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13/04/2006 às 18:47 #70413gontijoloyolaMembro
Cinema e ética epicuristaFilme 1 - Crimes e Pecados (89), de Woody Allen:Enredo - Um rico e bem sucedido homem de meia idade (Martin Landau) vê sua reputação ameaçada pela ex-amante, que não aceita o fim do caso e pretende contar tudo à esposa traída. Acuado, entra em contato com um irmão que transita pelo submundo e pede para que dê um jeito na ex-amante. Esta é assassinada por um especialista, que faz o crime parecer um latrocínio.Durante certo tempo, o protagonista sente grande culpa. Mas um dia, sem razão aparente, acorda sem o menor sinal de remorso e continua sua vida feliz ao lado da esposa e dos filhos, gozando de honorabilidade social.Filme 2 - Treze Visões (2001), de Jill Sprecher:Cena - Um jovem advogado, feliz com os gordos honorários ganhos naquele dia, dirige distraidamente por uma rua deserta, à noite. De repente, algo pesado bate em seu carro. Ele pára e desce, percebendo que atropelou alguém. A vítima, uma jovem mulher loira, jaz desacordada próxima ao meio-fio. O jovem advogado olha atenciosamente para os lados e não vê ninguém. Entra no carro, desliga as luzes, dá a partida e vai embora.Nos dias que se seguiram, fica deprimido, sentindo-se culpado, até que decide procurar a vítima.Pergunta:Caso se guiassem pela ética epicurista - que prega serem a busca do prazer e o afastamento da dor naturais no homem, o qual deve lançar mão da prudência (phrónesis) para escolher os prazeres úteis, naturais e necessários e alcançar uma vida sem perturbações (ataraxía) -, os dois personagens agiriam diferentemente?Tentativa de resposta:Nenhum dos protagonista sofreu conseqüências objetivas pelos crimes (homicídio e omissão de socorro), pois a autoria jamais foi descoberta, como queriam eles quando decidiram praticá-los. Ambos, porém sentiram remorso pelo que fizeram. Poder-se ia, assim, imaginar que ambos poderiam ter agido diferentemente, caso tivessem considerado o sofrimento provocado pela culpa. De qualquer modo, teriam de sopesar se esse sofrimento seria superior ou não ao provocado pelos desdobramentos da decisão de não praticar o crime (gastos com o hospital, transtornos jurídicos, brigas em família, desonra pública etc.).No final do filme 1, o protagonista olha para trás e percebe que valeu a pena matar a ex-amante. Em outras palavras, embora tenha sofrido com sua culpa, conseguiu livrar-se dela e manter a família e a posição social. Ao final, os benefícios superaram os males.Esse raciocínio, porém, só é possível se deixarmos de lado uma pergunta importante: onde entra a culpa no sistema epicurista?Se entendermos que a culpa é provocada pela violação de um preceito ético, este, para os epicuristas, seria “aja com prudência para evitar o sofrimento”. Nesse caso, voltaríamos ao ponto inicial do problema: a necessidade de sopesar o sofrimento pessoal advindo de cada escolha possível. Não se trata, portanto, de um caminho conclusivo.Se entendermos que a culpa advém da violação de um pudor natural do homem, aí temos de considerar que a culpa não se manifesta igualmente em todos. Cada um, portanto, teria de considerar o grau de culpa que lhe fosse peculiar e aqueles que tivessem possibilidades de ação mais amplas, por sentirem menos culpa, não poderiam ser censurados, já que, mesmo que fossem prudentes, a evitação da culpa teria um peso menor na escolha ética.Ainda outra questão se impõe: e se o Estado punisse condutas perturbadoras?Imaginemos que haja um Estado epicurista que puna aqueles que violam o pacto de não perturbação alheia. Os protagonistas certamente teriam de considerar a possiblidade de punição antes de praticar o crime. Só que, nesse caso, haveria dois sistemas morais diversos: um sistema individual, que indica como comportamento ideal a prudente evitação do sofrimento, e outro coletivo, que torna puníveis práticas que provoquem sofrimento em qualquer dos membros da sociedade. Note-se que, de fato, são dois sistemas diversos, já que a punição independe de o indivíduo ter seguido à risca a orientação epicurista.O problema disso é que não há um critério objetivo unindo os dois sistemas. Quando Platão afirma que o justo é o logicamente justificável, o critério racional vale tanto para a reflexão individual do que é certo ou errado, quanto para legitimar a ação coletiva. Justo e injusto são coisas diferentes, pois só aquele é defensável pela razão. No caso do epicurismo isso não ocorre. A conduta em si não é valorada, apenas as suas conseqüências é que o são (a injustiça só é má se provocar sofrimento). Assim, a ilegitimidade da ação desaparece se ela não trouxer sofrimento como conseqüência.Exemplificando: no filme 2, o protagonista percebeu que poderia evitar as perturbações advindas do acidente se fugisse do local naquele momento, já que ninguém o tinha visto. Se usasse o critério racional de Platão, perceberia que fugir sem prestar socorro não era logicamente justificável perante a sociedade e, assim, constituía um ato injusto. Se ainda assim fugisse, provavelmente sentiria culpa, pois não havia sido coerente com seu sistema ético. Mas se ele seguisse o critério epicurista, fugir deixaria de ser uma solução incorreta se disso não adviessem perturbações. Poderia ele fugir sem remorsos, pois a clandestinidade de sua conduta a legitimava como ética. No sistema epicurista, portanto, há contradição entre a lógica individual e a coletiva. Essa crítica só perderia a validade se a empatia fosse uma característica inata irresistível do ser humano. Nesse caso, ver o sofrimento alheio provocaria extremo sofrimento nos demais indivíduos, que tomariam providências para evitar o sofrimento em geral. Entretanto, como a empatia não é irresistível, vale para ela o mesmo raciocínio aplicado logo acima ao pudor natural do homem. Cada um, para ser coerente com o sistema epicurista, teria de respeitar apenas o seu grau pessoal de empatia. Aqueles que não a tivessem não poderiam ser censurados. Assim, evitar prudentemente condutas perturbadoras para a própria paz de espírito é um conselho dos mais sábios. Mas um sistema fundado na evitação individual do sofrimento não é capaz de assentar os alicerces filosóficos de uma sociedade voltada para o bem comum.
14/04/2006 às 3:27 #81592BrasilMembroConcordo com sua visão e concordo mais ainda com a essência do conceito que dessa visão, pode-se formular: “Assim, evitar prudentemente condutas perturbadoras para a própria paz de espírito é um conselho dos mais sábios. Mas um sistema fundado na evitação individual do sofrimento não é capaz de assentar os alicerces filosóficos de uma sociedade voltada para o bem comum.” Acho que esse conceito é e deve continuar sendo o “norte” da humanidade, pois só usando esse conceito nas leis e nas relações humanas, continuaremos a nossa longa e lenta caminhada em busca de uma vida melhor. “Melhor”, na mais pura, natural e inocente concepção de palavra. Nos dias atuais em que muitos agentes corruptores de valores e morais se fazem presentes em todos os segmentos de nossas sociedades, podemos observar indivíduos, corporações, organizações etc., por intermédio de lobistas, e de maneira totalmente desonesta, e gananciosa, junto aos Poderes Executivos, Legislativos e Judiciários, protagonizarem tentativas de burlar esse raciocínio e sobrepor-se aos demais membros da sociedade.Existe também aquele FALSO apelo dos Órgãos Governamentais, para os direitos das minorias, algo patrocinado por inteligências de marketing, que visa enganar as populações e trazer uma falsa sensação de ordem e desenvolvimento.Um exemplo: Fala-se muito dos direitos de acesso em locais públicos e dos direitos de ir e vir dos deficientes físicos, mas, na prática, nada se faz. Quando rebaixam algumas calçadas visando facilitar o transito de deficientes, fazem até propaganda na TV. Note-se que essas tímidas e ensaiadas iniciativas, só se dão em grandes centros financeiros, visto que nem rebaixamento de calçadas se faz nos demais locais, somente em alguns lugares do centro.Implantaram a cota para negros nas faculdades, coisa que desvirtua totalmente o caráter do ensino. Como é possível admitir que um jovem não consiga entrar na faculdade, por causa da sua cor? Como é possível aprovar um candidato negro com nota 7 e reprovar outro candidato branco com nota 8. O QUE ISSO VAI GERAR?Será que é tão difícil assim, evitar o reconhecimento da cor da pele, no exame prestado?É só NÃO perguntar a cor do candidato e pronto. Como é que os professores que estarão apurando e corrigindo os exames vão saber se o candidato é negro ou branco.Ao meu ver essa cota só está servindo para semear a discórdia entre os jovens, servindo também para enganar as pessoas passando a impressão de que está se fazendo ou se buscando a justiça, quando que nós sabemos muito bem que o problema é a condição social que dificulta ou inviabiliza o acesso à faculdade e não um problema racial, como tenta-se e muitas vezes com sucesso, passar (enfiar) para as nossas cabeças.A mídia em geral destaca as conquistas individuais e dá muita ênfase exatamente no sentido de passar essa impressão. Recentemente os jornais noticiaram o caso de uma usuária do Metro de SP que ganhou liminar na Justiça, para poder viajar no Metrô acompanhada de um cão guia de cegos. (ela é cega) Essa usuária já está numa briga com o Metrô de SP ha vários anos e a mídia está sempre noticiando e acompanhando o caso. Até aí tudo normal, mas eu pergunto a todos: Quantos deficientes visuais existem em São Paulo? Quantos deficiente físicos existem em São Paulo? Quantos cruzamentos na realidade existem com guia rebaixadas na Cidade de São Paulo. Quantos outros milhares de usuários estão impedidos de viajar no metrô? E ninguém lhes deu liminar nem lhes apresentaram na imprensa.E, com bases nesses e em muitos outros casos e aspectos que não me vêm a mente neste momento, mas, que nós sabemos que existem, é que eu entendo que o conceito por você formulado: “Um sistema fundado na evitação individual do sofrimento não é capaz de assentar os alicerces filosóficos de uma sociedade voltada para o bem comum.” é e tem que continuar sendo o “norte” da humanidade, e temos que aprender cada vez mais aplica-lo em nossas sociedades, por intermédio da política, que é a única maneira de mudar algo concretamente, mas para isso é preciso haver conscientização popular.
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