Destruição de Herculanum e Pompéia – narrativa de Plínio

Destruição de Herculanum e Pompéia

(A narrativa de Plínio) l)

Para ficarem sabendo quais podem ser os efeitos das cinzas vomitadas pelos vulcões, vou-lhes contar uma história muito ve­lha, tal como no-lo transmitiu um escritor célebre da antiguidade, chamado Plínio.

A narração é escrita’fem latim, a nobre língua dessa época. Is­to aconteceu no ano 79 da nossa era, em que existiam ainda con­temporâneos de Jesus Cristo. O Vesúvio era nesse tempo uma mon­tanha sossegada; não terminava, como hoje, por um cone fumegan- te, mas sim, por um planalto ligeiramente côncavo, restos duma an­tiga cratera, onde vegetava uma relva enfezada e algumas vinhas silvestres. Os flancos estavam revestidos de culturas viçosas e nas faldas floresciam duas populosas cidades: Herculanum e Pompéia.

A velha montanha, que parecia adormecida para sempre e cujas últimas erupções remontavam a tempos imemoriais, acor­dou de-repente e começou a fumegar.

Um dia de setembro, pela hora da tarde, viram uma nuvem enorme, ora branca, ora negra, pairar por sôbre a. montanha. Im­pelida primeiramente por uma fôrça subterrânea elevou-se em li­nha reta como uma coluna, porém chegada a uma. grande altura, abaixou pelo seu próprio pêso, e começou a alastrar.

Comandava a esquadra, que estacionava então em Miseno, pôrto de mar não mui distante do Vesúvio, o tio do escritor desta narração, também chamado Plínio, homem valente, que não recua­va diante de perigo algum, quer fôsse em defesa própria, quer para valer aos seus semelhantes.

Surpreendido pela estranha nuvem, sobranceira ao Vesúvio, Plínio partiu imediatamente com a sua esquadra para socorrer as povoações próximas da costa e observar de mais perto a nuvem sinistra. As populações das proximidades do Vesúvio fugiam apressadas e espavoridas. Plínio dirigiu-se ao sítio donde todos fugiam e onde o perigo parecia ser maior.

1) Plínio — apelidado “o Moço” — escritor latino (62 -120 dep. de Cr.).

Sóbre os navios choviam cinzas ardentes, misturadas com pe­dras calcinadas: o mar tinha saído do seu leito, e a praia, coalha­da de destroços da montanha, tornara-se inacessível. A esquadra foi surgir em Stabia donde o perigo, afastado ainda, se aproximava a passos largos espalhando o terror e a consternação por tôda a parte. O Vesúvio continuava a arremessar por diversos pontos turbilhões de chamas, cujo clarão mais sinistro se tornava, em conseqüência das trevas produzidas pelas nuvens de cinzas.

Para sossegar a comitiva, Plínio disse-lhe que as chamas di­manavam das aldeias já abandonadas que tinham sido surpreen­didas pelo incêndio.

Entretanto conhecia êle o perigo perfeitamente, sabia que era imenso: porém, como estivesse extenuado de fadiga, deixou-se adormecer profundamente. Enquanto dormia, a nuvem alcançou a povoação onde parte da oficialidade tinha desembarcado, e o pá­tio pelo qual se passava para entrar no quarto onde dormia Plí­nio, foi-se atulhando de cinzas a ponto que dentro em pouco não lhe seria já possível sair: deliberaram portanto, acordá-lo para evitarem que fôsse enterrado vivo, e resolverem depois sôbre o que se havia de fazer. As casas, abaladas pelos sucessivos estremeci­mentos do solo, viam-se oscilar, parecendo a todo o momento desar­raigar-se dos seus fundamentos, chegando a desabar muitas delas. Ameaçados dêstes perigos resolveram embarcar.

Choviam constantemente pedras muito leves calcinadas pelo fogo. Com as cabeças cobertas com travesseiros para se livrarem do choque, e caminhando por entre trevas medonhas, mal dissipa­das pelo clarão dos archotes, assim foram até à praia. Chegados lá, Plínio sentou-se no chão para descansar um instante, quando de-repente, um turbilhão de chamas acompanhado de cheiro de en­xofre, pôs em debandada tôda a gente. Plínio levantou-se mas

não deu um passo; caiu morto no mesmo instante, porque as ema- naçõs, as cinzas e a fumarada havism-no asfixiado.

Enquanto o tio morria em Stabia, o sobrinho que tinha ficado em Miseno com a mãe, presenciava o seguinte, contado por êle mesmo:

“Na noite seguinte à partida do meu tio, diz êle, a terra co­meçou a tremer com violência; minha mãe, assustada, veio acor­dar-me, quando eu me estava levantando com tenção de ir ter com ela.

“Como a casa, que era vizinha do mar, ameaçasse cair a todo momento, fomos sentar-nos no jardim: e corn a indiferença pró­pria da minha idade, pois contava apenas dezoito anos, peguei num livro e pus-me a ler. A êste tempo vinha-se aproximando de nós um amigo de meu tio. Quando deu conosco sentados, e meu viu na mão o livro, censurou o nosso demasiado descuido e obrigou-nos a tratar de nossa segurança. Apesar-de serem já 7 horas da manhã, a escuridão pouco ou nada deix-ava ver, e de quando em quando os abalos de terra eram tão fortes que esperávamos a todo o momen­to ver desabar os edifícios. Afinal fizemos como todos os outros: abandonamos a cidade e paramos a certa distância já no campo. Os carros de transporte cambaleavam a todo o instante em con­seqüência dos repetidos abalos do solo: era preciso travar-lhe as ro­das com pedras para não tombarem. O mar recuava sucessiva­mente: as águas desertando da praia, em virtude do tremor do solo, deixavam a descoberto numerosos [1]) cardumes de peixes.

,“Uma nuvem duma escuridão medonha tomava a nossa dire­ção, serpenteando-lhe nos flancos traços de fogo, semelhante a relâmpagos. Dentro em pouco, a nuvem desceu, cobrindo com a sua sombra a terra e o mar. Minha mãe rogava-me de mãos pos­tas que fugisse eu, que era novo e ágil, para me não expor à morte que estava iminente, se continuasse a regular meu passo pelo dela, já cansada pelos anos. “Que morreria contente sabendo que eu me salvava”, dizia ela.

Plínio fêz o que fariam todos os bons filhos: ficou para ampa­rar sua mãe, e animá-la, decidido a salvá-la ou a morrer com ela.

Depois, foi horrível! Começou a chover cinza; as trevas tor- naram-se tão profundas que não se via cousa alguma absoluta­mente. Foi uma confusão, um tumulto completo. Nessa ocasião não se ouviu mais do que um grito, um gemido só!

Espavoridos de terror, cada um fugia ao acaso, derribando e pisando os que encontrava na sua passagem.

Houve um momento em que todos se convenceram de que era chegada a última noite de sua vida, a noite eterna que devia se­pultar o mundo.

As mães buscavam às apalpadelas os filhos arrastados na turba ou pisados pelos fugitivos, chamando-os com gritos lamen­tosos, para os abraçar e morrer depois. Plínio e sua velha mãe tinham-se sentado, desviados da multidão. A cada instante era preciso levantarem-se para sacudir as cinzas, prestes a sepultá-los.

Ao fim dêste caos pavoroso, a nuvem dissipou-se e reapareceu o dia. A terra estava completamente desfigurada: tudo havia de­saparecido sob x) uma espêssa mortalha de matéria calcinada.

Junto da montanha, as matérias vomitadas pelo vulcão tinham atingido a altura maior do que as mais altas casas. Cidades in­teiras tinham desaparecido debaixo da enorme camada de cinzas. A êsse número pertenceram Herculanum e Pompéia: o vulcão en­terrara-as completamente.


[1] numerosos cardumes — Vide a nota 2) à pág. 27.

[1]sob — Qual a diferença entre sob e sôbre?

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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