TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA (Porto, 1747-1809) era formado em
Direito e ocupava o lugar de ouvidor da comarca de Vila Rica, em Minas Gerais, quando, envolvido na conjuração da Inconfidência, foi preso, degredado para a África, onde morreu. Deram-lhe celebridade literárias suas líricas, endereçadas a Marília, isto é, a D. Maria Joaquim Doro-téia de Seixas Brandão, com quem tinha ajustado casamento na época de sua desdita.
Lira XXII
Muito embora, Marília,
muito embora
Outra beleza, que não seja a tua,
Com avermelha roda, a seis puxada,
Faça tremer a rua.
As paredes da sala,
aonde habita,
Adorne a seda, e o tremó dourado;
Pendam largas cortinas, penda o lustre
Do teto apainelado.
Tu não habitarás
palácios grande,
Nem andarás no coches voadores;
Porém terás um Vate, que te preze,
Que cante os teus louvores.
O tempo não
respeita a formosura;
E da pálida morte a mão tirana
Arrasa os edifícios dos Augustos,
E arrasa a vil choupana.
Que belezas, Marília,
floresceram,
De quem nem sequer temos a memória!
Só podem conservar um nome eterno
Os versos, ou a história.
Se não houvesse
Tasso, nem Petrarca,
Por mais que qualquer delas fosse linda,
Já não sabia o mundo, se existiram
Nem Laura, nem Clorinda.
É melhor, minha
Bela, ser lembrada
Por quantos hão de vir sábios humanos,
Que ter urcos, ter coches, e tesouros,
Que morrem com os anos.
Lira XXVII
Alexandre, Marília,
qual o rio,
Que engrossando no inverno tudo arrasa,
Na frente das coortes
Cerca, vence, abrasa
As cidades mais fortes.
Foi na glória das armas o primeiro;
Morreu na flor dos anos, e já tinha
Vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado,
cujo nome
Não há poder algum, que não abata,
Foi, Marília, somente
Um ditoso pirata,
Um salteador valente.
Se não tem uma fama baixa, e escura,
Foi por se pôr ao lado da injustiça
A insolente ventura.
O grande César,
cujo nome voa,
À sua mesma Pátria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Oprime-lhe a garganta,
Dá Senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito;
Se acaso não vencesse, então seria
Um vil traidor proscrito.
O ser herói,
Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou
herói, Marília bela,
Segundo da virtude a honrosa estrada:
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! não manchei a espada,
Não roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.
Aos bárbaros,
injustos vencedores
Atormentam remorsos, e cuidados;
Nem descansam seguros
Nos palácios cercados
De tropa, e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia história
A quem mudou o Fado em negro opróbrio
A mal ganhada glória.
Eu vivo, minha Bela,
sim, eu vivo
Nos braços do descanso, e mais do gosto:
Quando estou acordado
Contemplo no teu rosto
De graças adornado:
Se durmo, logo sonho, e ali te vejo.
Ah! nem desperto, nem dormindo sobe
A mais o meu desejo.
(Marília de Dirceu, obra de Tomás Antônio Gonzaga)
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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