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XX. Não somente ele se
mantinha puro e limpo de todas as corrupções e concussões, como também todos os
seus criados e outros que dependiam dele. Nessa viagem à Espanha foram cinco de
seus servidores em sua companhia, dos quais um, chamado Paço, comprou três
rapazinhos aprisionados na guerra quando era vendido o
saque aos que mais ofereciam. Catão soube do fato e o servo teve tão grande
pavor, que se dependurou, enforcando-se, com medo de ir à presença de seu
senhor. Catão mandou revender os rapazes e depositar.o dinheiro da venda nos
cofres públicos.

XXL Afinal, estando ainda na Espanha, Cipião o
Grande, que era seu inimigo, quis impedir o curso de sua prosperidade e também
ter a honra de concluir a conquista de todas as Espanhas. Tanto teceu em Roma
as suas tramas, que o povo o elegeu em lugar de Catão. Tomou posse do cargo o
mais cedo possível e logo se apressou, com toda a diligência, em fazer expirar
a autoridade e poder de Catão o qual, vendo o que acontecia, fazendo-se acompanhar
apenas de cinco bandeiras da infantaria e de quinhentos cavalos para a volta,
com os quais, todavia, em caminho, subjugou um povo da Espanha chamado
lacetânio (30), aprisionando seiscentos traidores que haviam desertado do
acampamento dos romanos para se entregar aos inimigos e que mandou matar a
todos. Esse fato desagradou bastante a Cipião (31), (o qual dizia que Catão lhe
fazia mal), mas este o ironizava (com palavras cobertas) e dizia: — "Este
é o verdadeiro meio pelo qual a cidade de Roma se tornará grande e florescente:
quando os cidadãos descendentes da antiga nobreza, não querendo suportar que
os homens novos, vindos das camadas humildes levantem o prêmio da virtude à sua
frente; e também quando estes, que nasceram em lugarejos e saíram do povo,
lutarem para serem mais virtuosos do que aqueles que os suplantavam pela
nobreza do sangue ou pela glória dos antepassados". XXII. Todavia, chegando de
volta a Roma, o senado ordenou que nada seria mudado nem modificado de tudo o
que Catão tinha instituído’ durante o seu tempo como magistrado, de tal forma
que o governo que Cipião havia tão ardentemente desejado, diminuiu sua glória e
não pode ser equiparado ao de Catão, porque todo o seu tempo decorreu em paz,
sem que houvesse oportunidade para qualquer proeza digna de memória. XXIII. Além do mais, Catão,
após ser cônsul e obter a honra do triunfo, não fêz como muitos outros que não
propõem a verdadeira virtude como fim, mas somente a honra e a glória do mundo,
e por esse meio, depois de alcançarem os supremos degraus da honra, alcançando o
consulado ou obtendo algum triunfo, retiram-se da administração dos negócios do
Estado, para daí em diante viver à sua vontade, sem mais querer se intrometer em nada. Catão, ao contrário, não abandonou nunca o exercício da virtude; não agindo como aqueles
que nada mais almejavam senão os postos públicos e com eles a honra e a fama,
recomeçou tudo de novo, e se apresentando ordinariamente sobre a praça, para
causar prazer tanto a seus amigos como a todos os outros cidadãos que tinham
necessidade de seu conselho ou de sua pessoa, defendendo suas causas em
julgamento e os acompanhando em seus encargos de guerra, como acompanhou Tibério
Semprônio quando cônsul (32) e foi um dos seus tenentes na conquista do país da
Trácia, e das províncias vizinhas do rio Danúbio.

(30)      A Lacetânia, nos baixos
dos Pireneus, é uma parte da província hoje chamada Catalunha.
(31)      Não   se    acham   no  
grego   as    duas   expressões    entre parênteses. 

 

XXIV. E ainda foi à Grécia, depois, como tribuno
militar (33) ou coronel de milícia, sob as ordens de Mânio Aquílio (34) contra
o rei Antíoco, chamado o Grande, o qual inspirava tanto medo aos
romanos, como nenhum outro depois de Aníbal, pois tendo conquistado todos os
reinos e províncias da Ásia, na mesma extensão em que o tinha dominado Seleuco
Nicanor, e tendo dominado e reduzido à obediência diversas nações bárbaras e
belicosas, teve a coragem e a ousadia de iniciar a guerra contra os romanos
como se fossem estes os únicos considerados dignos de serem seus inimigos.
Procurou para isto um motivo plausível, dizendo que o fazia para libertar os
gregos, os quais, aliás, nenhuma necessidade tinham de tal coisa, atendendo-se ao
fato de que viviam sob suas próprias leis, estando novamente libertes da
servidão do rei Filipe e dos macedônios, o que se deu por meio
dos romanos (35). Não obstante, êle passou da Ásia para a Grécia com um grosso
e poderoso exército, pondo todo o país em polvorosa e excitação, devido às
belas promessas que punham diante dos olhos do povo grego, os demagogos que o
rei havia corrompido pelo dinheiro. XXV. Por essa ocasião Mânio
enviou embaixadores pelas cidades, entre os quais estava Tito Quíncio
Flamínio, que desempenhou bem sua missão, aquietando e sossegando a maior parte
dos povos que começavam a dar atenção a essas novidades, conforme declaramos
mais adiante em sua vida; mas Catão que para ali fora enviado, trouxe à razão
os coríntios, os de Patras e os egienos, detendo-se mais tempo na cidade de
Atenas. Dizem que há ainda uma oração sua em língua grega, que pronunciou
diante do povo de Atenas em louvor dos antigos atenienses, onde diz que tinha
uma grande satisfação em ver Atenas, pela beleza e grandeza da cidade, mas isso
é falso, pois falou aos atenienses por meio de  um  intérprete,   pois   pouco 
podia   discursar  em grego. Mas apreciava tanto as leis e costumes de seu país
e a língua romana, que ironizava os que louvavam e tinham admiração pelo
grego, como uma vez criticou Pestúmio Albino, o qual escreveu uma história em
língua grega, solicitando, em seu prólogo, aos leitores, que o desculpassem por
alguma imperfeição na linguagem: —
"Pois merecia bem, dizia Catão, que o perdoassem da dívida, se foi
constrangido a escrever sua história em idioma grego por ordem dos estados da
Grécia, que se chama o conselho dos Anfictiões". Mas dizem que os
atenienses se admiraram de sua linguagem espontânea e concisa, pois o que dizia
claramente, em poucas palavras, o intérprete traduzia com um longo rodeio e
colorido de linguagem, de tal forma que deixou e imprimiu a opinião, de que o
falar, para os gregos, não sai senão dos lábios e para os romanos, do coração.

(32)      Ano de Roma,   560.
(33)      Ano de Roma,  563.
(34)     O cônsul Mânio Acílio
Glabrion.
(35)    No   ano   de   Roma   558,   quando   Flamínio   proclamou   a
liberdade da Grécia.

 

XXVI. Ora, havia o rei Antíoco ocupado os
caminhos e desfiladeiros das montanhas que se chamam as Termópilas, por onde
se entra na Grécia, guarnecendo-as tanto com seu exército que estava acampado
ao sopé da montanha, como também de muralhas e trincheiras que mandara fazer,
além das fortificações naturais de certas partes da montanha, repousando sobre
as ditas fortificações. Pensando estar tudo em ordem ali, desviou para outro
lugar o grosso das tropas, não cuidando que os romanos pudessem forçá-los pela
frente; mas, Catão lembrando-se do circuito que outrora haviam feito os persas
para igualmente penetrarem dentro da Grécia, partiu uma noite do acampamento
com parte do exército para experimentar se poderiam encontrar o mesmo caminho
da volta que fizeram os bárbaros, mas enquanto caminhavam em sentido contrário,
na montanha, seu guia, que era um dos prisioneiros feitos no país, errou o caminho, levando-os
para lugares ásperos e desagradáveis, pelo que os soldados sentiram
grande terror. Então Catão vendo o perigo em que ele os colocara, ordenou a
toda a tropa que não saísse dali e que esperassem quietos em pé. Enquanto isso, só com um outro chamado Lúcio Mfinlio, homem disposto e hábil em escalar
rochedos, pôs-se a caminho com dificuldades incríveis e não menos perigo de
vida, caminhando dentro da noite negra porque a lua não aparecia, através de
olivedos selvagens, entre rochedos elevados que os defendiam de olharem para
diante; de tal forma que não sabiam para onde iam, até que deram numa pequena
vereda, a qual imaginaram que ia dar ao pé da montanha no lugar onde estava o
acampamento dos inimigos. Colocaram alguns ramos e sinais sobre os mais altos
cumes dos rochedos que pudessem ser vistos a olho, bem distantes por cima do
monte denominado Calídromo. Isto feito, voltaram atrás para buscar seus
soldados que conduziram aonde estavam os sinais. Quando entraram na vereda
dispuseram seus soldados em ordem para marchar, mas apenas entraram por esse
caminho que encontraram, erraram logo, porque deram com um grande charco que os
pôs desorientados num grande desespero, atrapalhando mais que o terror que
sentiram anteriormente, não sabendo que estavam tão perto de seus inimigos,
como em verdade acontecia.

XXVII. O dia começava a despontar, quando por acaso um
dos que marchavam à frente ouviu barulho e entreviu, em baixo ao pé dos
rochedos o acampamento dos gregos e alguns que estavam à espreita, pelo que
Catão fêz parar toda a tropa ordenou que soldados firmanianos (36) sem os
outros, viessem à sua frente, porque sempre os achou muito fiéis e muito
prontos em executar suas ordens. Não deixaram de atender logo, colocando-se
todos à sua volta. Então lhes falou desta maneira: — "Companheiros, é
necessário que eu tenha entre minhas mãos vivo, algum dos nossos inimigos, para
inquirir e saber quem são esses que guardam esse desfiladeiro da montanha,
quantos são, que ordem têm, como estão acampados e armados, e que atitude
deliberaram tomar à nossa espera. Esse é o meio de fazer isto com rapidez e
coragem: indo subitamente arrebatar e surpreender como fazem os leões que sem
nenhuma arma, não fingem nunca, ao caírem em cima de um rebanho de animais
tímidos". Nem bem pronunciara essas palavras já os soldados firmanianos
correram pelos vales da montanha, assim como estavam, direitos a esses que
estavam de espreita, descarregando em desordem (37) e à vontade no caminho,
agarraram um com suas armas, que levaram imediatamente a Catão, o qual pelo que
disse o prisioneiro, soube que o grosso do exército dos
inimigos estava com o rei em pessoa, alojado dentro do estreito mesmo e dentro
do vale, mas esses que eles viam, eram seiscentos etolianos, todos homens de
elite, que haviam escolhido e encarregado de guardar alguns cumes dos rochedos
sobre o acampamento de Antíoco.

(36)    
Soldados   recrutados   em   Firmum,   atualmente   Fermo, no Caminho de
Ancona.
(37)   Em
desordem e de algum jeito desmantelados.

 

XXVIII. Ouvindo isto, Catão, sem
fazer conta de mais nada, tanto pelo pequeno número como pela deserdem que o inimigo
mantinha, imediatamente mandou tocar as trembetas e seus soldados marcharam
para a batalha com grandes gritos, caminhando êle mesmo à frente da tropa, e
espada na mão, mas assim que os etolianos os viram descer dos rochedos, direito
a eles, puseram-se a fugir para seu grande acampamento, cheios de terror,
perturbados e em confusão. Do outro lado Mânlio, no mesmo instante, deu o sinal
de assalto às muralhas e fortificações, que o rei mandara fazer através os
vales e desfila-deiros das montanhas, em cujo assalto, o próprio Antíoco
recebeu uma pedrada em pleno rosto, atirando cs dentes fora da boca, de tal
modo que pela dor que sentiu, desviou seu cavalo e atirou-se para trás, de
carreira, não havendo então nada em seu exército que fizesse frente nem que
pudesse suster a impetuosidade dos romanos, mas como os sítios fossem
incômodos para fugir, porque era impossível se afastar em vista de um lado
haver rochedos elevados e do outro charcos e pântanos profundos, nos quais
caíam quando acontecia que seus pés escorregavam ou que os derrubassem;
no entanto, atiravam-se uns sobre os outros através os desfiladeiros,
empurrando de tal modo que se perdiam a si próprios, com medo dos golpes de
espada que lhes atiravam os romanos. Ali, Marcos Catão, que não foi nunca
modesto em cantar e pregar seus louvores, não tendo jamais pejo de se enaltecer
a si próprio abertamente, considerou aquela comitiva como a que devia sempre
acompanhar as grandes proezas e os elevados feitos de arma, aumentando a este
glorioso evento uma feliz magnificência por elevação de palavras, pois, pessoalmente,
escreve que esses que o viram nesse dia expulsando e fulminando os inimigos,
foram obrigados a confessar que Catão não devia mais tanto ao povo romano,
como o povo romano devia a Catão e que mesmo o cônsul Mânlio, queimando ainda
com o ardor do combate, abraçou-o longamente, feliz também por haver expulso
os inimigos, exclamando em voz alta, cheio de alegria, que nem êle nem o povo
romano saberiam pagar a Catão salário equivalente aos seus méritos.

XXIX. Após esta batalha o cônsul romano foi enviado a
Roma para levar pessoalmente as notícias da vitória; embarcou logo, estando o
tempo tão favorável que fêz a travessia sem aborrecimentos até Brindes, dali
foi até Tarento em um dia, de Tarento em outros quatro dias a Roma, de tal modo
que chegou em cinco dias depois do desembarque na Itália; andou tão
rapidamente que foi o primeiro a levar as notícias da vitória. À sua chegada,
toda a cidade encheu-se de festejos e de sacrifícios e o povo romano formou
grande e elevada opinião de si mesmo, convencendo-se de ser doravante poderoso
para conquistar o império do mundo tanto por mar como por terra. São esses
quase todos os mais belos e mais notáveis feitos de armas de Catão.    .

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