido.
(Ramos senta-se ao lado de César e vai-lhe
mostrando os retratos).
Ramos
Aqui me tem no tempo
Em que tinha talvez a sua idade.
(Lucas se aproxima de Benjamim, que está
sentado no sofá).
Lucas à parte
Vou penetrar nesta alma de ocioso.
(Alto, sentando-se ao lado dele).
Quer saber o motivo da enxaqueca?
Qual mistura de vinhos! qual histórias!
Ramos
Esta é minha mulher. Foi bem bonita.
César
Ainda se parece.
Benjamim
Eu desconfio
Que indisposta ficou D. Ambrosina
Por tanto ouvir falar ao César Santos
Em transações da praçaK
Lucas
Pois engana-se:
Ramos
Este é o meu sogro. Já lá está, coitado!
Lucas
Foi o senhor a causa da enxaqueca.
Benjamim
Eu? Ora essa! não compreendo! explique-se!
Ramos
A Ambrosina, quando era mais mocinha.
Lucas
Ela, aqui para nós, é muito tola;
Não gosta de o ouvir falar; diz ela
Que o meu amigo só de si se ocupa…
Benjamim
Não costumo falar da vida alheia.
Ramos
O falecido meu compadre Lopes,
Padrinho da pequena.
César
Eu conheci-o.
Tinha uma loja de calçados____
Ramos
Isso!
Na rua da Quitanda. — Era bom homem.
Lucas
Ela não aprecia o seu estilo…
É tão mal preparada! Só lhe agradam
Palavras corriqueiras… É bonita,
Elegante, não nego, mas — que pena!
Falta-lhe o "savoir vivre". Uma burguesa!
Ramos
Este é o Freitas Simões, que foi meu sócio;
Hoje é o Senhor Visconde de Alcochete!
Benjamim
Pois tenho pena que ela me deteste:
Tencionava pedi-la em casamento.
Lucas
Pedi-la em casamento? Oh! desastrado!
Meu Deus, fi-la bonita! Meu amigo,
Não faça caso do que eu disse! Pílulas!
Por minha causa perde a rapariga
Um casamento destes! Não! não! Casem-se!
Virá depois o savoir-vivre, Diabo!…
Hei de ser sempre uma criança estúpida!. ..
Ramos
O Gouveia da rua do Mercado…
Benjamim
Não; eu não desanimo por tão pouco,
E lhe agradeço até, meu caro jovem,
Ter-me instruído sobre os gostos dela.
Ramos
Conhece? É o Nazaré da rua Sete,
Mas no tempo em que usava a barba toda.
Benjamim
Eu tratarei de transformar-me, creia;
Mas se, ainda assim, nas suas boas graças
Não cair, paciência… Outra donzela
Talvez encontre menos exigente.
O que me agrada nela é a formosura
Com que a dotou a natureza pródiga;
Outra coisa não é, porque sou rico,
E ainda espero em Deus herdar bastante.
Lucas
Em Deus? sim, tem razão: é Deus quem mata.
Ramos
Este é o Dr. Galvão, que é nosso médico.
Benjamim
De bom grado eu seria o seu marido,
Por ser senhora muito apresentável,
Que faria figura no "grand monde",
E enfeitaria bem um camarote
Do Lírico; entretanto, um sacrifício
Não quero que ela faça, está bem visto.
César
Este conheço eu muito; é o João Moreira.
Benjamim
Modéstia à parte, a um homem desta estofa,
Que é moço, e não é feio, e tem saúde,
E é milionário, ou quase milionário,
E viajou por toda a culta Europa,
E anda trajado no rigor da moda,
E faz figura em cima de um cavalo,
E fuma disto…
(Mostra o charuto que fuma e faz menção
de tirar outro da algibeira).
Quer provar?
Lucas
Não fumo.
Benjamim
A um homem desta estofa nunca faltam
Mulheres que o pretendam, que o disputem,
Que se agatanhem para conquistá-lo!
(Aproxima-se de Ramos e César, que têm
acabado de percorrer o álbum).
Lucas à parte
O outro é tolo e malandro: este é só tolo…
É muito fácil vê-lo pelas costas.
(O Badejo).
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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