Superhomem

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    Oi…Sou psicóloga e leitora (embora ainda leiga) de Nietzsche. Gostaria} de saber o real significado da expressão “superhomem”, muito utilizada pelo autor. Muito obrigada.}

    #78394

    Olá

    Super-homem traduz übermensch, expressão que o melhor tradutor de Nietzsche, Rubens Rodrigues Torres Filho, verteu para além-do-homem .

    O conceito é melhor explicado na obra Assim Falou Zaratustra. Zaratustra desce da montanha para anunciar o Além-Do-Homem. É uma espécie de profeta do além-do-homem, cuja possibilidade de existir estaria locada apenas no futuro, e não na realidade presente. Nietzsche dizia-se póstumo, e o seu Zaratustra, uma espécie de alterego (de repente um se fez dois e Zaratustra passou por mim) não é ainda o além-do-homem, apenas seu anunciador. Ele fiz que o que é grande no homem é ser ele uma ponte e não um fim. O homem é uma corda extendida sobre o abismo – perigoso sucumbir, perigoso olhar para trás, num dos extremos estaria o animal, e no outro o além-do-homem.

    O além-do-homem superará o ressentimento, os além-mundos, e viverá a razão da Terra, esta vida, esse mundo, em sua superabundância e no nobre jogo das relações de forças, emblematizadas pelaa Vontade de Potência. Depois de transmutar todos os valores, o além-do-homem será o criador dos seus próprios valores.

    #78395

    Obrigada, Miguel.
    A Vontade de Potência seria então todo o investimento que o homem colocaria em sua força para vir a ser um superhomem, seja na criação de seus próprios valores e conceitos, seja no rompimento com os pré-conceitos?

    #78396

    Não sei se é bem isso.

    A vontade de potência pode ser tomada como o sinônimo de vida, a vida é a vontade de potência. Nietzsche comenta a vontade schopenhauriana e apresenta seu conceito em uma passagem do Zaratustra…Da superação de si.

    A vida deve ser entendida como a vontade de afirmar-se num mundo que é jogo de forças. A verdade é uma mulher, ama somente um guerreiro.

    #78397

    Aline, para mais informações leia
    http://www.consciencia.org/contemporanea/nietzsche2.shtml

    e

    http://www.consciencia.org/forum/messages/3/520.html?1084219932
    , que é a discussão em curso sobre vontade de poder aqui no fórum. Acabei de postar lá o artigo do ferrater mora que procura definir este conceito.

    #78398

    Oi Miguel!
    Leio Nietzsche há algum tempo e …. bom, me perdi um pouco e tenho algumas dúvidas.. aliás, muitas….
    Pra algumas delas, gostaria muito de sua opinião, pois, pelo o que escreveu, parece ter uma interpretação muito boa das idéias de Nietzsche, então, se pudesse me ajudar agradeceria muito…
    Olha só, as morais que o Niet tanto valoriza, totalmente repudiada e estranha à casta, servem apenas para uma limpeza individual do ser diante da sociadade, somente para o conhecimento dos erros da cultura, da religiaõ e meio que um desasociamento delas? servem apenas para abrir os olhos quanto o sistema e nos sentirmos em plena repressão? Só para “progredir” nosso intelecto quanto ao significado da vida…. ou melhor, qto ao seu não significado, sabendo que o que é considerado e vivido como “real” é apenas ficção, criado por grandes impulsos de insatisfação do instinto do ser humano diante da significação da vida, do que ela realmente é… precisando criar seres ficticios, morais desajeitadas pra continuar vivendo, pra ter um POR QUE pra se viver, como fantasiar além mundos, juizos finais, desejo de manipulação, de poder e nossa….. muitas outras febres estapafurdias?
    Só pra se ter conhecimento disso? Mais nada…. E diante disso vivermos acoados, excluidos dessa realidade, alguns, ficando neuroticos procurando um significado pra se continuar aqui, no meio de tanta imundice? Sim, Nietzsche lutou por continuar aqui, mesmo com seu enorme desprezo quanto ao sistema, mas ele queria mudar… como eu pude perceber em Humano, Demasiado Humano, aforismo 472 – Religião e Governo. Não pôde… e tbm, algumas passagens de suas cartas aos seus amigos, q encontrei numa biografia dele, ele sentia uma enorme vontade de criar uma associação, porém, não pode contar com seus amigos pra isso… pois seus amigos, como Erwin Rohde, não queriam lutar por tais morais, seria um peso muito grande tentar mudar algo… transmutar os valores….
    E agora, Miguel, eu te pergunto: as obras do Niet são voltadas para o bem pessoal, como no caso, coloco como exemplo a idéia dele do super-humem, mas é possivel conseguir tal façanha cercado de repressão por todos os lados?? é preciso se recorrer sempre às montanhas pra se limpar um pouco a alma da sujeira da sociedade? e sempre que voltarmos nos sentiremos denovo sob pressão e nunca poderemos nos sentir bem nessa sociedade?
    Bem, se essas perguntas são imaturas, não tenha dúvida, mas elas semprem invadem minha alma com voraz fome de resposta…. e preciso de outras opiniões pq só com a minha, não consigo chegar em nenhum lugar…

    #78399

    Olá Patricia, achei interessante suas questões, posso me intrometer?

    Sobre sua questão da moral, creio que a “proposta”, se podemos dizer assim, de Nietzsche está para mais do que somente uma via purgativa, embora possa ser também, pelo menos em parte, assim interpretada.

    Nietzsche lutou por continuar aqui, mesmo com seu enorme desprezo quanto ao sistema

    Eu usaria a palavra desprezo com algum cuidado quando associada com a obra de Nietzsche. Ela carrega um quê de ambiguidade. Aliás, esse cuidado faz bem quase sempre, e, em especial, quando pensamos os textos nietzscheanos. Vou tentar responder por tópicos e desculpe-me por – ou melhor, espero que não aconteça de – estar muito esquematizado

    Da “superação de si” tem um aspecto negativo, criticado por Zaratustra nos discursos aos “mais sábios dos sábios”, associado ao desejo de que “tudo se transfome no que pode ser humanamente pensado”, ou, muito resumidamente, esforço de adequação da vida ao pensamento. Seria a “velha vontade de potência” que estabelece tudo em termos de bem e de mal.

    Mas tem ainda um aspecto positivo de “superação de si”, também entendida como auto-superação. Essa como esforço para sempre por mais potência, sendo a novidade a potência associada com a vida que identifica o que é bom com aquilo que se superou. Ora, a primeira vista parece que não se mudou nada! A diferença está, todavia, em que a tábua de valores do que é bom não caracteriza já apenas povos e homens, mas a vida mesma. “Subir quer a vida e, subindo, superar a si mesma.” [cf. Zaratustra, “Das tarântulas”]. A vontade de pontência aparece agora como princípio pelo qual a vida se projeta para além de si mesma, e é nesse contexto que Zaratustra revela o segredo que lhe foi contado pela própria vida: “onde há vida também há vontade: mas não vontade de vida, senão – é o que te ensino – vontade de potência!”

    Do “super-homem” o projeto da superação de si acaba por caracterizar a passagem para o projeto do super-homem: passagem da vontade do nada para a vontade de potência, da vontade da verdade para a vontade da vida! “O homem deve ser superado… Eu vos ensino o super-homem. O super homem é o sentido da terra”. Os dois parâmetros a partir do qual o super-homem é apresentado são Deus e a terra. Super-homem é aquele que supera as oposições corpo-alma, terreno-extraterreno, sensível-espiritual; e ele se volta para a terra e dá valor à terra.

    Nietzsche não quer provar que Deus não existe, como faziam os ateus. Com a afirmação da “morte de Deus” ele apenas constata uma situação de desvalorização dos valores divinos, de niilismo da modernidade. O homem que matou Deus é o homem moderno, o homem reativo, “o mais feio dos homens”, que por não suportar aquele que via sua vergonha e fealdade ocultas vinga-se dessa testemunha. Então, “que o super-homem seja o sentido da terra”. Zaratustra então vem pregar a esperança: se os homens não têm mais um Deus, ainda podem muito bem ter um futuro. “Amo aqueles que se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem”.

    Mas, retornando à questão da ambiguidade para não ficar nada fácil: no entanto, não há nenhuma dúvida de que Nietzsche seja um crítico da idéia (moderna) de progresso – mas não vou tratar aqui do eterno retorno. No “Anti-Cristo”, que, por sinal, é frequentemente mal-interpretado, ele afirma: “A humanidade não representa um desenvolvimento para o melhor, para algo mais forte, mais elevado, como hoje se pensa.” Então, percebe-se que uma interpretação de Nietzsche que não leve em conta o tema do héroi e o tema da tragédia não vai conseguir se firmar bem.


    Agora, finalmente, vc falava da moral:

    Dois tipos de moral, a moral dos escravos e a moral dos senhores, ou dos nobres. Essas duas caracterizadas com relação ao ressentimento. Lemos que a moral dos escravos começa quando o ressentimento se torna criador e estabelece valores: é o ressentimento daqueles a quem está vedada a única reação verdadeira, a reaçao da ação, de onde o porque de uma vingança imaginária. Enquanto a moral dos nobres diz um decidido SIM a si mesmo, a moral dos escravos diz NÃO. Isso está bem explicado na “Genealogia da moral”, segundo Nietzsche: para surgir, a moral dos escravos necessita sempre de estímulos exteriores para poder atuar – sua ação é, de raíz, reação. O contrário ocorre na maneira nobre de valorar: esta atua e brota espontaneamente, busca seu oposto tão só para dizer-se SIM a si mesma com maior agradecimento… etc. Mas, para tentar responder sua questão, me vem a mente uma outra passagem:

    Quando a maneia nobre de valorar se equivoca e peca contra a realidade…, fiz o corte aqui para chamar a atenção para um ponto, agora ele continua: … isso ocurre com relação a à esfera que não lhe é suficientemente conhecida, mais ainda, a cujo real conhecimento se opõe com aspereza: não compreende às vezes a esfera depreciada por ela, a esfera do homem vulgar do povo simples… etc. Aqui não te parece que ele começa a legislar em causa própria? Mas é uma passagem interessante para percepção de um certo fio condutor que, parece, perpassa a obra: tenha-se em conta que, em todo caso, o efeito do desprezo, do olhar de cima para baixo, do olhar com superioridade, ainda pressupondo que falseie a imagem do desprezado, não chegará nem de longe a uma falsificação com que o ódio reprimido, a vingança do impotente atentarão contra seu adversário.

    O mesmo ressentimento, no homem nobre, quando nele aparece, se consome e esgota rapidamente em seu efeito, em uma reação imediata, e, por isso, não envenena, e, contudo, nem sequer o ressentimento aparece com frequência. O nobre tem uma certa “super-abundância de força plástica, remodeladora, regeneradora, força que também faz esquecer (um bom exemplo disso no mundo moderno é Mirabeau, que não tinha memória para os insultos nem para as vilanías que se cometiam contra ele, e que não podia por isso perdoar, pela única razão de que sempre se esquecia das ofensas). Talvez somente um homem assim consiga – supondo que isso seja em absoluto possível na terra – o autêntico «amor aos seus inimigos».” E, embora também haja aqui, certamente, um quê de poesia: Quanto respeito por seus inimigos tem um homem nobre! – e esse respeito é já uma ponte para o amor…, parece que fica caracterizada uma faceta do “projeto”: um homem que não guarda vingança ou ressentimento, capaz de respeitar ao seu próximo, capaz até mesmo do amor aos inimigos – supondo, conforme concessão do próprio autor, que isso seja possível. Pode haver aí uma pitada de ironia, essa questão só pode ser respondida por duas vias distintas: pela fé ou pela reinterpretação. Portanto, o que Zaratustra anuncia seria: esperança, confiança, vida, potência. É uma mensagem positiva: a modernidade não crê noutro mundo? então torne esse melhor! Ah… importante: o “projeto” diz do homem, não do “mundo”. Cabe ao homem dar sentido à terra, criar valores. Assim, nesse contexto a tecnologia, leia-se ciência, aparece apenas como mais uma outra farsa, mas isso já seria outro assunto.

    Abraços.

    #78400

    Oi Pilgrim! Muito obrigada por me responder! Achei legal vc ter me respondido porque eu já li umas opiniões suas e senti vontade de poder conversar contigo!!!!

    Bem, interpretar Nietzsche é algo complicado….. Ele é bem negro para aqueles que de certa forma estão agrilhoados à moral distorcida. A mim, as concepções dele ainda tocam de maneira turva, pois, mesmo que eu não tenha muito contato com a sociedade [o que também me limita à julga-la com mais precisão], ainda me pego meio que defendendo alguns valores ligados à essa mesma moral! Lógico que todos contemos muitos resíduos da humanidade em nosso ser, mas o problema é saber identificá-los e ajustá-los às novas concepções que começamos a conhecer e, de certo modo, valorizar. E acredito que esse seja o problema q está me atormentando…. entre muitos outros…..

    Quanto ao livro Assim Falou Zaratustra, eu não o li inteiro, não me senti apta a continuar, meus questionamentos estão me deixando um pouco desnorteada.

    Então acima da vontade de vida está a vontade de potência….. eu não entendo direito esse ponto de: a vida quer subir e, subindo, superar a si mesma…. seria o caso de superar os valores dos significados q deram à vida? Lhe atribuindo outros, como posso dizer, mais elevados? Acho que elevado não é a palavra que quero usar, pois elevado também dá o sentido de ser apenas outra realidade fantasmagórica que tem um significado mais bem coerente, se é que me entende. Daí acho que já podemos partir pro ponto do projeto do super-humem, não é?
    Mas daí eu não entendo esse projeto direito:

    Nossa! Eu não entendo, vc poderia me explicar sobre essas oposições? Como assim superar isso?

    E tbm não entendo isso: se os} não têm mais um Deus, ainda podem muito bem ter um futuro. “Amo aqueles que se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem.” Como assim se sacrificar à terra??

    Nossa, agora alguns pontos estão ficando mais claros com sua resposta quanto a moral….. Isso é bem verdade, sobre quando a maneira nobre de valorar se equivoca e peca contra a realidade…
    Sabe, nunca tinha pensado nesse ponto muitíssimo importante! É exatamente isso! E como eu posso desprezar tanto algo que não conheço direito! Como fui precipitada em minhas criticas! Agradeço muito por ter levantado esse ponto!!!

    Ah! E também sobre vc ter apontado a tecnologia como mais outra farsa, eu concordo também e sendo esse outro assunto, seria bom, ótimo se pudessemos discutir sobre ele numa outra ocasião!

    Muito obrigada!
    Até mais!!

    #78401

    Obs: a parte em negrito não é pra enfatizada, foi apenas um erro que cometi quando estava digitando!

    #78402

    Uma correção do 4° e 5° parágrafo:

    A vontade de potência aparece agora como princípio pelo qual a vida se projeta para além de si mesma. Então acima da vontade de vida está a vontade de potência….. eu não entendo direito esse ponto de: a vida quer subir e, subindo, superar a si mesma…. seria o caso de superar os valores dos significados q deram à vida? Lhe atribuindo outros, como posso dizer, mais elevados? Acho que elevado não é a palavra que quero usar, pois elevado também dá o sentido de ser apenas outra realidade fantasmagórica que tem um significado mais bem coerente, se é que me entende. Daí acho que já podemos partir pro ponto do projeto do super-humem, não é?
    Mas daí eu não entendo esse projeto direito: Super-homem é aquele que supera as oposições corpo-alma, terreno-extraterreno, sensível-espiritual; e ele se volta para a terra e dá valor à terra.
    Nossa! Eu não entendo, vc poderia me explicar sobre essas oposições? Como assim superar isso?

    E tbm não entendo isso: se os homens não têm mais um Deus, ainda podem muito bem ter um futuro. “Amo aqueles que se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem.” Como assim se sacrificar à terra??

    …Me desculpe pelas falhas!

    #78403

    Alguns acham que a obra de Nietzsche é mais poética do que filosófica, outros, que ele era meio doido e, de fato, passou a ficar no final de sua vida.

    A idéia central é a de que a civilização, da forma como estava organizada, teria matado uma parte da liberdade do ser humano, o que o impediria de ser naturalmente livre; daí o conceito de super-homem, que de super não tem nada além da coragem de ser “naturalmente” homem.

    Atualmente, sabe-se que a idéia de que a natureza termine onde começa o ser humano é falsa e a filosofia contemporânea não mais sustenta a hipótese de um estado de plena liberdade: a ausência de superego seria a própria loucura ou não seria possível a convivência em sociedade…

    #78404

    Patricia, oi de novo.

    As questões estão ainda mais complicadas, mas prefiro não abraçar a prudência que vem na resignação ao silêncio ou na repetição de pareceres de outros, ou evasivas que se furtam ao posicionamento. Por outro lado, como contrapasso, reservo-me o direito (como já deve ter percebido) de misturar comentários acadêmicos com interpretações pessoais – na medida do possível, procurarei deixar claro quando é um ou outro caso. No mais, só relembrando, a dificuldade da exegese dos textos nietzscheanos

    eu não entendo direito esse ponto de: a vida quer subir e, subindo, superar a si mesma…. seria o caso de superar os valores dos significados q deram à vida?

    Acho que não é por aí… antes vc disse da sensação de desnorteamento, e, talvez, pelo filósofo que escolheu, vá ter que ir se acostumando com perguntas sem respostas

    No meu caso, ajudou o gosto pelo paradoxo, estimulado nas leituras de outro filósofo, que, sou capaz de apostar, a maioria deve imaginar quase como oposição a Nietzsche, Kierkegaard, filósofo cristão; entretanto, a filosofia desses dois, no meu entender, tem mais pontos de semelhança do normalmente se espera (não desconsideradas, evidentemente, a existência simultânea de muitas diferenças).

    Falando dessa “vida que quer se superar”, acho que ajudaria colar algumas passagens do Zaratustra:

    “Vontade de verdade” é como se chama para vós, ó mais sábios dos sábios, o que vos impele e vos torna fervorosos? Vontade de que seja pensável tudo o que é: assim chamo eu vossa vontade! Aqui, com um pequeno toque de ironia (em outras passagens ela aparece mais sutil e mais forte), critica o projeto de enquadramento do sujeito nos moldes da razão, que enquanto tal funciona ao modo de universalização e simplificação de conceitos e proposições como caminho de domínio do conhecimento. O homem, entao Mas deve adaptar-se e curvar-se a vós! Assim quer a vossa vontade! Liso deve ele tornar-se, e submisso ao espírito, como seu espelho e reflexo. Essa é toda a vossa vontade, ó mais sábios dos sábios, como vontade de potência… Com diferença de estilo, mas não de qualidade, vejo semelhança com Kierkegaard, na ironia, na valorização do sujeito e da diferença, e na critica à pretensão de que a razão traga todas as respostas. Mas mais importante é perceber como Nietzsche usa a expressão “vontade de potência”, na passagem anterior ela aparece com sentido negativo. Também aqui: É vossa vontade e são vossos valores que vós assentastes no rio do vir-a-ser; uma antiga vontade de potência é o que denuncia a mim aquilo que é acreditado pelo povo como bem e mal.

    Em suma, o homem cria os valores e os eleva ao estatuto de transcendentes e absolutos: Agora o rio carrega vosso bote: tem de carregá-lo. Pouco importa se a onda quebrada espuma, e irada contradiz a quilha!

    Não é o rio vosso perigo e o fim de vosso bem e mal, ó sábios dos sábios: mas aquela própria vontade, a vontade de potência – a inesgotável e geradora vontade de vida. Ops… agora “vontade de potência” aparece com sentido positivo. Muita gente se perde nos textos de Nietzsche nesses jogos com as palavras e leva gato por lebre – e nem tocamos nas passagens mais complicadas. Estou supondo que já ficou claro a ironia, que “os sábio entre os sábios” são os que se imaginam sábios. Ouvi agora minha palavra, ó sábios dos sábios!… Onde encontrei vida, ali encontrei vontade de potência; e até mesmo na vontade daquele que serve encontrei vontade de ser senhor. (…) E onde há sacrifícios e serviços prestados e olhares amorosos: ali, também, há vontade de ser senhor. Por caminhos oblíquos, introduz-se o mais fraco na fortaleza e até no coração do mais forte – e, ali, furta poder.

    E esse segredo a própria vida me confiou: “Vê”, disse, “eu sou aquilo que deve sempre superar a si mesmo”. Nietzsche acredita que é somente por isso que a vida se sacrifica, pelo poder. Vontade de vida, vontade de existência, não existe. Quem está morto não pode mais querer, mas quem está vivo, para que precisa ainda querer estar vivo? Somente onde há vida, existe também vontade, mas é vontade de ser senhor, vontade de “dominar”, vontade de poder, ou melhor, “vontade de potência”.

    acho que já podemos partir pro ponto do projeto do super-humem, não é? Mas daí eu não entendo esse projeto direito

    Talvez – quem o sabe? – deve-se então até se alegrar :-) Assim como, para Kierkegaard, o “saber demais” banaliza, para Nietzsche, o “muito conhecer” amortece ou mesmo paraliza. A questão poderia ser outra, não tanto se vc entende, mas, mais importante: vc quer?

    “Amo aqueles que se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem.” Como assim se sacrificar à terra??

    Ó sentimentais hipócritas, ó mentirosos! Falta-vos a inicência do desejo, e agora caluniais por isso o desejar!
    Em verdade, não é como os que criam, os que geram, os que têm prazer no vir-a-se que amais a terra!
    Onde há inocência? Onde há vontade de gerar. E quem quer criar para além de si, este tem para mim a mais pura das vontades.
    Onde está a beleza? Onde tenho de querer com toda a vontade; onde quero amar e sucumbir, para que uma imagem não permaneça apenas uma imagem.
    Amar e sucumbir: isso rima desde eternidades. Vontade de amor: isso é, estar disposto também para a morte. Assim falo eu aos covardes que sois!

    Quem diria! Não é que já li textos parecidos da pena de muitos cristãos?

    Abraços.

    #78405

    “Those who restrain desire, do so because theirs is weak enough to be restrained; and the restariner or reason usurps it’s place & governs the unwilling”

    “When thou seest an Eagle, thou seest a portion of Genius, lift up thy head”

    “The crow wished everything was black, the owl that everything was white”

    “The fox condemns the trap not himself”

    William Blake, The Marriage of Heaven And Hell

    E não é que já li algo parecido da pena de um “anticristão” bigodudo!

    Pensando na relação Nietzsche cristianismo, me lembrei do livro que a prof. Scarlet Marton escreveu para aquela excelente coleção “Encanto Radical”, ela escreve no prefacio que Nietzsche já foi interpretado de varias maneiras inclusive como “cristão ressentido”, e conclui que na verdade ele é acima de tudo um “instrumento de trabalho”.
    Ressentido acho difícil (para não dizer impossível), mas é possível enxergar algo de cristão em Nietzsche (como Sir Pilgrim escreve acima), assim como é possível achar algo de “anticristão” em Blake,Pessoa,Pascal e outros.Talvez o cristianismo seja também um instrumento de trabalho certo? J

    Caro amigo Pilgrim me identifico com sua posição quanto ao gosto por “paradoxos”, por tudo que o é divido, cindido, multifacetado (se é que é isso mesmo que você entende por paradoxo).Mas no meu caso acho da pra puxar “fio” desse gosto…

    O poeta alemão Novalis define filosofia como “nostalgia, o desejo de estar em toda parte como em casa”.Mas como estar em todas as partes como em casa se não temos “casa”, se não possuímos uma verdade para imprimir no mundo, se por algum motivo nos recusamos apesar de nós mesmo, a tiranizar as coisas em nossa função?Minhas crenças são uma piada, se são ao menos que sejam de bom gosto certo? hehe
    Mas aí reside meu gosto pelos pensadores divididos…é na “casa” dos “sem-teto” que me sinto em casa.
    Além disso, toda atitude -radical- encerra uma promessa, talvez o mundo seja mesmo a casa dos sem-teto….

    #78406

    Oi homem do livro, ou melhor, meu amigo leitor de Blake,

    Boa! Aproveitando sua msg, e seguindo nessa trilha provocativa, queria acrescentar algumas coisas:

    me lembrei do livro que a prof. Scarlet Marton escreveu para aquela excelente coleção “Encanto Radical”, ela escreve no prefacio que Nietzsche já foi interpretado de varias maneiras inclusive como “cristão ressentido”

    Os livros da Scarlet Marton costumam ser boa leitura, exploram bem as possibilidades dos textos nietcheanos. Junto com eles, eu sugeriria ainda os de Roberto Machado e de Oswaldo Giacóia, especialmente, “Zaratustra – Tragédia Nietzschiana” e “Os labirintos da alma – Nietzsche a a auto-supressão da moral”, respectivamente.

    Achei interessante sua msg porque gosto justamente de ressaltar esse “carater multifacetado” a que vc fez referência. Suspeito sempre qd leio proposições do tipo “o cristianismo é ruim” ou “o ateísmo é ruim”… que diabos isso significa??? A começar que nunca conheci esse tal “critianismo” estanque, engessado, empacotado e catalogado. Que projeto maluco esse, colocar mais de um bilhão de pessoas dentro de um mesmo saco de gatos, como se ao se converter ao cristianismo uma pessoa mergulhasse dentro de um liquidificador. Não digo que nunca cometi essa falha, costumamos – é defeito de fábrica nosso – “catalogar” as coisas… o lamentável é que se não cuidamos passamos a considerar pessoas também como “coisas”. “Curar-se” disso, é caminhada que exige esforço.

    Aliás, posso ter mentido. Talvez tenha conhecido um certo “cristianismo” (que de Cristo não tem nada) engessado, embolorado, vesgo e bitolado. Procuro passar longe dessas coisas, são como musgo , brotam em todo lugar onde tem umidade e escuridão. Ou melhor, não o devo ter conhecido mesmo! Alguma coisa assim só existiria na medida que existiria alguém com esses atributos, que, sem conhecimento de causa ou de efeito, se “auto-batizasse” (?) “cristão”.

    Não é para menos. Kierkegaard, dinamarquês, achava estranho milhões de pessoas, todas se apresentando como cristãs, sem que isso modificasse em cada a sociedade: “tem algo de podre no Reino da Dinamarca”. Foi quem primeiramente introduziu o conceito de “cristandade” como característica cultural ocidental em oposição ao “cristianismo”: uma “cristandade” formada de “pagãos modernos”. Nietzsche dizia do rebanho, Kierkegaard falava da multidão de macacos, e os ecologistas provavelmente não vão gostar, ofenderam vacas e macacos

    Não sou dos que concordam com essa colocação de Nietzsche como “cristão ressentido”, Nietzsche não é, certamente, cristão! Não gosto de “cristianizar” pessoas contra a vontade e não vejo com bons olhos associar adjetivos “bom” e “mau” a alguém apenas pelo fato de ser cristão ou pagão, o mesmo vale para ateu. Tenho que me cuidar bem mais quanto a isso de não “paganizar” “cristãos” – daqui a pouco vem um citando Nietzsche, hehe – mas… não sou perfeito, ou quem sabe o seja, já que tenho defeitos.

    O poeta alemão Novalis define filosofia como “nostalgia, o desejo de estar em toda parte como em casa”

    Talvez seja, hehe, uma parte de terapia existencial, pena que muitos pacientes morrem do remédio. E tem tarja-preta?

    Minhas crenças são uma piada, se são ao menos que sejam de bom gosto certo?

    Quem aprendeu a rir de si mesmo já está com mais chances de cura, é um bom sintoma.

    Ah… ainda estou devendo uma leitura melhor de Blake. Costumo eleger um autor de tempos em tempos, e por agora estou estudando Heidegger.

    Um abraço.

    #78407

    Ops…

    Ainda tratando dessa relação Nietzsche e cristianismo, mais especificamente sobre o conceito que estabeleceu ao nomear cristianismo ou ateismo como “instrumentos de trabalho”. Imagino semelhanças com a idéia de “chave de leitura”, comum em muitas correntes – leitura aqui, claro, vai além da interpretação de sinais gráficos impressos em papel. Mas… voltei porque me esqueci de passar um link interessante que tem ver com o que falávamos:

    El Anticristo de F.Nietzsche como propedéutica de la fe cristiana

    :-)

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