RUI BARBOSA – Resumo da Biografia e Antologia de Obras

Biografia de Rui Barbosa e Obras de Rui Barbosa

RUI BARBOSA nasceu a 5 de novembro de 1849, na cidade do Salvador, Bahia e faleceu aos 73 anos, em Petrópolis, a 1 de março de 1923. Cursou as Faculdades do Recife e de São Paulo, bacharelando-se nesta, em 1870.

É o mais copioso dos nossos prosadores e um dos mais perfeitos e opulentos manejadores da nossa língua, pois que a sua pena no jornal, na tribuna, nos livros, nas cartas e nos pareceres jurídicos deixou cabais exemplos do seu extraordinário poder de expressão verbal, não menor do que o dos mais autorizados clássicos do idioma. Os assuntos que submetia a estudo, vasava-os sempre em ampla explanação, segura crítica e impecável forma literária.

Nos cinqüenta e quatro anos de sua ação pública como político e doutrinador, empregou a sua eficientíssima capacidade no estudo dos mais importantes problemas que interessavam ao Brasil.

Desde o seu primeiro discurso em São Paulo, aos 19 anos, "em defesa do escravo contra o senhor", revelou-se estrénuo abolicionista.

Advogado sem par, jornalista perfeito, deputado, membro do Governo Provisório e seu vice-chefe, senador durante a República, embaixador do Brasil, na Conferência de Haia, membro da Academia Brasileira de Letras, de que foi presidente, polemista invicto, legislador e orador dos maiores que se conhecem e impertérrito e constante defensor da liberdade e da justiça, Rui resume em seu nome as vibrações mais fortes e mais altas da nossa mentalidade.

"Em todas as províncias por que se multipartiu a atuação do seu gênio, está o purista, o letrado, o exímio cultor da mais rica, intemerata e majestosa forma literária".

Vastíssima a sua bibliografia. Da luminosa e multiforme oratória que lhe encheu os dias; dos periódicos que dirigiu ou em que colaborou

(Diário da Bahia, O Radical Paulistano, Diário de Notícias, Jornal do Brasil, Jornal do Comércio, A Imprensa e o segundo Diário de Notícias); e dos trabalhos que reuniu ou foram mais tarde reunidos, resultaram as seguintes principais obras: Discurso sobre Alexandre Herculano (1877), Introdução sua à obra de Janus, O Papa e o Concílio, vertida por êle (1877), Elogio de Castro Alves (1881), Reforma do Ensino Secundário e Superior, pareceres (1882), O Marquês de Pombal, (1882), Reforma do Ensino Primário, parecer (1883), Emancipação dos Escravos (1884), Lições de Cousas, de Calkins versão do inglês (1886), José Bonifácio (1887), Swift, estudo literário (1887), Projeto de Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1890), Habeas-corpus (1892), O Estado de Sítio (1892), Finanças e Política da República (1892), Atos Inconstitucionais (1893), Cartas de Inglaterra (1896), Redação do Projeto do Código Civil (1902), Réplica à Redação do Projeto do Código Civil (1904), Discursos e Conferências (1907), Anatole France, discurso de recepção (1909), O Direito do Amazonas ao Acre (1910), Campanha Eleitoral, 4 séries, num conjunto de mais de 900 páginas (1910), Problemas de Direito Internacional, conferência em Buenos Aires (1916), Obras do Porto de Pôrto-Alegre, parecer (1916), Elogio de Oswaldo Cruz (1917), Cartas Políticas e Literárias (1919), Oração aos Moços (1920), A Imprensa e o Dever da Verdade (1920), Queda do Império, 2 volumes (1921), Correspondência (1921), e os discursos, reunidos: por Laudelino Freire (Orações do Apóstolo 1923 e Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo 1924); por Fernando Néri (Colunas de Fogo e Esfola da Calúnia, ambos em. 1933), e por Homero Pires (Novos Discursos e Conferências, 1933).

Por ato do governo brasileiro as obras de Rui já começaram a imprimir-se em coleção magnífica de várias dezenas de volumes, que serão a mais completa e nítida expressão da opulência, do vigor e da beleza da língua nacional, posta por êle inigualàvelmente ao serviço da liberdade, da justiça, da verdade e da grandeza moral do Brasil.

(124) talião (do lat. talio; talione-) pena igual à culpa, punição com o mesmo mal causado: dente por dente, olho dor olho, desforra, vindita; locução: pena de talião.

A Paixão da Verdade – Rui Barbosa

A paixão da verdade semelha, por vezes, às cachoeiras da serra.. Aqueles borbotões d’água, que rebentam e espadanam, marulhando, eram, pouco atrás, o regato que serpeia, cantando, pela encosta, e vão ser, daí a pouco, o fio de prata que se desdobra, sussurrando, na esplanada.

Corria murmuroso e descuidado; encontrou o obstáculo, cresceu, afrontou-o, envolveu-o, cobriu-o, e, afinal, o transpõe, desfazendo-se em pedaços de cristal e flores de espuma. A convicção do bem, quando contrariada pelas hostilidades pertinazes do erro, do sofisma, ou do crime, é como essas catadupas da montanha. Vinha deslizando, quando topou na barreira, que se lhe atravessa no caminho. Então remoinhou, arrebatada, ferveu, avultando, empinou-se, e agora brame na voz do orador, arrebata-lhe em rajadas a palavra, sacode, estremece a tribuna, e despe-nha-se-lhe em torno, borbulhando.

Mas o que ela contém e a impele e a revolta, não é cólera, não é destruição, não é maldade: é o poder do pensamento, a vibração da fé, a energia motriz das almas, esse fluido impalpável que se transporta nas ondas indivisíveis do ambiente, e vai, por outras regiões, arder nos espíritos, fulgurar nas trevas humanas, abalar vontades, agitar indivíduos e povos, reanimados ao seu contacto, como os mais maravilhosos instrumentos da indústria, os teares, as forjas, os estaleiros, acordam ao influxo dessa eletricidade silenciosamente bebida, léguas e léguas daí, por um fio de cobre aéreo, nas quedas sonoras do rio. Enquanto, porém, essa transmissão imperceptível opera ao longe maravilhas, renovando a atividade às civilizações, derramando vida pela superfície da terra, a correnteza precipitada que acabou de criar à distância essas descargas da grande força, volve, pouco adiante, ao remanso ordinário de seu curso, perdendo-se entre as devesas do monte e as alfombras da pradaria.

As revoltas da consciência contra as más causas, ainda contra as piores, não azedam um coração desinteressado. O meu tem atravessado as maiores procelas políticas, às vezes sossobra-do, ferido, sangrando no entusiasmo e na esperança, mas sem fel. Não seria este novo encontro, embora duro e violento, com a mentira política, a velha corruptora dos nossos costumes, a sabida arruadeira (125) das cercanias do poder, a pimpona rixadora do grande mercado, que me induzisse a esquecer, para com as pobres criaturas por ela contaminadas, a lição divina da caridade. Antes de político, me prezo de ser cristão. Não sei odiar os homens, por mais que deles me desiluda. O mal é inexorável, pela consciência de ser caduco. O bem, paciente e compassivo, pela certeza de sua eternidade.

(Coletânea Literária organizada por Batista Pereira, 3.a ed., pp. 232-234).

A Oração do Filho – Rui Barbosa

Espírito supremo daquele que me ensinou a sentir o direito e querer a liberdade; daquele cuja presença íntima respira em mim nas horas do dever e do perigo; daquele a quem pertence, nas minhas ações, o merecimento da coerência e da sinceridade; emanação da honra, da veracidade e da justiça, espírito severo de meu Pai; imagem da bondade e da pureza, que verteste em minha alma a felicidade do sofrer e do perdoar, que me educaste no espetáculo divino do sacrifício coroado pelo sacrifício, carícia do céu na manhã de meus dias, aceno do céu no horizonte da minha tarde, anjo da abnegação e da esperança, que me sorris no sorriso de meus filhos, espírito sideral de minha Mãe: se o bem desabotoa alguma vez à superfície agreste de minha vida, vós sois a mão do semeador, que o semeou, vós, cuja energia me criou o coração e a consciência, cuja bênção derramou a fecundidade sobre as urzes de minha natureza. Quando, na minha existência, alguma cousa possa inspirar gratidão, ou simpatia, não me tomem senão como o fruto, em que se mitiga a sede e que se esquece. Vós, autores benignos do meu ser, vós sois a árvore dadivosa, cujos benefícios sobrevivem no reconhecimento, que não murcha. Estas flores, magia de um jardim instantâneo, onda esparsa de uma alvorada balsâmica, estas flores em que se desentranha, ao contacto da Bahia, o berço, que me afofastes com a vossa ternura, que me guardastes com as vossas vigílias, que me perfumastes com as vossas virtudes, estas flores são vossas: recebei-as. Que elas envolvam (126) no seu aroma a vossa memória, reabram em cada geração de vossos netos, aos pés da vossa cruz, e deixem cair o refrigério de seu orvalho sobre as paixões corrosivas, que ulceram a Pátria, amofinando-lhe o presente, ameaçando-lhe o futuro.

(Discurso na Bahia — Vista à Terra Natal, 1893, pp. 30-31)

(125) Arruadeira — rueira, mulher da rua, vagabunda.
(126) Que elas envolvam… Rui na Réplica (n.° 459) defende essa construção optativa ou imprecativa, iniciada pela conjunção que, e que alguns tacham de galicismo. Carreia, com esse fim, o grande prosador, dezenas de exemplos dos mais autorizados escritores.

A Liberdade – Rui Barbosa

Liberdade! entre tanos que te trazem na boca sem te sentirem no coração, eu posso dar testemunho da tua identidade, definir a expressão do teu nome, vingar a pureza do teu evangelho; porque no fundo de minha consciência eu te vejo incessantemente como estrela no fundo obscuro do espaço. Nunca te desconheci, nem te trairei nunca, porque a natureza impregnou dos teus elementos a substância do meu ser. Teu instinto derivou para êle das origens tenebrosas da vida no temperamento inflexível de meu Pai; entre as mais belas tradições da tua austeridade oscilou o meu berço; minha juventude embebeu-se na corrente mais cristalina da tua verdade; a pena das minhas lides aparou-se no fio penetrante do teu amor, e nunca se imbuiu num sofisma ou se dissimulou num subterfúgio, para advogar uma causa que te não honrasse. De posto em posto, a minha ascensão na vida pública se graduou invariavelmente pela das tuas conquistas; as vicissitudes da minha carreira acompanharam o diagrama das alternativas do teu curso; contra os dois partidos que dividiam o Império, lutei pela tua realidade sempre desmentida; renunciei por ti as galas do poder, suspiradas por tantos, com que êle me acenou; sozinho, sem chefes nem soldados, tive por ti a fé, que transpõe montanhas; ousei pôr na funda de jornalista pequenino a pedra, de que zombam os gigantes; aos ouvidos do velho rei, sacrificado pela família, pela corte, pelas facções, vibrei nos teus acentos o segredo da sua salvação e a profecia da sua ruína; na República saudei a esperança do teu reinado; quando a República principiou a desgarrar do teu rumo, enchi do teu clamor a imprensa, o parlamento, os tribunais; e, porque eu quisera fundar assim uma escola, onde te sentasses, para ensinar aos nossos compatriotas o exercício viril do Direito, ouvi ressoarem–me no encalço, convertidos em grita de perseguição, os cantos heróicos do civismo, extraídos outrora do bronze da tua égide pelos que combatiam a monarquia à sombra da tua bandeira.

Enquanto a fascinação do teu prestígio podia ser útil a uma deslocação do poder, tua áurea lenda foi o estribilho dos entusiastas, dos ambiciosos e dos iludidos. Mas assim que a vitória obtida sob a tua invocação entrou a ver na tua severidade o limite aos seus caprichos, um culto novo, armado de anátemas contra os espíritos incorruptíveis no teu serviço, começou a con-trapor-te as imagens da República e da Pátria, dantes associadas à tua, e dela inseparáveis. Eu não podia aceitar o paradoxo e o artifício dessa substituição, porque tu és o centro do sistema, onde ambas essas idéias alongam as suas órbitas; e, no dia em que te apagasses, ou desaparecesses do universo moral, a que presides, incalculáveis perturbações transtornariam a ordem das esferas políticas, abismando a Pátria e a República no eclipse de uma noite indefinida.

Dos que deveras te amam e entendem, nem a República nem a Pátria podem receber detrimento; porque tu és para uma e para outra a maior das necessidades, o primeiro dos bens, a mais segura das garantias.

A democracia que te nega ou te cerceia, engoda os povos com o chamariz de uma soberania falsa, cujo destino acaba sempre às mãos das facções, ou dos aventureiros, que a exploram. Senhoras de si mesmas, na acepção verdadeira da palavra são unicamente as nações que te praticam sem óbices nem reservas; pois só onde a unidade humana fôr livre, a coletividade humana pode ser consciente.

(Conferência na Bahia, em 1897, na Estante Clássica vol. I, pp. 71-72).

A Couve e o Carvalho – Rui Barbosa

Enquanto Deus nos dê um resto de alento, não há que desesperar da sorte do bem. A injustiça pode irritar-se; porque é precária. A verdade não se impacienta; porque é eterna. Quando praticamos uma ação boa, não sabemos se é para hoje ou para quando. O caso é que os seus frutos podem ser tardios, mas são certos. Uns plantam a semente da couve para o prato de amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo ao futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para o seu país, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano.

(1910)

Bustos e Estátuas – Rui Barbosa

A honra do busto é mais uma carícia, um extremo, um afetuosíssimo requinte desses com que não se corrigem de me amimalhar (127) os meus caros conterrâneos. Irmãos somos, naturais do mesmo berço; e, entre irmãos, o reconhecimento vive de sentir, não de se mostrar. Não se hão de magoar eles, pois, de que eu me dê a buscar, na linguagem, meios de corresponder à intenção carinhosa do brinde e à comoção da alma com que o recebi. Comoção pela origem do preito e pela doçura do pensamento que o inspirou. Porque, senhores, perdoai-me a indiscrição de aqui o dizer: de bustos e estátuas não sou lá grande entusiasta. (128).

Essa petrificação ou mineralização de um vulto humano não me fala à alma. Um homem em metal ou pedra me parece duas vezes morto. Muito pode valer a estátua pelo merecimento da obra-prima. Mas então o seu lugar adequado será no museu. Perdida nos salões das bibliotecas, ou isolada, entre a multidão, no vazio das praças, a mim se me afigura uma espécie de consagração do esquecimento. Liquidada assim, por uma vez, com o estatuado, a conta da sua admiração, os contemporâneos descansam no sentimento de uma dívida extinta.

Se eu pudesse ter, à minha escolha, um monumento verdadeiro do trânsito da minha mediocridade pela terra, o que me agradaria recomendar, seria uma ferramenta de trabalho, com o nome do operário e a inscrição daquilo de São Paulo na primeira aos Coríntios: Abundantius Mis ómnibus laborari.

Essas palavras, na sua simplicidade, falariam de uma vida laboriosa a outros obreiros, dando-lhes a impressão de continuidade entre as gerações sucessivas dos trabalhadores do pensamento, através dessa passagem definitiva, que separa um do outro mundo.

O bronze é duro; o mármore é frio; o oiro pomposo. Nenhum tem a emanação do espírito, que o escopro do estatuário mal pode comunicar à imobilidade e rijeza de uma atitude fixada ou de uma expressão perpetuada na pedra ou no metal. A estatuária teve o seu tempo e o seu meio na antigüidade: porque a antigüidade era imaginativa e supersticiosa. O lar tinha os seus penates; e os vultos dos poetas e legisladores, dos heróis e benfeitores do povo, confundidos com os dos numes e semideuses, eram os penates da cidade, oferecidos à veneração pública na agora e nos mercados, nas termas e no fórum, nos ginásios e teatros. Nas multidões de hoje em dia se gastou e extinguiu esse culto das virtudes e glórias de exibição, talhadas no mármore ou vasadas no bronze. As turbas agora passam dèscuriosas e irreverentes, sem levantar os olhos, pelas imagens dos grandes homens, alçadas nos seus pedestais de granito; e a impressão da sorte dessas personagens, condenadas, numa exposição eterna, à distração dos transeuntes, é a do suplício da indiferença, imposto aos glorificados.

Bem-aventurados os que a si mesmos se estatuaram em atos memoráveis, e, sem deixarem os seus retratos à posteridade, es-quecediça (129) ou desdenhosa, vivem a sua vida póstuma desinteressadamente, pelos benefícios que lhe herdaram. (130).

Estou, senhores, quase exausto pelo esforço e pelas emoções destes dias, transbordantes dos cinqüenta (131) anos de existência, que neles se têm condensado, graças ao infinito concurso de todas as vozes, com que uma nação pode afirmar a sua unanimidade, e cercar dos mais vivos, dos mais copiosos, dos mais raros testemunhos da sua benevolência um só de seus filhos.

(Discurso na Biblioteca Nacional, nas festas do jubileu, em 1918, em Novos Discursos e Conferências, pp. 418-420)

(127) Amimalhar — tratar com muito mimo, com grande carinho.
(128) Esse adv. lá é aí apenas partícula expletiva, que se junta geralmente aos pronomes pessoais para dar ênfase à frase — quer seja esta uma afirmação: Lá se avenham! "Enfim, sabes as linhas com que te coses" (Aulete); quer uma negação sob aspecto exclamativo ou interrogativo: "As musas quantas são? Diz que nove, eu sei lâ\" (Castilho,
As Sabichonas, cena I); "Sei eu se o erro do acento supérfluo é propositado…? (Rui, Répl., 359, in fine); quer seja ainda uma advertência: Veja se me engana! "Mas não minta, olhe lá; se já tiver esquecido a namorada, consentirei que volte". (M. de Assis, Relíquias de Casa Velha, 1906, p. 193). traz, às vezes, a idéia de tempo, com o valor de longe: "Já iam dous anos. Agora pensavam mais em Flora…" (Idem, Esaú e Jacó, 1904, Cap. LXXXV, p. 263).

O Trabalho e a Oração – Rui Barbosa

Ninguém, senhores meus, que empreenda uma jornada extraordinária, primeiro que meta o pé na estrada, se esquecerá de entrar em conta com as suas forças, por saber se o levarão ao cabo. Mas na grande viagem, na viagem de trânsito por este mundo, não há possa ou não possa, não há querer ou não querer.

 

(129) Esse sufixo iço, iça, quando aposto ao radical de verbos, exprime as idéias de facilidade ou tendência: esquecediço è o ser que facilmente esquece alguma cousa. Cfr. abafadiço, alagadiço, encontradiço, dobradiça (mola), escor-regadiço, espantadiço, levadiça (ponte), metediço, movediço, quebradiço etc.

(130) O verbo herdar tem duplo sentido: o de receber como herança e o de dar ou deixar como legado. O primeiro valor em Camões: "De Carlos, de Luís o nome e a terra / herdaste",.. (Lus., VII, 7); o segundo, aqui, em Rui. í‘:ste é menos empregado. (131) De cinquaginta, por quinquaginta, procede cinquenta; esse numeral não foi formado de cinco -\- enta: e, pois, a boa tanto âs composições de Swift como o linho bruto com a cordoalha que dele se tece". (135) Crear e criar — Por muito tempo se fêz distinção arbitrária entre esses dois verbos: um, com o sentido de tirar do nada, outro, equivalente a alimentar, nutrir, educar. No Vocabulário do regime gráfico em vigor já se não apartam as duas formas. Criar, com —; í — é a única escrita para as duas significações verbais: criar uma obra d’arte, criar o gado ou criar um menino. Essa unidade de forma não representa inovação do sistema antes vem sendo ensinada por professores e filólogos. (136) "só se comparam às da oração = só se igualam. Comparar com = confrontar, examinar as semelhanças ou diferenças. Comparar a = assemelhar-se, igualar-se, rivalizar. Comparar algo e algo = cotejar, pôr a par, ao lado um do outro: "Compara tu a situação de Príamo com a minha". (Machado de Assis); "Pois tu queres comparar-te ao homem que eu amo!" (Camilo); "Quem os compara, não vê nem o rei nem o escravo; vê o homem". (Machado de Assis): todos no Grande e Novíssimo Dicion. de Laudelino e Campos, p. 1480. escrita é a primeira, única consignada no Vocabulário da Academia. (132) Ninguém, cabendo-lhe a vez… Ao gerúndio puro pospõe-se o pronome átono. (133) — em lhe chegando o turno — a preposição em, elegantemente anteposta ao gerúndio, põe em próclise o pronome oblíquo. (134) Muitas se parecem umas às outras. A sintaxe mais comum desse verbo, quando pronominal, constitui-se mediante a preposição com: e os exemplos comprovadores são inúmeros. Os clássicos, porém usaram, não poucas vezes (como faz aqui o nosso grande clássico) a preposição a: "São parecidos os aduladores àqueles quatro animais do Apocalipse". (Vieira, IV, 237, ap. Epifânio Dias, Sint. Hist., § 145, letra c). O mesmo Rui, como sucede tantas vezes, deixa a lição completa nas pp. 229-230 das Orações do Apóst.: "Todavia, pode-se dizer… que as raras sugestões que acolheu de outros autores se parecem

A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, (132) se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno (133), se conseguirá evadir à saída. E, de um ao outro extremo, vai o caminho, longo ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem, pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e outro mistério, que lhe confinam a passagem terrestre.

Não há nada mais trágico do que a fatalidade inexorável deste destino, cuja rapidez ainda lhe agrava a severidade.

Em tão breve trajeto cada um há de acabar a sua tarefa. Com que elementos? Com os que herdou e os que cria. Aqueles são a parte da natureza. Estes, a do trabalho.

A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras (134). Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros no céu até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvairos da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.

Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais (135), cada um nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.

Os portentos de que esta força é capaz, ninguém os calcula. Suas vitórias na reconstituição da criatura mal dotada só se comparam às da oração. (136).

Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar-se da alma pelo contacto com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo onde labutamos.

O indivíduo que trabalha acerca-se continuamente do autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma parte de que depende também a dele. O Criador começa e a criatura acaba a criação de si própria.

Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela emparelha com a oração pelo culto. Nem pode ser que uma ande verdadeiramente sem a outra. Não é trabalho digno de tal nome o do mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas quando o trabalho se junta à oração, e a oração com o trabalho, a segunda criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha, às vezes, em maravilhas, a criação do homem pela divino Criador.

Ninguém desanime, pois, de que o berço lhe não fosse generoso, ninguém se creia malfadado por lhe minguarem, de nascença, haveres e qualidades. Em tudo isso não há surpresas que se não possam esperar da tenacidade e santidade no trabalho.

(Da Oração de Paraninfo, na Fac. de Direito de São Paulo, 1921, em Elõg. Acadêmicos, pp. 358-361)

 


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

 

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