Epistolografia em D. Jerônimo Osório – Curso de Literatura

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Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

 

LIÇÃO XIV

epistolografia

Constitui o gênero epistolar pela universalidade dos assuntos que pode abranger, verdadeira pedra de toque do talento do escritor. Não há quem não faça uma carta; poucos porém sabem conservar-se no justo meio que lhe é prescrito pelo bom gosto. Cumpre que nem se perca o autor nas nuvens da hipérbole e da ênfase, nem rasteje pelas baixas e grosseiras expressões. Pretende Blair que seja a carta a conversação escrita, natural como esta, e subindo, ou descendo de tom. segundo a importância da matéria. Poucos são os escritores que verdadeira nomeada tenham alcançado em tais composições; assim vemos que apenas cita a antiguidade as cartas de Cícero e Ático, e nos tempos modernos consideram os franceses a madame de Sévigné como o seu primeiro modelo.

Também no nosso século áureo tivemos um eminente epistológrafo, o qual tanto se aproximou ao amigo d’Ático, que foi denominado de Cícero português. Queremos falar de D. Jerônimo Osório, eloqüente escritor da vida de D. Manuel, cuja obra se subtrai à nossa análise por ser composta em estranho idioma. Julguemos suas Cartas com imparcialidade, dizendo antes duas palavras sobre ele.

D. JERÔNIMO OSÓRIO

D. Jerônimo Osório nasceu em Lisboa em 1506, passando-se aos treze anos de idade para Salamanca, em cuja universidade se aperfeiçoou no idioma latino, e aprendeu o grego, para o qual traduziu em elegantes versos as Lamentações de Jeremias. Voltando à pátria por morte de seu pai, quando apenas contava dezenove anos, partiu depois para Paris a fim de estudar dialética, dirigir_do-se mais tarde a Bolonha, em cuja célebre universidade se graduou em teologia, escrevendo aos trinta anos de idade a obra intitulada De Nobilitate civili et Christiana, pelos seus contemporâneos mui apreciada. Chamado por el-rei D. Manuel regeu em Coimbra a cadeira de Escritura, escrevendo nas horas vagas o tratado De Gloria com o propósito de restaurar o que faltava nas obras de Cícero. Compôs ainda várias obras em latim, sendo em razão do seu saber incumbido da educação de D. Antônio, filho do infante D. Luís. Em remuneraran dos longos e relevantes serviços prestados à Igreja e ao Estado, elegeu-o D. Sebastião bispo de Silves, no Algarve, cuja diocese com sabedoria administrou até o dia 20 de Agosto de 1580, em que, com setenta e quatro anos, achou eterno repouso na catedral de Tavira.

Pondo de parte a sua principal obra De Rebus Emmanue-lis gestis, pelo motivo já exposto, compulsemos as suas cartas por muito tempo inéditas, e cuja publicidade devemos ao erudito professor Antônio Lourenço Caminha, que as deu à estampa em Lisboa, no ano de 1818, em um pequeno volume em 12.

Consta essa preciosa coleção de nove cartas, versando seis sobre assuntos políticos e três acerca de vários salmos de Davi. Ocupar-nos-emos unicamente com as primeiras.

É a primeira carta endereçada a el-rei D. Sebastião, e nela, com apostólica liberdade, censura-o por haver concebido o impolítico projeto da jornada da África. Pelo mais oprrtu-no emprego da figura preterição reproduz o virtuoso bispo as queixas do povo, e, parecendo-lhe depois haver falado mais livremente do que conviria à dignidade real, toma a defesa do que condenava, e mostra com admirável destreza quão desesperada era semelhante causa e em quão fracas razões se apoiava. Belíssimo é o exórdio desta carta em que busca o autor insinuar-se no ânimo de el-rei. Vejamo-lo:

Senhor. Se eu fora procurador da coroa e tivesse algum feito na mão em que V. Alteza fosse o réu e fosse necessário dar-lhe de.e relação forçado seria ler-lhe primeiro o processo que a contrariedade, o que nesta carta farei com a verdade e leaidade que devo. Conf o no engenho e real espírito de V. A. que terá este por um dos maiores serviços que lhe posso fazer.

Recapitulando os queixumes dos bons portugueses emprega estas nobres e leais palavras:

Dizem os prudentes que o ofício do bom rei mais consiste em defender os seus do que em ofender cs inim.gos; e que tanto é isto verdade que nenhuma g-ória ganharam príncipes ilustres nas vitó rias havidas contra os seus inimigos se delas não resultasse a seguridade dos seus vassalos.

Neste ponto se lamentam mu tos, porque vem ao presente que toda a guerra que se fazia aos mouros, se fez, sem V. A. saber, a portugueses, e por conclusão não lalta quem diga que entre pressa e diligência há grande diferença; porque se a d ligência não perde a ocasião a pressa não espera por ela; e muito maiores inconvenientes se seguem da muita pressa que da pouca diligência; porque os muito acelerados choram o que perderam do seu, e os negligentes o que não ganharam do alheio.

Transuda a mais santa indignação na segunda carta, escrita ao padre Luís Gonçalves da Câmara, mestre e confessor de D. Sebastião, a quem a opinião pública indigitava como causador de todos os males que acabrunhavam o reino. É toda ela um monumento de eloqüência de patriotismo, podendo o leitor avaliar pelo seguinte trecho:

Senhor, somente aos reis me parecia que se estendia aquela praga de ninguém lhes falar verdade senão os cavalos, porque eles os desenganam à sua vista de serem ruins cavalgadores; mas eu já vejo que é um mal que os príncipes apegam a todos os que lhe são aceitos; pois sendo V. R. membro de uma tão santa Companhia, tem tão poucos que lhe d’gam a verdade, que passa, como se enxerga no modo com que as cousas procedem em V. R. e o Sr. Martim Gonçalves, vosso mui querido irmão; porque nem os padres da Companhia andam tão fora do mundo, que não saibam as causas muito públicas nele, pos alguns até nas muito secretas e particulares se entremetem, nem devem ser tão interesseiros que por seu proveito temporal (como a gente cu’da) dexem uma pessoa entre eles tão principal procedrr tão singela e confiadamente, podendo com o desengano pôr o remédio, que a quietação desta afligida e desconsolada terra há mister, e que da virtude e discrição de V. R. se espera; e is*o me moveu a querer-lhe escrever do que na terra se passa, como quem o sabe da mais verdade’ra maneira, que as cosas da vida se podem saber, e como quem não pretende, nem quer d’el-rei, nosso senhor, nem dos que andam a par de^, mais que o bem comum, e’ver a sua pátria livre do miis triste estado em que ela nunca se viu; e se V. R. soubesse o amor que semDre tive ã Comoanh’a e a V. R. em particular, p~sto que nunca o tratasse veria que me hav*a crpr ma’s facilmente; e quando o não fizer, Deus que sabe tudo, o julgue.

Primeiramente V. R. está havido na opnião da mais gente desta terra, e ainda dos que mais salas lhe fazem, e se lhe mais submetem, por mais amigo do mundo e honra do que esse hábito requer; poraue dizem que quando V. R. se não correu de ser o primeiro da Companh’a que aceitasse para sua pessoa os oficies públicos e governo da terra, e que logo ordenou as cousas e entabulou seu irmão mancebo, sem experiência de negócios, sem autoridade, saído das escolas de quatro dias com medíocres letras, pobre de conselho, com el-rei menino, para que fora necessário ressuscitar o conde D. Nuno Álvares Pereira, ou outro dos antigos de Portugal, ainda que não fosse mais, que por a decênca de pouca idade d’ei-rei, o qual dizem que V. R. o faz homem para não haver mister ninguém, e menino para vosso irmão haver de fazer tudo. E por isso consentiu que o cardeal em Leiria aconselhasse a el-rei que lhe desse o ofício de escrivão do puridade, por um só ano, para remédio das calamidades presentes; e para assim o encaixar ma’s facilmente e com menos escândalo, o qual foi tanto pelo contrário, que quanto no negócio se empregou mais manha, tanto foi o escândalo maior da terra; porque quando V. R. fora de parecer que lançassem o secretário Pedro d’Alcacova para mandar buscar a Trás-os-Montes quem entrasse naquele lugar, parecera zelo da república; mas quando o efeito disso foi engrandecer vosso irmão, com tanto escândalo de toda a terra; julgaram todos que a este fim se ordenaram estas cousas e a isso atirou sempre a diligência de tirar de a par d’el-rei todas as pessoas de que ele mostrava gosto, assim Pero Nunca, cosmógrafo-mor, por que tomado el-rei, à fome, como agora dizem que está, não pudesse gostar senão de V. R., ou de causa vossa, nem haver que prestavam, senão os que procedessem desta fonte.

Felicita el-rei na terceira carta pela resolução que tomara de casar-se com uma princesa de França, apesar da pouca vocação com que se sentia para o estado matrimonial, e, pesando como hábil político, as conseqüências que dessa aliança resultariam a Portugal, e referindo-se ao mesmo tempo ao dever que corre aos monarcas de assegurar a duração de sua dinastia, conclui nestes termos:

Uma das mais alegres mercês que Portugal recebeu da mão de Nosso Senhor foi o nascmento de V. A.: não será menos alegre mercê a deste casamento, porque não somente dos homens, mas dos montes e dos vales será festejado. Além de tudo isto cumprirá V. A. cem que deve aos seus vassalos; porque lhe deve príncipes que se parecerão com os reis de gloriosa memória, seus avós; é esta obrigação tamanha que obrigou alguns príncipes a sair dos seus mosteiros, sendo frades professos, por não haverem outros mais chegados à coroa, e não somente reinarem, mas casarem e terem filhos; porque de outra maneira corriam risco os reinos de se perderem com discórdias, ou pelo menos perderem a liberdade; e po:s V. A. não é frade; em casar não há que ter escrúpulo, deve-o ter muito grande na dilação, por que tarda em ofício da justiça, que é pagar o que deve aos seus.

Dirigida foi a quarta carta ao senado de Lisboa exortan-do-o para que intercedesse junto da rainha D. Catarina a fim de que abandonasse o propósito de retirar-se para Castela, em razão das intrigas de que era vítima na corte de seu neto, D. Sebastião. Aqui, como em toda a parte, a franqueza e a fidelidade falam pela boca do benemérito prelado de Silves.

Encaminha aos pés do trono na quinta carta suas magoadas queixas contra o procedimento do juiz dos feitos da coroa, que se opunha ao pagamento do dízimo do sal, que de tempo imemorial se pagava à igreja, cuja direção lhe fora confiada. Zeloso defensor das imunidades eclesiásticas, e apoiando as suas argumentações nas mais terminantes disposições canónicas, não se olvida jamais D. Jerônimo Osório do acatamento devido à realeza, sabendo conjuntamente ser enérgico e respeitoso.

Animado pelo benévolo acolhimento que recebia da rainha D. Catarina, enviou-lhe Osório uma carta abundando nas considerações que fizera ao senado de Lisboa, e recomendável pela sinceridade com que se exprime. Tão compenetrada ficou a rainha das alegações do sábio bispo, que lhe respondeu buscando justificar o seu proceder, e rendendo-se ao desejo dos leais portugueses que não queriam vê-la alongar-se dos ossos de seu marido e filhos.

Por este rápido elenco que fizemos das cartas do bispo de Silves conhecerá o leitor por que tão estimadas têm sido elas desde que viram a luz pública. A mais castiça linguagem, apropriado uso dos epítetos, vivo colorido de frase, grave e vigorosa dialética, fazem desta coleção uma das obras que deve encontrar espaço em todas as boas livrarias. Verdade é que pouco familiares são elas por tratarem de objetos de suma ponderação; são porém políticas, morais, filosóficas, e por qualquer destes títulos dignas se tornam de particular estudo.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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