SOCIEDADES SECRETAS NA ÁFRICA: OS MAU MAU E A LUTA PELA DESCOLONIZAÇÃO

SOCIEDADES SECRETAS NA ÁFRICA: OS MAU MAU E A LUTA
PELA DESCOLONIZAÇÃO

 

           

Márcio José S. Lima 1

RESUMO

O presente trabalho tem a
finalidade de mostrar a participação da Sociedade Secreta denominada Mau Mau,
no processo de descolonização do Quênia. País localizado na África oriental e
que a partir do século XIX até 1963, foi colonizado pelos britânicos. O fato
foi ocorrido em decorrência do neo-imperialismo imposto pelas nações
industrialmente desenvolvidas aos povos africanos, asiáticos e latino-americanos.
Durante este período, vários povos inconformados com a tirania e a injustiça
praticada pela metrópole se rebelaram e lutaram pela conquista de sua
independência, mesmo que para isso tivessem que utilizar meios secretos,
violentos e ilegais.

PALAVRAS CHAVES: Sociedades
Secretas, Mau Mau, Quênia.

            A
história pode acontecer sob dois planos distintos: o explícito e o implícito. O
explícito é o plano em que a história pode ser observada, analisada e
registrada através dos meios de comunicações, da escrita, dos relatos verbais.
Por sua vez, o plano implícito é aquele em que a história é ocultada, invisível
e fora de qualquer suspeita ou comprovação. Seus fatos são protegidos para que
não se tornem público e quase nunca se tem um conhecimento exato e unanimemente
considerável sobre sua origem. Porém, estes dois planos não estão completamente
isolados. Em algum lugar no tempo os dois se encontram, seja através de falsos
relatos, seja através de especulações ou através de pesquisas. É a partir deste
momento que se tem conhecimento sobre as Sociedades Secretas.

            Sociedades
Secretas são grupos de pessoas que, com o mesmo objetivo, reúnem-se
implicitamente para discutir, promover ou praticar atividades pouco
convencionais, às vezes ilegais ou contrárias às instituições sociais,
políticas e religiosas, podendo manisfestar-se em vários segmentos da vida
social, como por exemplo: na política, na economia, nas ciências, na religião,
nas artes. Entre eles é de fundamental importância a criação de símbolos e
linguagens que facilite a comunicação entre si. Além de seu caráter fechado e
clandestino, as Sociedades Secretas se caracterizam pela troca de segredos
entre seus membros. Para Georg Simmel, sociólogo alemão (1858-1918), o
essencial em uma sociedade secreta é a relação de confiança mútua entre seus
membros, pois esta confiança possui um valor moral que servirá de base para
sustentar o segredo. Assim, a sociedade secreta será constituída a partir da
junção de dois elementos: confiança e segredo.

            O
problema em estudar, e consequentemente falar, em sociedades secretas é o fato
deste ser também, na maioria das vezes, um terreno ligado ao fanatismo, pois
todas elas possuem sempre, elementos que aglutinam a história e a filosofia com
o lado místico e esotérico da coisa. Na prática, às vezes fica muito difícil
para o pesquisador separar o que de fato é realidade, daquilo que se apresenta
apenas como invenção e ficção formulada pelo
fanatismo.                                                       

Sempre foi da necessidade humana, fazer parte ou identificar-se com algum
grupo que lhe chamasse à atenção. Desde a antiguidade, os homens buscaram
ambientes onde pudessem compartilhar seus conhecimentos através dos estudos,
das práticas místicas ou do planejamento das insurreições políticas. Porém as
idéias estabelecidas por estes grupos, nem sempre foram aceitas ou
compreendidas pela grande parte da sociedade. Desta forma, por praticarem ritos
religiosos minoritários e contrários à religião oficial ou para não sofrer
represália por parte dos governantes, pelo fato de serem clandestinos
contrários a opinião dominante, escolheram o segredo como forma de preservar
suas convicções e seus conhecimentos.  No geral, as sociedades secretas podem
ser classificadas em duas classes, as de caráter místico-religioso (Rosacruz,
os Cátaros, o Priorado de Sião) e as de caráter sócio-político (Crânios e
ossos, Illuminati, Mau Mau).

As Sociedades Secretas constituem um fenômeno universal no contexto
histórico da humanidade. Prepassaram o tempo através dos séculos, envolvidas
por uma aura de mistério manifestada em todos os setores da sociedade, tanto na
esfera religiosa quanto na esfera política. 

“Entretanto, a maioria das mais notáveis associações
secretas já existentes em diversas eras e diferentes paises devem ter sido
formada originalmente com o intuito de alcançar um fim político, ou passou a
contemplar tal fim como sendo seu principal objetivo. […]” (KEIGHTLEY, 2006, p. 13)

Neste contexto, muitos dos movimentos políticos encontrados em nossa história
contaram com a participação sutil do secreto, a exemplo da Revolução francesa,
da Inconfidência mineira, da libertação dos escravos. Porém, este fator
extremamente político não anula a esfera religiosa, tendo em vista a relação
apresentada entre a religião e as instituições civis dos Estados presente em
quase todos os países.

A verdade é que desde as primeiras civilizações, desde que os homens
criaram as hierarquias sociais e passaram a organizar reuniões de interesses
comuns, surgiram também às primeiras sociedades secretas. De caráter
iniciático, religioso ou político, tendo que preservar o segredo, seja por medo
ou por autonomia e liberdade de expressão entre seus membros, as sociedades
secretas sempre se fizeram presentes nos bastidores da nossa história. Do
hermetismo grego, passando pelos Assassinos (Hashishim), Templários e os Tugues
na Idade Média, até a Ku Klux Klan e a Opus Dei na época atual.

Inserido no conjunto das sociedades secretas de caráter político (e por
que não dizer até revolucionário), surgiu no Quênia, país localizado na África
oriental, uma organização secreta de guerrilha conhecida como Mau Mau.
Neste período, o Quênia encontrava-se sob o domínio da Inglaterra, conseqüência
do Imperialismo, ou neo-colonialismo, iniciado no século XIX.2

Os Mau Mau têm suas origens ligada às tribos kikuyus do Quênia. Os
kikuyus habitavam parte das regiões montanhosas daquele país conhecido como Montanhas
Brancas
. Região de terras férteis e clima adequado às plantações. Os
ingleses, desconsiderando o fato daquele território pertencer aos kikuyus,
expulsou-os de suas casas, tomando posse de suas terras. Utilizaram grande
parte da população como mão-de-obra barata e elevaram as taxas de impostos,
levando os quenianos a procurar emprego em fazendas ou em áreas urbanas para
pagar suas dívidas. Em pouco tempo, os britânicos já tinham instalado no Quênia
um perverso sistema tributário, um rígido controle da mão-de-obra e a
apropriação ilegal da terra. Quanto à distribuição de terra, Shelley Klein
mostra que em 1948, existia 1,25 milhão de kikuyus para 5,2 mil km2 de
terras inférteis, quanto que para apenas 30 mil colonizadores, havia 31 mil km2
de terras férteis. (KLEIN, 2007, p. 158)

Diante do quadro de dominação, começaram a surgir partidos de oposição compostos
apenas por quenianos. O primeiro foi chamado de Associação da África Oriental,
logo declarado ilegal pelos britânicos. O segundo grupo foi denominado
Associação Central dos Kikuyus (KCA). E terceiro grupo era a União Africana
Queniana (KAU), porém, assim como as demais, a KAU fez pouco progresso contra
os ingleses.

Após estas três tentativas frustradas, alguns kikuyus desistiram da via
legal de oposição  e  sob   a  forma   de  organização  secreta   denominada 
Mau Mau  iniciaram   uma campanha de violência e terror contra os colonizadores.
Acredita-se que o grupo tenha sido formado entre 1947 e 1952 com o único
objetivo: libertar o Quênia do colonialismo, mesmo que para isso tivessem que
utilizar meios brutais e terroristas. A origem do termo Mau Mau tem precisão
incerta. Alguns acreditam que seja a palavra em língua kukuyus para nomear um
grupo de montanhas localizado no Quênia, outros afirmam que a palavra seja uma
aliteração do grito de guerra do povo kukuyus. Outra interpretação é que o termo
Mau Mau é uma invenção britânica para denegrir e demonizar a imagem daquela
sociedade secreta.

Assim como quase todas as sociedades secretas, os Mau Mau também
praticavam seus ritos e cerimônias de iniciação. Em um ambiente escuro, era
ordenado que o iniciado tirasse suas roupas. Em seguida, já despido, era
forçado a atravessar um arco feito de cana-de-açúcar e folhas de bananeira. Era
ordenado então que comesse um pedaço de carne sacrificial durante sete vezes.
No intervalo de cada ingestão, o iniciado repetia o juramento de modo que seus
lábios tocariam o sangue por sete vezes, acompanhado pelo juramento que também
era repetido por sete vezes3.
Depois, era passado uma cabaça com sangue em torno de sua cabeça e a ele era
ordenado que furasse sete espinhos em uma maçã de sodoma e depois furar o olho
de um carneiro. 

 Também, havia uma coleção de juramentos a quem o iniciado era submetido.
Não podia revelar os segredos dos Mau Mau; não podia entregar as terras dos
Kikuyus a estrangeiros; jurava respeito e devoção ao líder; não podia, por
qualquer forma, denunciar um dos membros do grupo e teria sempre que pagar os
tributos da sociedade. O não cumprimento destes juramentos acarretava a
cessação do membro iniciado, que geralmente sofria uma morte extremamente selvagem.

Inicialmente, a violência dos Mau Mau era dirigida apenas aos
colonizadores. Contudo, aqueles que não colaboravam, mesmo sendo nativos, eram
violentamente punidos. Fazendas de proprietários brancos foram atacadas, casas
foram incendiadas e grandes quantidades de bois e carneiros foram mutilados ou
mortos. Quando as autoridades tomaram conhecimento dos fatos, ignoraram os
acontecimentos afirmando que os kikuyus eram povos primitivos, dedicados à
prática da magia e à cerimônias de juramento.

            Porém,
após o aumento do número de vítimas e a informação de que os Mau Mau estavam
adquirindo grandes quantidade de armas, as autoridades concluíram que a solução
seria declarar estado de emergência e aumentar o efetivo de militares
britânicos naquele país. Rapidamente prisões foram feitas, pessoas acusadas de
envolvimento com os Mau Mau foram detidas e a polícia foi reforçada. Mesmo
assim, a ação daquela sociedade secreta continuava se fazendo presente. Em
janeiro de 1953, o mundo tomou conhecimento dos Mau Mau e percebeu as
atrocidades que estavam dispostos a cometer a fim de ver seu território liberto
do poder britânico. Em uma fazenda, na noite de 24 de janeiro, por volta das
21:00 h, um bando de mau mau, ajudados pelos empregados africanos, invadiu a
fazenda de um britânico, assassinou e mutilou o proprietário juntamente com sua
esposa. Em seguida, fizeram uma varredura pela casa e encontraram o filho do
casal, de apenas seis anos de idade, dormindo na cama. A criança também foi
brutalmente assassinada. A partir daí, foi intensificado o projeto de terror,
um posto policial foi invadido e saqueado e várias aldeias (juntamente com seus
moradores) foram incendiadas.

O mundo estava estarrecido, de toda parte vinham manifestações de
protestos. A administração britânica tornou a reforçar a polícia que agora
junto ao exército e diversos grupos legalistas civis, trabalhavam em conjunto. Líderes Mau Mau foram capturados, no qual foi negociado uma rendição em massa de
seus homens. Muitos dos que eram contrários às rendições esconderam-se na
floresta, mas foram pouco a pouco capturados. Diversas operações foram
realizadas simultaneamente, até que de forma gradativa começaram a aumentar o
número de prisões. Em 21 de outubro de 1956, foi capturado o último líder da
organização. Dedan Kimathi foi ferido a tiro por um policial tribal, preso,
julgado e condenado à morte.

Segundo Klein, o fato de um policial africano ter sido o responsável pela
prisão do último líder mau mau, pode ter sido representativo, pois para ela:

Parecia adequado que fosse um africano a derrubar o
último dos mau mau, pois, apesar de ser um grupo que estava ostensivamente
lutando pelos direitos dos africanos, durante suas operações foram seus
compatriotas africanos que sofreram a maior violência dos seus ataques. […] (KLEIN, 2007, p. 172)

   

As estatísticas mostram que durante o estado de insurgência, 32 europeus
foram mortos e 26 foram feridos. No entanto, do lado dos africanos, 1817 foram
mortos e 910 foram feridos. Dados incomparáveis se for feita uma relação entre
o número de africanos e o número de europeus afetados (que eram o alvo
principal dos Mau Mau). 

Após as operações, o estado de emergência foi finalmente suspenso e um
carismático político de origem Kikuyu que outrora fora preso acusado de ligações
com os Mau Mau chamado Jomo Kenyata, foi admitido na Assembléia Legislativa
queniana, onde em maio de 1963, tornou-se o primeiro-ministro negro do Quênia,
levando aquele país a sua independência definitiva em dezembro de 1963. Período
em que a África estava sendo descolonizada, conseqüência do enfraquecimento das
antigas Potências e da rejeição dos colonizados frente aos colonizadores. 

A campanha dos Mau Mau pela descolonização do Quênia foi de significativa
importância, porém, eles teriam sido mais felizes se não tivessem perdido o
foco. Vimos que de início seu foco era a desocupação inglesa, entretanto, quem
acabou sofrendo as maiores sanções foram os próprios quenianos.

Assim como os Mau Mau, diversos Partidos e Movimentos africanos lutaram
pela descolonização do continente. Todos aspiravam, para sua região, uma forma
de governo que fosse formada por africanos e para africanos. Portanto, para que
a independência se consolidasse, ela deveria ser conquistada tanto através do
reformismo moderado quanto do radicalismo revolucionário, como almejava os Mau
Mau. Em linhas gerais, puderam ser identificados dois tipos distintos de
descolonização do continente africano: um ocorreu em algumas regiões que não
tinham nenhum tipo de produto estratégico a ser explorado4. Nestas
regiões, a independência ocorreu de forma rápida e pacífica. O outro ocorreu,
de forma contrária, nas regiões em que havia a presença de alguns destes
produtos estratégicos5. Neste caso, houve resistência por parte dos
colonizadores, resultando em movimentos de guerrilhas, ataques e luta armada.

O que se pode concluir é que, sem a constituição destes Partidos,
Movimentos e Sociedades, talvez a África tivesse levado um período bem mais
longo até conquistar sua autonomia frente aqueles que a colonizava6.
Porém, é importante compreender que mesmo tendo conquistado sua independência,
países africanos ainda hoje passam por constantes problemas que vão de guerras
civis e doenças à fome generalizada. 

NOTAS:

1Graduando em Filosofia e
História pela UFPB/UVA. E-mail: [email protected]

2 O neocolonialismo se deu a
partir do século XIX, quando vários países europeus, em estado avançado de
industrialização, careciam de fontes de matéria-prima, produtos alimentícios,
mercado consumidor para seus excedentes industriais e regiões para investimento
de capitais. Para garantir a expansão de seus domínios, estes países partiram
em busca de novos territórios na América Latina, na Ásia e na África.

 

3 Assim como em outras culturas, o número sete era de grande
significação para os kikuyus.

4 Cobre, ouro, diamante, petróleo, etc.

5 A exemplo do cobre no Congo e do petróleo na Argélia.

6 A descolonização só teve início de fato, após a segunda Guerra Mundial, quando várias nações
africanas e asiáticas se firmaram como Estados independentes, conseqüência da
luta daquele povo para se libertar do domínio colonial imposto pelos países
desenvolvidos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Muryatan Santana. História
da África: uma introdução
< cultura.googlepages.com/HistoriadaAfrica.pdf
> Acesso em: 21 setembro de 2008.

KEIGHTLEY, Thomas. Sociedades
secretas da idade média – Os assassinos, os templários e os tribunais secretos
de westfália
. São Paulo: Madras, 2006.

KLEIN, Shelley. As sociedades
secretas mais perversas da história
. São Paulo: Planeta, 2007.

SIMMEL, G. Sociologia: estudio
sobre las formas de socialización
. 5ª. ed. Madrid: Alianza, 1986.

WIKIPÉDIA. História do Quênia <http://pt.wikipedia.org/
wiki /Hist%C3%B3ria _do_Qu% C3%A9nia> Acesso em: 21 setembro de 2008.

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