A importância das ciências humanas para a educação

A importância das ciências humanas para a educação

Ricardo E. Rose

Jornalista, autor, graduado e pós-graduando em filosofia, pós-graduado em gestão ambiental e sociologia

O termo “ciências humanas” tem sua origem na expressão alemã “Geisteswissenschaften”, ou seja, “ciências do espírito”. O termo foi criado quando da reforma do ensino secundário e superior na Alemanha, no final do século XVIII e início do século XIX, feita por intelectuais como Alexander von Humboldt e outros.

Enquanto a Alemanha criou as “Geisteswissenschaften” em oposição às “Naturwissenschaften” (as ciências naturais), a França – que também realizou uma reforma em seu ensino superior no período entre o final da Revolução Francesa e o império napoleônico – criou a expressão “Sciences humaines” (em oposição às “Sciences naturelles”).

Quanto à oposição entre “ciências do espírito” (ou ciências humanas) e “ciências naturais”, escreve Wolfgang Welsch:

No ambiente lingüístico anglo-saxão, a expressão padrão para Geisteswissenschaften é “Humanities”. Isso, naturalmente, não é a expressão de uma primazia do Humanismo ou da Antropologia, mas uma simples tentativa de representar a profunda oposição entre Geisteswissenschaften e ciências naturais. As últimas são, no âmbito anglosaxônico, as “Sciences”. Em torno do final do século XIX, havia se tornado comum na Europa separar esses tipos de ciências e compreender sua diferença em termos de ciências compreensivas em oposição às ciências explicativas – e, mais tarde, como ciências “brandas” em oposição às duras” e pseudociências em oposição às de verdade. Desde então, passou a ser visto como um anacronismo a não-separação entre Geisteswissenschaften e ciências naturais.” (Welsch, 1989)

As reformas universitárias realizadas na Alemanha e na França influenciaram sobremodo todo o sistema educacional posterior, alcançando inclusive o Japão (final do século XIX) e a China (século XX). O Brasil sempre foi fortemente influenciado pela cultura francesa, desde o final do período colonial até praticamente depois da 2ª Guerra Mundial, quando então a cultura americana passou a ser preponderante. A oposição entre as “ciências humanas” e as “ciências naturais e exatas” sempre permaneceu na cultura e no ensino superior brasileiro.

Outro fato que contribuiu para criar uma divisão entre as ciências humanas e as naturais foi o aparecimento da Enciclopédia (Enciclopédie), publicada pela primeira vez em 1772 por Jean Le Rond d´Alembert e Denis Diderot, reunindo e sistematizando todo o conhecimento disponível à época. Autores como Rousseau,

Voltaire, Montesquieu e La Méttrie, entre outros, redigiram artigos sobre matemática, história, agricultura, biologia e filosofia. Seguindo a ideia da Enciclopédie, o pensador alemão Georg Wilhelm Hegel publicou no início do século XIX sua

Enciclopédia das Ciências Filosóficas, através da qual sintetiza a ideia da apresentação sistemática de uma ciência ou de um conjunto delas, criando assim a divisão entre elas.

A partir do século XIX o termo “ciências da natureza” passa a incorporar também a biologia, ciência que começava a se destacar a partir da publicação do livro “A origem das espécies” de Charles Darwin (1859) e dos trabalhos de Herbert Spencer (1820-1903) e Ernest Haeckel (1834-1919); este último criador de expressões como “antropogenia” e “ecologia”. Surgiu assim a divisão do conhecimento humano em ciências humanas, exatas e biológicas. A incorporação da ciência genética à biologia na primeira década do século XX faz com que a abrangência da biologia se tornasse cada vez maior, fundamentando melhor a teoria da evolução (neodarwinismo).

No início do século XX, novas teorias da física (teoria da relatividade, física quântica e a teoria da Indeterminação de Heisenberg) baseadas em descobertas feitas ao longo do século XIX, dão uma guinada no desenvolvimento da física, demonstrando que muitos dos pressupostos desta ciência eram baseados na posição, velocidade e instrumentos utilizados pelo observador (cientista). Neste caso já era difícil definir a física como uma ciência estritamente exata ou natural, já que a percepção humana desempenhava um papel cada vez mais importante em seu estudo.

Fato é que a partir dos anos 1930 ficava cada vez mais difícil estabelecer uma rígida divisão entre as ciências e manter a classificação de humanas, exatas ou da natureza. Nestes anos, muitos cientistas europeus tiveram que deixar seus países (em vista da expansão da Alemanha nazista) e se concentraram nos Estados Unidos. Nomes como John von Neumann (matemático e físico), Heinz von Forster (biofísico), Paul Lazarsfeld (sociólogo), Kurt Lewin (psicólogo), Kurt Gödel (matemático), Norbert Wiener (matemático) e Gregory Bateson (antropólogo), entre outros, uniram conhecimentos em suas respectivas áreas de especialização para participar de grandes projetos pluridisciplinares – como a construção da bomba atômica americana (projeto Manhattan) e o ENIAC, o primeiro computador digital eletrônico. Este mesmo grupo de cientistas e muitos outros participaram das “Macy Conferences” (1946-1953), conferências proferidas por cientistas de renome financiadas pelo milionário Josiah Macy, com o intuito discutir diferentes aspectos dos sistemas biológicos e sociais. As experiências e as teorias elaboradas por estes cientistas vieram a se tornar tecnologia a partir da década de 1950, quando começaram a ser desenvolvidas as maquinas de processamento de dados e a comunicação eletrônica.

Outro aspecto é que todas as ciências – humanas, exatas e da natureza – têm uma dinâmica de evolução muito parecida com outros fenômenos socioculturais na história humana. O físico e pensador Thomas S. Kuhn em sua obra “A estrutura das revoluções científicas” (1962) argumenta que a mudança de paradigmas científicos ocorre junto com outras alterações sociais, econômicas e tecnológicas de uma determinada sociedade. Escreve Kuhn:

“La transición de un paradigma en crisis a otro nuevo del que pueda surgir una nueva tradición de ciencia normal, está lejos de ser un proceso de acumulación, al que se llegue por medio de una articulación o una ampliación del antiguo paradigma. Es más bien una reconstrucción del campo, a partir de nuevos fundamentos, reconstrucción que cambia algunas de las generalizaciones teóricas más elementales del campo, así como también muchos de los métodos y aplicaciones del paradigma. (Kuhn, 2006).

Em 1959 o cientista e escritor inglês C.P. Snow lançou o livro “The two cultures”. Nesta obra o autor critica o ensino britânco, excessivamente orientado para as ciências humanas desde o período vitoriano (final do século XIX), o que acabou incapacitando as elites administrativas da Inglaterra a tomarem decisões em assuntos científicos. Snow enfatiza a importância das “duas culturas” – a humanista e a técnica. Em 1995 o editor John Brockman lançou um livro denominado “The third culture”, reunindo artigos de biólogos, matemáticos, físicos, filósofos, paleontólogos, geólogos, entre outros, demonstrando a importância das “três culturas” – ciências humanas, exatas e naturais – no conhecimento humano.

Finalizando, consideramos que a diferença entre as duas culturas – ciências humanas e ciências exatas – ou entre as três – humanas, exatas e da natureza – é aparente. Todas as três áreas do conhecimento humano, em última instância, tratam do “fenômeno humano” (Teillard de Chardin). Todas as ciências, abstraídas da perspectiva humana, são impossíveis; não existe ciência não humana. O estudo de qualquer fenômeno humano ou natural só pode ocorrer sob a perspectiva de uma epistemologia (humana) e por isso todas são importantes para a educação.

Referências:

  • Bildungsreform (reforma do ensino na Alemanha). Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Bildungsreform> . Acesso em 04/10/2013
  • The Macy Conferences. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Macy_Conferences>. Acesso em 07/10/2013
  • Enciclopédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Enciclop%C3%A9dia>  Acesso em 07/10/2013
  • Histoire de l´éducation en France (história da educação na França). Disponível em:<http://fr.wikipedia.org/wiki/Histoire_de_l’%C3%A9ducation_en_France> . Acesso em 4/10/2013
  • Kuhn, Thomas S. La estrutura de las revoluciones cientificas. Buenos Aires. Fondo de Cultura Economica: 2006, 319 p.
  • The Third Culture. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Third_Culture>. Acesso em 7/10/2013
  • The Two Cultures. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Two_Cultures> . Acesso em 7/10/2013
  • Welsch, Wolfgang. Mudança estrutural nas ciências humanas : diagnóstico e sugestões. Disponível em:
  • <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/556/386>. Acesso em 2/10/2013

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