Costumes dos povos do Pará

Costumes dos povos do Pará

(Continuação)

O que admira é ver o desapego que esta gente conserva para tudo: quatro paus levantados ao ar, cingidos e cobertos de algu­mas fôlhas de árvores; uma rêde para dormir, uma panela, uma corda estendida, onde penduram êsses poucos farrapos de que usam; e estão contentes. Algumas vêzes tenho dito a meus companhei­ros que, se existe ainda restos .da simplicidade da vida dos primei­ros homens, é nestes países. Perguntei-lhes não temiam os la­drões; riram-se. E, com efeito, soube que se não vêm entre êles semelhantes violências; quase que guardam vida comum; qualquer índio que chega de fora, pôsto que seja desconhecido, é logo admi­tido à mesa e tratado com a mesma singeleza como se fôra do­méstico. Não há zelos entre êles, exceto na ocasião das bebedei­ras, em que são turbulentíssimos, e chegam às vêzes aos maiores excessos de feridas e mortes; também se não embaraçam muito com honra, se querem casar, haja o que houver, fecham-se os olhos a tudo. O que há num dia come-se logo, não se guarda pa­ra, o outro; por isso de ordinário passam miseravelmente, ao me­nos os dêstes lugares. Perguntei às mulheres que tinham comido naquele dia e que haviam de cear. Disseram-me Tiquara [1]) — (é farinha de pau[2]) molhada em água fria; mas querem antes isto, na liberdade das suas povoações, do que a abundância que podem ter no serviço dos brancos. Verdadeiramente se pode dizer que o Pará é uma situação disposta pela natureza com tôdas as como­didades para vir a ser o jardim mais belo do mundo’; somente precisa de braços para pôr em movimento os ressortes [3]) da mes­ma natureza, e tirar os obstáculos às produções. Porém esta é a grande falta que se lastima, e cada dia mais, porque os brancos que vêm do reino sejam da mais baixa ordem, e que lá na Euro­pa costumam ganhar a vida varrendo as ruas e acarretando [4]) potes, apenas desembarcam, revestem não sei que sentimentos de elevação: não disse bem, ficam logo feridos do contágio geral do país, que é um espírito de dissolução, de preguiça e desmazelo, que arruina tudo, não só pelo que respeita aos costumes, mas aos mes­mos interêsses temporais: uma taverna, uma loja de fitas, andar duns lugares para outros, vendendo quatro quinquilharias, é a sua ocupação mais ordinária e mais querida; e daqui nasce o precipi­tarem-se logo no abismo dos vícios, particularmente da inconti­nência e da borracheira; vícios que lhes minam as bases da saúde

e os fazem por fim odiosos aos olhos de Deus e dos homens. Vi­vem no estado de absoluta nudez, e só algumas pessoas do sexo

masculino se contentam com umas ligeiras tangas de entrecasca de árvore. São, porém, muito apaixonados doutros enfeites com que ornam os braços, as orelhas e beiços, trazendo dependurados dêles vários fragmentos de ossos, conchas, palhas, etc.; outros desenham

na. pele uma multidão de listras de figuras diversas, custando-lhe

estas pinturas x) muitas dores e muito tempo; outros trazem o corpo embuçado de certas tintas e ainda de lôdo, usando destas disformidades industriais, talvez não tanto para aformosear o cor­po como para lhe dar uma aparência impostora, afim-de aterrar os inimigos com a sua presença.

(Manuel Bernardes)


[1] Tiquara ou chiché — bebida indígena, conhecida aqui no Sul com o nome de jacuba.

[2] Farinha de pau — é farinha de maniva ou mandioca. .

[3] Ressortes — vocab. francês (ressort, mola), galicismo intolerável; em português temos: recursos, meios.

[4] Acarretando — carregando.

farinha de pau do pará

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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