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29/06/2004 às 5:19 #70145Miguel (admin)Mestre
Como forma de conceituar e precisar um pouco o problema, transcrevi e traduzi parte do artigo “universales” de Ferrater Mora em seu dicionário.
“A palavra 'Hugo' é nome próprio. Se supõe que mediante este nome, nos referimos a uma pessoa determinada, a uma entidade concreta e particular cujo nome é 'Hugo'. Desta entidade ou nome, cujo nome é Hugo, podemos dizer que é um homem, que é alto, que é moreno. Os termos 'homem, 'alto, 'moreno' são usados para qualificar a hugo. São nomes 'Homem comuns usados para nomear não uma entidade singular, mas um modo universal. 'Homem', 'alto','moreno' são nomes chamados “universais”.
Tradicionalmente, os universais (universalia foram chamados de “noções genéricas”, “idéias” e “entidades abstratas”. Outros exemplos de universais são 'o leão', 'o triângulo','4' (o número quatro, escrito mediante a cifra 'quatro'). Tem se comtranposto os universais aos “particulares” e estes últimos tem sido equiparados com entidades concretas ou singulares.
Um problema central relativo aos chamados “universais” é o de seu status ontológico. Trata-se de determinar que classe de entidades são os universais, ou seja, qual é a sua forma peculiar de existência. Ainda que se trate primordialmente, como dissemos, de uma questão ontológica, vem tendo importantes implicações e ramificações em outras disciplinas: a lógica, a teoria do conhecimento e até a teologia. A questão foi posto com frequência na história da filosofia, especialmente desde Platão e Artistóteles, mas como foi discutdida muito intensamente na Idade Média, virou praxe colocá-la no início da chamada querela dos universais. Esta questão foi revivida, com efeito, agudamente desde o instante em que se considerou como um problema capital de tradução que fez Boécio da Isagoge de Porfírio. O Filósofo neoplatônico escrever o seguinte: “Como é necessário, Crisaoro, para compreender a doutrina das categorias de Aristóteles, saber o que é o gênero, a diferença, a espécie, o próprio e o acidente, e como esse conhecimento é útil para a definição e, em geral, para tudo o que se refere à divisão e demonstração, cuja doutrina é muito proveitosa, tentar em um compêndio e para fins de instrução resumir o que os nossos antecessores disseram a respeito, abstendo-me de questões demasiado profundas e ainda detendo-me pouco nas mais simples. Não tentarei enunciar se os genêros e as espécies existem em si mesmos ou na inteligência nem, no caso de existirem, se são corpóreos ou incorpóreos, nem se existem separados dos objetos sensíveis ou nestes objetos, formando parte deles. Este problema é demasiado e necessitaria de indagações mais amplas. Me limitarei a indicar o que de mais plausível os antigos e, sobretudo os peripatéricos, disseram de forma razoável sobre esses pontos e os anteriores”. (Isagoge, I,1-16; Boécio se refere a estas palavras de Porfírio e as comenta na chamada “Secunda editio” de seus comentário às categorias: Commentariu in librum Aristotelis PERI ERMENEIAZ, Livro I).
Muitos autores medievais se referiram ao levantaamento do problema feito por Porfírio e transmitido por Boécio, e adotaram algumas das posições “clássicas”, especialmente com referência às idéias a respeito de Platão, Aristóteles e os comentadores de Aristóteles.
Richard Hönigswald indica que a chamada “querela dos universais”, já desde Platão, mas sobretudo da Idade Média, ofereceu uma multiplicidade de temas e questões. Segundo ele, as principais são as seguintes: 1) A questão do conceito (natureza e funções do conceito, natureza do indivíduo e suas relações com o geral); 2) A questão da verdade (critério ou critérios da verdade e da correspondência do enunciado com a coisa; 3) A questão da linguagem (natureza dos snignos e suas relações com as entidades significadas). Todas essas questões foram levantadas, e em grande parte resolvidas, em função de vários problemas teológicos. Em princípio, o problema dos universais parece abarcar todas as questões básicas filosóficas, ontológicas, gnosiológicas e lógicas. Além disso, no fim da Idade Média e no Renascimento, o problema dos universais incluiu a questão da natureza e do indivíduo como ser pensante. (…)
As principais posições mantidas durante a Idade Média no problema dos universais são:
1) O REALISMO, nome que se dá comumente ao realismo extremo. Segundo ele, os universais existem realmente; sua existência é além disso, anterior a das coisas ou, segundo a fórmula tradicional universalia ante rem. Se não fosse dessa maneira, dizem os defensores do realismo, seria impossível entender as coisas particulares. Com efeito, as coisas particulares estão fundadas nos universais. O modo de fundamentar isso é muito discutido.(…)Os realistas não querem dizer que os universais sejam reais do mesmo modo que as coisas corporais ou dos entes situados no “espaço” e no tempo. Se fosse assim, os universais estariam submetidos às mesmas contingências que os seres empíricos, e consequentemente, não seriam universais.
2)O NOMINALISMO. O pressuposto comum a todos nominalistas é que os universasi não são reais, mas se encontram depois das coisas universalia post rem. Pode, pois, dizer que se tratam de abstrações (totais) da inteligência. Às vezes se considera que o nominalismo pode ser adotar a forma do conceitualismo ou a do terminismo, mas com frequência se pensa que o nomalismo e o terminismo são substancialmente as mesmas posições e que, pelo contrário, o conceitualismo se aproxima ao realismo moderado.
3) O REALISMO MODERADO, para o qual os universais existem realmente, se bem que apenas tanto quanto fazem parte das formas particulares, tendo seu fundamento na coisa: universalia in re. Os realistas moderados podem não negam que haja universais em Deus enquanto arquetipo das coisas, o que mistura o realismo moderado com o chamado realismo agustiniano. (…)”19/07/2004 às 15:05 #78466Miguel (admin)Mestre“Os universais existem na realidade ou somente no pensamento?”
– Mas a realidade é pensada, se considerarmos que a conscientização do que é percebido também é uma forma de pensar…
20/07/2004 às 14:51 #78467Miguel (admin)MestreQuero dizer: a interpretação do que captamos pelos sentidos e chamamos de realidade não é uma forma mais ou menos inconsciente de pensamento?
14/09/2004 às 18:37 #78468Miguel (admin)Mestre“Quero dizer: a interpretação do que captamos pelos sentidos e chamamos de realidade não é uma forma mais ou menos inconsciente de pensamento?”
pode ser que sim ou não em minha opinião, por exemplo se vc se prender que oque vc sente venha ser realidade os sentimentos nem sempre estão certos, então a realidade seria incerta se vc imaginar que a realidade é reflexo de parte do que vc pensa, o real também pode ser incerto …. logo então a realidade é incerta porém aceitável já que todos vivemos nessa esfera de realidade ou não.
abraços(Mensagem editada por the_unwanted em Setembro 14, 2004)
13/11/2004 às 0:22 #78469Miguel (admin)MestreSe por universais se entende classes (“Homem”, “Número Impar”, “Mamífero” etc.) ou relações (“.. é maior que…”, “…igual à..”, “… é apaixonado por …” etc.), então, uma interpretação literal da teoria axiomatica dos conjuntos (desenvolvida pelos matemáticos Zermelo, Gödel, etc.), teoria sobre a qual toda matemática atual pode ser fundamentada, diz que os “universais”, entendidos como certos tipos de conjuntos, existem de fato, independentemente da mente dos homens ou mesmo da existência do universo físico.
04/02/2005 às 8:54 #78470Miguel (admin)MestreRealidade e Pensamento podem ser dissociados
10/06/2005 às 16:26 #78471Miguel (admin)MestreRealidade e Pensamento podem ser dissociados
Podem: se o pensamento for equivocado ele estará automaticamente dissociado da realidade. Contudo, existe a necessidade lógica de que o pensamento objetivo não possa ser dissociado da realidade.
Quanto aos universais, penso que a pergunta deveria ser reformulada:
Quais os universais que podem ser considerados realmente universais e, portanto, existentes na realidade?
“Homem” é um universal? Bom, qual o conceito de homem? Um homem, entre outras coisas, tem dois braços. Se perder um braço deixa de ser homem? E se for possível manter a cabeça viva, através de máquinas, sem o restante do corpo, continuaria a ser um homem?
“Talher” é uma classe universal? Poderíamos concordar com Platão que o talher ideal nos permite reconhecer todos os outros tipos de talheres existentes? Mesmo que um ocidental não saiba que os “talheres” chineses são dois palitos?
14/06/2005 às 7:51 #78472Miguel (admin)MestreComo já foi dito em outro lugar, é bastante fácil criticar um filósofo quando não se entende nada do seu pensamento. Alguém constrói uma caricatura de um filósofo embasada em interpretações equivocadas e depois se lança à crítica sem perceber que está atacando mais os próprios erros da própria interpretação deturpada do que o pensamento do filósofo.
Só mesmo alguém muito inocente poderia imaginar que Platão teria conquistado um nome que sobreviveu aos séculos com um pensamento tão pobre. E nunca é demais lembrar que as diferenças culturais já eram muito conhecidas dos gregos, existem muitos escritos sobre isso, embora se considerassem o povo mais nobre.
“Talher” é uma classe universal? Poderíamos concordar com Platão que o talher ideal nos permite reconhecer todos os outros tipos de talheres existentes? Mesmo que um ocidental não saiba que os “talheres” chineses são dois palitos?
O exemplo dos talheres foi bastante infeliz e revela um total desconhecimento da hierarquização estrutural das Idéias e da polivalência dos Princípios na metafisica platônica.
Pelo azar que persegue os incautos, o exemplo “talher” recaiu entre as chamadas “idéias de artefatos”, que nem são consideradas propriamente ideais, no sentido mais exato do termo. Dentro da hierarquia do real platônico, as idéias de artefatos estariam quase numa região de fronteira entre o supra-sensível e o sensível, abaixo até mesmo da alma, que já se localizava em um plano intermediário.
É mais que evidente que Platão estava ciente que os artefatos podiam ser construidos à vontade pelo homem, razão pela qual classificava essas idéias em particular de modo bastante diferenciado dos ideais inteligiveis superiores. Da mesma forma, Platão o fez com outros tipos de “idéias”, como sejam as idéias de centauro, unicórnio, medusa etc. Todos esses inferiores formados de algum tipo de justaposição e combinação de outros tipos de idéias, que, muito a grosso modo, permitiriam uma quase inesgotável “fonte de idéias”. Essa parte da metafísica platônica tem sido estudada à quase exaustão, é das mais complicadas, e tem sido explorada por filósofos de peso como, por exemplo, Krämer (Platone e i fondament della metafisica) e Gadamer (Studi Platonici).
Sobre a questão da “criação de idéias”, de modo a evitar mais interpretações errôneas, segue um pequeno comentário:
“A 'geração' das Idéias a partir dos princípios não deve ser entendida como processo de caráter temporal, mas como metáfora destinada a ilustrar uma análise de estrutura ontológica. Tal metáfora objetiva torna compreensível ao conhecimento, que se realiza de forma discursiva, a ordem do ser, que se realiza de modo evolutivo e atemporal.” (Krämer)
Por isso, quando se diz que algumas idéias foram criadas “depois” de outras idéias, não se pretende indicar a existência de uma sucessão cronológica, mas uma graduação hierárquica.Além das questões de hierarquia, outro ponto que, parece, foi ignorado na inocente abordagem dos “universais” e, ou, da metafísica platônica, nos exemplos de colher, pauzinhos e homem, é a questão da dialética dos princípios. Uma metafísica do porte da metafísica platônica sobreviveu aos milênios e está longe de ser tão inocente quanto os seus críticos vulgares.
Resumindo BASTANTE, parece haver, por parte da maioria desses críticos, um desconhecimento completo da questão da Díade que faz tensão dialética com o Uno. Se se quiser apresentar algum exemplo melhor do que uma colher, pauzinhos, ou mesmo o conceito de homem, para questionamento e análise, deve-se procurar algo que não se possa definir entre termos de limite e não-limite, determinado e não-determinado, generalização e elementarização, afirmação e oposição, …, universal e particular.
Tomaria agora muito tempo e esforço escrever sobre os Princípios Uno-Díade e sobre a divisão categorial entre as Idéias Número, Formas Ideais, Meta-Idéias, Idéias particulares que são “por si” (homem, cavalo etc) e Idéias particulares que são por relação a outro (de opostos contrários: igual-desigual, imóvel-movido, conveniente-inconveniente etc; e de correlativos: grande-pequeno, alto-baixo etc). Mas, precavendo contra respostas que nada respondem, para maior cautela no caminhar, segue mais um breve comentário:
“No modo da oposição, subsistem todas as coisas que são pensadas segundo a oposição de uma com relação à outra, como, por exemplo, bom e mau, justo e injusto, útil e inútil, santo e não santo, pio e ímpio, movido e parado, e todas as outras coisas como essas. Em relação a alguma coisa são as que são pensadas segundo a sua relação a outro, como direita e esquerda, alto e baixo, duplo e meio: de fato, a direita é pensada em relação com a esquerda e a esquerda em relação com a direita, o baixo em relação com o alto, e o alto em relação com o baixo. E o mesmo vale para todos os outros casos.Eles dizem que as coisas que são pensadas segundo a oposição diferem das que são pensadas em relação a alguma coisa. De fato, no caso dos contrários, o desaparecimento de um coincide com o produzir-se do outro, como, por exemplo, nos casos da saúde e da enfermidade, do movimento e da quietude: o produzir-se da saúde coincide com o desaparecimento da enfermidade, o surgimento do movimento coincide com o desaparecimento da quietude e o surgimento desta coincide com o desaparecimento daquele. O mesmo raciocínio vale também para a dor e a ausência de dor, o bem e o mal, e, em geral, para todas as coisas que têm naturezas contrárias entre si. As coisas que são em relação com outro têm a característica de coexistir e de ser supressas ao mesmo tempo, de fato não há direita se não há também esquerda, e nada é dobro se não existe também o meio do qual o dobro é dobro.
Ademais, entre os opostos não se pode pensar a existência de um meio, como, justamente, entre saúde e enfermidade, vida e morte, movimento e quietude: de fato, entre a saúde e a enfermidade não há nada, e assim também entre o ser vivo e o ser morto e entre o mover-se e o estar quieto. Ao invés, no caso das coisas que são em relação a algo existe um meio: de fato, se se toma o grande e o pequeno como exemplo de coisas que são em relação a algo, haverá no meio o igual, e assim, analogamente, também no meio do mais e do menos haverá o suficiente e no meio do agudo e do grave haverá o que é harmônico.” (Sexto Empírico)
A linha fundamental do método platônico também se encontra na doutrina das categorias de Aristóteles, e tinha por finalidade mostrar como todos os seres são efetivamente redutíveis aos dois Princípios Uno-Díade, enquanto derivam da sua mistura. Essa espiral dialética que vai desembocar no vórtice da tríade ontológica metafísica-gnosológica-ético/política.
[]'s
14/06/2005 às 13:00 #78473Miguel (admin)MestrePelo azar que persegue os incautos, o exemplo “talher” recaiu entre as chamadas “idéias de artefatos”
Nunca ouvi tanto blá-blá-blá para tentar remendar o furo óbvio de uma teoria. Platão não consegue analisar o mais complexo e se equivoca com erros de intuição.
Se o exemplo do talher é tão difícil à compreensão de algumas pseudo-sabedorias, poderia relembrar que a arte abstrata, no início, custava a ser reconhecida como um tipo de arte…
14/06/2005 às 14:49 #78474Miguel (admin)MestreSe não me dissessem, não intuiria que o Seashadow é um navio. Imaginem, então, se os antigos gregos ou Platão…
14/06/2005 às 15:35 #78475Miguel (admin)Mestre14 de Junho de 2005 – 10:00 am: Nunca ouvi tanto blá-blá-blá para tentar remendar o furo óbvio de uma teoria. Platão não consegue analisar o mais complexo e se equivoca com erros de intuição.
14 de Junho de 2005 – 4:51 am: …é bastante fácil criticar um filósofo quando não se entende nada do seu pensamento. Alguém constrói uma caricatura de um filósofo embasada em interpretações equivocadas e depois se lança à crítica…
Se não me dissessem, não intuiria que o Seashadow é um navio.
Bonita imagem. O que tem a ver com metafísica?
É bastante fácil criticar qualquer coisa qd não se tem compromisso e bastante fácil escrever sobre qualquer assunto qd se tem tão pouco a dizer.
14/06/2005 às 16:11 #78476Miguel (admin)MestreE, depois, sou eu quem não entende…
14/06/2005 às 16:42 #78477Miguel (admin)MestreJá percebi que o Sr não está disposto para um debate mas precisa sentir que “ganhou” a discussão. Isso pode funcionar bem com outros mas não me anima. Não espero pescar em um balde, qd surgir algum argumento talvez eu torne a escrever. Por hora foi o suficiente.
14/06/2005 às 17:32 #78478Miguel (admin)MestreOra, mas Sartre não diz que é só uma questão de escolha?
Se eu estivesse incorreto, o que penso não ser o caso, você diria que a minha incapacidade de compreender os seus argumentos decorreria de má-fé?
Quando eu não entendo o outro, trata-se de má-fé? Eu, simplesmente, escolhi não entendê-lo? Pois é o homem quem escolhe aquilo que ele é…
…eu escolhi ser um ignorante para não entendê-lo?
Será que é assim tão simples? Isso faz sentido?
14/06/2005 às 18:58 #78479nahuinaMembro“…eu escolhi ser um ignorante para não entendê-lo?
Será que é assim tão simples? Isso faz sentido?”
Não faz sentido!
Mas esses são palavras suas ñ de Sartre(Mensagem editada por nahuina em Junho 14, 2005)
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