Início › Fóruns › Pedidos de ajuda › Como Dilthey concebe a história do pensamento (e da filosofia)?
- Este tópico está vazio.
-
AutorPosts
-
14/02/2007 às 23:45 #70614Francisco PauloMembro
Como Dilthey concebe a história do pensamento (e da filosofia)?
01/03/2007 às 15:46 #84282Miguel DuclósMembroNiccola Abbagnano, Dilthey, História da Filosofia, vol. 12.§ 736. DILTHEY: A EXPERIÊNCIA VIVIDA E O COMPREENDERO fundador do historicismo alemão foi Wilhelm Dilthey, nascido emBiebrich, no Reno, a 19 de Novembro de 1883 e que morreu em Siusi a 1de Outubro de 1911. Professor em Berlim. (onde foi sucessor de Lotze),contemporâneo dos maiores historiadores alemães (Mommsen, Burckhardt,Zeller), foi ele mesmo, antes de tudo, um historiador que trabalhoudurante toda a sua vida numa história universal do espírito europeu,publicando partes dela sob a forma de estudos. Tais estudos versamespecialmente sobre a Vida de Schleiermacher (1867−70); sobre oRenascimento e a Reforma (A intuição da vida no Renascimento e naReforma, 1891−1900); sobre os escritos juvenis de Hegel (1905); sobre oRomantismo (Experiência vivida e poesia, 1905), e, ainda, sobreestética moderna ( As três etapas da estética moderna, 1892). Enquantonestes e em outros ensaios menores Dilthey continuava a investigação histórica, ia aomesmo tempo elaborando o problema do método e dos fundamentos de talinvestigação: Introdução às ciências do espírito (1883); Ideias parauma psicologia descritiva e analítica (1894); Contribuição para oestudo da individualidade (1896); Estudos sobre os fundamentos dasciências do espírito (1905); A essência da filosofia (1907); Aconstrução do mundo histórico nas ciências e no espírito (1910); Ostipos de intuição do mundo (1911). Novos estudos sobre a construção domundo histórico nas ciênciase no espírito (póstumo).Os últimos escritos ou, melhor dizendo, os posteriores a 1905, são osmais importantes visto conterem a expressão mais amadurecida dopensamento de Dflthey.Já na Introdução às ciências do espírito Dilthey tinha insistido nadiversidade do objecto destas ciências relativamente às ciênciasnaturais. O objecto de tais ciências é, em primeiro lugar, o homem nassuas relações sociais, ou seja, na sua história. A historicidadeessencial ou constitutiva do homem e, em geral, do mundo humano, é aprimeira tese fundamental de Dilthey. Em segundo lugar, o mundohistórico é constituído por indivíduos que, enquanto "unidadespsicofísicas vivas", são os elementos fundamentais da sociedade: é porisso que o objectivo das ciências do espírito é "o de reunir o singulare o individual na realidade histórico−social, de observar como asconcordâncias (sociais) agem na formação do singular". Por isso, nodomínio das ciências do espírito, a historiografia tem um carácterindividualizante e tende a ver o universal no particulare a prescindir do "substracto que constitui em qualquer tempo oelemento comum da natureza humana", enquanto a psicologia e aantropologia, e em geral todas as ciências sociais, procuram descobrira uniformidade do mundo humano. Como já vimos, Windelband e Rickert (§§727−28) insistiram no carácter individualizante das ciênciashistoriográficas. Em terceiro lugar −e é esta, para Dilthey, adiferença fundamental−o objecto das ciências do espírito não é externoao homem mas interno: não é conhecido, como o objecto natural, atravésda experiência externa, mas sim através da experiência interna, a única pelaqual o homem se apreende asi mesmo. Dilthey chama Erlebenis a esta experiência, e considera−acomo a fonte donde o mundo externo retira "a sua origem autónoma e oseu material" (Gesammelte Schriften, 1, p. 9). Erlebenis significa"experiência vivente" ou "vivida" e distingue−se, por exemplo, da"reflexão" −de Locke porque tem não só o carácter de uma representaçãomas, também, o do sentimento e da vontade. Isto constitui a quartadistinção fundamental entre ciência da natureza eciência do espírito: as primeiras têm um carácter exclusivamenteteórico; as segundas, devido ao órgão que lhes é próprio, têmsimultaneamente carácter teórico, sentimental e prático.No entanto, esta diferença entre os objectos de cada um dos dois gruposde ciências não se baseia, segundo Dilthey, numa diversidade metafísicaou de substância que lhes seja inerente. Também não é redutível, comoqueria Windelband, a uma simples diferença de método, terá antes a suaraiz numa diversidade de atitude, ou seja, na diversidade de relaçõesque o homem vem a estabelecer entre si e o objecto de cada um dos doisgrupos de investigação. Nas ciências naturais o homem tenta construiruma totalidade a partir de uma pluralidade de elementos separados,enquanto que nas ciências do espírito parte da relação imediata queexiste com o objecto. É por isso que o ideal das ciências da natureza éa conceitualidade e o das ciências do espírito é acompreensão (Ges. Schr., V, p. 265).O compreender é assim a operação cognitiva fundamental no campo dasciências do espírito; e omaterial ou o ponto de partida desta operação é aexperiência vivida. O objecto do compreender é aindividualidade; mas, como a individualidade não pode ser atingida anão ser através de um conjunto complexo de actos generalizantes, elaapresenta−se, nas ciências do espírito, sob a forma de tipo. NoContributo ao estudo da individualidade, Dilthey considera o tipo comosendo o termo médio entre a uniformidade e o indivíduo, isto é, como umconjunto de caracteres constantes que têm relações funcionais um com ooutro, que variam correlativamente e que se acompanham constantemente(1b., V, p. 270).O tipo é, segundo Dilthey, o objecto específico da poesia e, em geral,da arte, que ele considera, por isso, um "órgão da compreensão da vida"Qb., p.274); e esta noção serve−lhe para definir a tarefa das ciências doespírito como sendo a "de unir num sistema a constatação do elementocomum numcerto campo e a individualização que nele se realiza", isto é,compreender a individualidade a partir da uniformidade em que ela seinsere (Ib., p. 272).O compreender, tendo por objecto os tipos e as suas relações internasfuncionais, distingue−se assim do explicar, que é a operaçãogeneralizante própria das ciências naturais e que consiste emesclarecer as conexões causais entre os objectos externos daexperiência sensível.Todas as análises de Dilthey, que nos seus escritos reviasistematicamente as suas posições, a fim de aclarar e determinar (nemsempre com sucesso)213o seu pensamento, centram−se sobre a natureza do compreender e daexperiência vivida que é o seuponto de partida ou fundamento. Dado que a experiência vivida é,enquanto tal, subjectiva, íntima eincomunicável, não permite por si só fundar umaciência qualquer; por isso Dilthey dirigiu os seusesforços no sentido de encontrar as relações entre ela e os elementosque possam tornar possível e que justifiquem a objectivação e acomunicação dessa experiência vivida. Nos Estudos sobre os fundamentosdas ciências do espírito e na Construção do mundo histórico Dilthey viuna expressão e nocompreender os elementos que, unidos à experiência vivida, dão a estaúltima universalidade, comunicabilidade e objectividade, constituindoportanto, juntamente com ela, a atitude fundamental das ciências doespírito. Esta atitude toma−se possível pelo facto de essa experiênciavivida estar sempre ligada à compreensão de outras experiências vividasque nos são dadas sob a forma de expressão, ou seja, de um"processo em que, de forma externa, reconhecemos algo interno" (Ges.Schrift., VII, p. 309). O homem deixa de estar isolado, a sua vidadeixa de estar fechada na intimidade do seu ou, pois encontra em simesma uma existência autónoma e um desenvolvimento próprio. As relaçõescom a natureza externa e com os outros homens pertencem à sua vida eencontram o seu órgão fundamental no compreender. O compreender é,deste ponto de vista, o reviver e o reproduzir a experiência doutrem: éassim possível um sentir em conjunto com os outros e um214participar das suas emoções (1b., VII, p. 205). No compreenderrealiza−se pois a unidade do sujeito edo objecto que é característica das ciências do espírito. "0compreender, afirma Dilthey, é o reencontro do eu no tu; mas o espíritoatinge graus sempre superiores de conexão, e esta identidade doespírito no eu, no tu, num qualquer sujeito de uma comunidade, emqualquer sistema de cultura e, finalmente, na totalidade do espírito ena história universal, torna possível a colaboração das diversasoperações nasciências do espírito. O sujeito do saber é aqui idêntico ao seu objectoe este é o mesmo em todos os graus da sua objectivação" (Ib., p. 191).Ora, segundo Dilthey, o compreender realiza−se através de diversosinstrumentos que constituem ascategorias da razão histórica. Tais categorias não são formas a priorido intelecto; constituem antes os modos de apreensão do mundo históricoe também as estruturas fundamentais desse mundo. O seu significadoobjectivo é, porém, o mais relevante, já que não pode ser esclarecidosenão através de uma análise do mundo histórico.§ 737. DILTHEY: AS ESTRUTURAS DO MUNDO HISTÓRICOA primeira categoria do mundo histórico, sobre a qual se baseiam todasas outras, é a vida. A vida não é, para Dilthey, nem uma noçãobiológica nemum conceito metafísico, mas sim a existência do215indivíduo singular nas suas relações com os outrosindivíduos. Ela é pois a própria situação do homem no mundo, sempredeterminada espacial e temporalmente, pelo que compreende inclusivetodos os produtos da actividade humana associada e o modo como osindivíduos os executam ou os avaliam. Se a experiência vivida é aprópria vida imediata, o compreender a vida é a sua objectivação; e aobjectivação da vida é designada por Dilthey, em termoshegelianos, espírito objectivo. Mas o espírito objectivo, que paraHegel era a própria razão tornada instituição ou sistema social, é paraDilthey apenas o conjunto das manifestações em que a vida se objectivouno decurso do sou desenvolvimento e que acompanham estedesenvolvimento. Afirma Dilthey: "Tudo sai da actividade espiritual eadquire portanto o carácter de historicidade, inserindo−se, comoproduto da história, no próprio mundo sensível. Desde a distribuiçãodas árvores num parque ou das casas numa estrada, desde os instrumentosdo trabalhador manual até às sentenças de um tribunal, tudo está ànossa volta, em qualquer altura, surgindo historicamente. O espírito,hoje, introduz−se nas próprias manifestações da vida e, amanhã, faz asuahistória. Enquanto o tempo passa, nós continuamos rodeados pelas ruínasde Roma, pelas catedrais, pelos castelos. A história não está separadada vida, não se distingue do presente pela sua distância temporal"(Ges. Schrilt. VII, p. 148).A segunda categoria fundamental da razão histórica é a da conexãodinâmica (Wirkungszusammenhang). A conexão dinâmica distingue−se da conexão causal da naturezana medida em que "produz valores e realiza fins". Dilthey fala por issodo carácter "teleológico−imanente" da conexão dinâmica e considera comoconexões dinâmicas (ou "estruturais", como também afirma) osindivíduos, as instituições, a comunidade, a civilização, a épocahistórica e aprópria totalidade do mundo histórico que é constituída por um númeroinfinito de conexões estruturais. O traço característico da estrutura éa auto−centralidade: toda a estrutura tem o seu centro em si própria."Assim como o indivíduo, afirma Dilthey, também qualquer sistemacultural, ou qualquer comunidade, tem o seu centro em si mesma. Nele seligam num todo único a interpretação da realidade, a valoração e aprodução de bens" (1b., p. 154). Esta auto−centralidade estabeleceentre as parte e otodo de uma estrutura uma relação que constitui oseu significado. O significado de uma estrutura qualquer pode por issoser determinado a partir dos valores e dos fins em que ela se centra.Segundo Dilthey, a época histórica possui em alto grau estacaracterística de auto−centralidade. "Toda aépoca é determinada de uma forma intrínseca pelo sentido da vida, domundo sentimental, da elaboração dos valores e das respectivasrepresentações ideais dos fins. É histórico todo o agir que se insiraneste sentido: ele constitui o horizonte da época edetermina o significado de qualquer parte do seusistema. É esta a auto−centralidade da época, na qual se resolve oproblema do significado e do sentido que se possam encontrar na história" (Ib., p. 186). Não existe porém um determinismo rigoroso no que respeita à natureza e ao comportamento dosindivíduos que pertencem a determinada época histórica; em todas asépocas se podem encontrar forças contrárias às que constituem aestrutura dominante. Cada época implica uma referência à épocaprecedente, da qual recebe os efeitos nas suas forças activas eimplica, desse modo, o esforço criador que prepara a época seguinte."Assim como ela se originou pela insuficiência da época precedente, domesmo modo leva consigo os limites, os desacordos e as dores quepreparam a época futura". O florescimento de uma época é breve; e deuma época aoutra vai−se transmitindo "a sede de uma satisfação total, que nuncapode ser saciada" (Ib., p. 187).A esta sucessão das épocas não preside, segundo Dilthey, nenhumprincípio infinito ou providencial. Dilthey pensa que "toda a forma davida histórica é finita" e que, portanto, não é possível o recursoao absoluto. Os próprios valores nascem e morremna história e, mesmo quando se apresentam como incondicionados, são narealidade relativos e transitórios (Ges. Schrif., VII, p. 290). O quedá continuidade, à história é somente "a continuidade da forçacriadora", ou seja, da actividade humana que produz o mundo histórico.Mas "a consciência histórica da finitude de todo o fenómeno histórico,de toda a situação humana e social, a consciência da relatividade detodas as formas de fé, é o último passo para a libertação do homem"(Ib., p. 290).§ 738. DILTHEY: O CONCEITO DA FILOSOFIAA historicidade e a relatividade dos fenómenos históricos chocam−se,segundo Dilthey, com a própria filosofia. A filosofia é historicamentecondicionada, do mesmo modo que qualquer outro produto do homem, e assuas formas históricas são por isso diferentes e irredutíveis entre si;mas, por outro lado, a sua consideração histórica mostra que existem emtodas as filosofias "traços de natureza formal" que são essencialmentedois: toda a filosofia se baseia, em primeiro lugar, na totalidade daconsciência eprocura, partindo desta base, esclarecer o mistério do mundo e da vida:e, em segundo lugar, toda afilosofia tenta alcançar uma validade universal. Devido à primeiracaracterística, a filosofia é uma intuição do mundo e apresenta,portanto, uma forma fundamental comum com a religião e a arte. Defacto, em cada momento da nossa existência está implícita uma relaçãoda nossa vida singular com omundo que nos rodeia como uma totalidade intuída. A intuição filosóficado mundo distingue−se da religiosa pela sua validade universal e daartística porser uma força que quer reformar a vida (Das Wesen der Phil., em Ges.Schrift., V, p. 400). Quando aintuição do mundo é compreendida conceptualmente, ficando assimdefinida e dotada de validade universal, recebe o nome de metafísica. Ametafísica pode ter infinitas formas que diferem entre si pordiferenças substanciais ou acidentais. Contudo, podem−se distinguiralguns tipos fundamentais, que se radicamnas diferenças decisivas das várias intuições do mundo. Estes tipos sãotrês:O primeiro é o do naturalismo materialista ou positivista (Demócrito,Lucrécio, Epicuro, Hobbes, os Enciclopedistas, os materialistasmodernos, Comte). Esta intuição do mundo baseia−se no conceito de causae, portanto, da natureza como conjunto de factos que constituem umaordem necessária. Na natureza assim entendida não há lugar para osconceitos de valor e de fim, e a vida espiritual aparece forçosamentecomo "uma interpolação na contextura do mundo físico".O segundo tipo de intuição filosófica do mundo é o idealismo objectivo(Heraclito, estóicos, Espinosa, Leibniz, Shaftesbury, Goethe,Schelling, Schleiermacher, Hegel). Esta intuição do mundo baseia−se navida do sentimento e é dominada pelo sentido do valor e significação domundo. Toda a realidade aparece como expressão de um princípiointerior, sendo por isso entendida como uma conexão espiritual queactua consciente ou inconscientemente. Este ponto de vista leva a vernos fenómenos do mundo manifestações de uma divindade imanente(Pariteísmo).O terceiro tipo de intuição do mundo é o do idealismo da liberdade(Platão, filosofia helenístico−romana, Cícero, especulação cristã,Kant, Fichte, Maine de Biran, etc.). Esta doutrina interpreta omundo em termos de vontade e, portanto, afirma a independência doespírito relativamente à natureza, isto é, a sua transcendência. Daprojecção do espírito sobre o universo originam−se os conceitos depersonalidade divina, de criação, de soberania da pessoa sobre o curso domundo.Cada um destes tipos dá às diferentes produções de uma qualquerpersonalidade singular uma unidade intrínseca; e nisto reside a suaforça. Cada tipo emprega um facto último de consciência, uma categoria.O materialismo, a categoria de causa; o idealismo objectivo, acategoria de valor; o idealismo subjectivo, a categoria de finalidade.Cada uma destas categorias fundamentais é uma relação entre ohomem e o mundo; mas não é possível uma relação total que resulte doconjunto destas três categorias. Isto significa que a metafísica éimpossível: deverá, com efeito, tentar unir ilusoriamente taiscategorias ou mutilar a nossa relação vivida com o mundo, reduzindo−a auma só delas. A metafísica é impossível mesmo no âmbito de cada um dostrês tipos fundamentais, já que não é possível determinar a unidadeúltima da ordem causal (positivismo), nem o valor incondicionado(idealismo objectivo), nem o fim absoluto (idealismo subjectivo).Contudo, a última palavra não é a relatividade das intuições do mundomas a soberania do espírito frente a todas elas e, ao mesmo tempo, aconsciência positiva de que na suadiversidade se expressa a plurilateralidade do mundo e de que estaconsciência constitui precisamente aúnica realidade do mundo (Ib., p. 406). O carácter mais universal dafilosofia consiste na natureza da compreensão objectiva e do pensamentoconceptual, no qual se baseia. O proceder do pensamento expressa anecessidade da natureza humana de estabelecer solidamente a posição dohomem frente ao mundo, o esforço por romper os laços que prendem a vida às suascondições limitadoras. Este esforço constitui a função universal dafilosofia e a última unidade de todas as suas manifestações históricas.§ 739. SIMMELNa obra de Dilthey, a metodologia das ciências do espírito foienriquecida por determinações e esclarecimentos, os quais constituíammodificações oudesenvolvimentos substanciais em relação à obra de Weber. Os outroshistoriadores alemães, que desenvolveram as suas doutrinas em polémicacom Dilthey ou continuando−o, manifestam a tendência para acentuaraspectos subordinados ou parciais da filosofia de Dilthey ou paracorrigi−lo recorrendo ao absoluto e evidenciando um retorno parcial aohegelianismo. Entre os primeiros, Simmel e Spengler desenvolvem orelativismo de Dilthey tentando fazer dele uma metafísica da vida.Entre os segundos, Troeltsch e Meinecke procuram conciliar ohistoricismo com valores absolutos e efectuam um retorno parcial aoconceito romântico da história. Vimos anteriormente (§§ 727−28) queWindelband e Rickert, seguindo a mesma orientação, polemizaram contra orelativismo dos valores, colocando−os a um nível em que não podem seralternados pelas vicissitudes da história.George Simmol (1858−1918) é autor de numerosas obras filosóficas esociológicas: O problema da filosofia da história (1892); Introdução àciência moral (1892); Filosofia da moeda (1900); Sociologia (1910); Problemasfundamentais. da filosofia (1910); Problemas de Sociologia (1917); Aintuição da vida (1918); e ainda de trabalhos históricos sobre l(ant(1903), sobre Schopenhauer e Nietzsche (1916) e sobre a situaçãoespiritual da época da primeira guerra mundial (A guerra e a decisãoespiritual, 1917; O conflito da cultura moderna, 1918).Se bem que a filosofia de Siminel se oriente para o relativismo, elacomeçou por defender algumas exigências da escola de Baden, em primeirolugar a de reconhecer ao valor ou dever ser uni status independente dassituações históricas. Assim, na Introdução à ciência moral, Simmelafirma que o dever ser é uma "categoria natural do pensamento", do mesmo modo que oser, reconhecendo depois que ele age e vive somente na consciênciaempírica do homem e em relação com o conteúdo psicológico dela. E nosProblemas fundamentais, da filosofia, juntamente com o sujeito e oobjecto, considerados nas suas relações funcionais, Simmel reconhece aexistência de um terceiro reino de conteúdos ideais independentementedas suas realizações no sujeito ou no objecto, o reino das ideiasplatónicas, e ainda um quarto reino que é o das exigências ideais e dodever ser. No entanto, nada disto impediu Simmel de se orientar parauma forma de relativismo radical baseada numa metafísica da vida.Simmel foi conduzido a esta orientação pela exigência de criação dasciências do espírito, especialmente a historiografia e a sociologia.Por se preocupar com o problema da história, Simmel. é levado a pô−loem termos análogos aos utilizados por Kant ao considerar o problema danatureza: trata−se agora de determinar a possibilidade da história, domesmo modo que Kant determinou a possibilidade da natureza. Mas asolução dada por Simmel é completamente diferente da de Kant. Apossibilidade da história não reside em condições apriori, em formas intelectuais independentes da experiência: ascategorias e princípios que ordenam omaterial historiográfico e o constituem numa imagem que não é de modoalgum a cópia dos dados em que se baseia, são eles próprios empíricos epertencem à experiência psicológica, pelo que "a psicologia é o apriori da ciência histórica" (Die Probleme der Geschichtesphilosophie,p. 33). Como condições psicológicas, as categorias da investigaçãohistórica podem modificar−se, e modificam−se, com o desenvolvimentohistórico; e, assim, acontece que a realidade histórica pode serinterpretada segundo diversas categorias e dar lugar a diversasrepresentações historiográficas. Não são portanto, no sentido próprio,leis da realidade histórica. O reagrupamento dos factos segundo umdeterminado conceito não vale como lei determinante que supõe a acçãode factores objectivos constantes (Ib., p. 91). Deste ponto de vista,não se pode pôr o problema do significado total da história e toda asua solução é reenviada para o domínio da fé (Ib., págs. 72 e segs.).Analogamente, a sociologia não pode ter a pretensão de esclarecer anatureza e o significado da sociedade como um todo; ela temsimplesmente como objectoas formas de associação assumidas pelas relações entre os indivíduos. Edistingue−se das ciências sociais particulares porque enquanto nestasos fenómenos sociais são considerados nos seus conteúdos, na sociologiasão apenas considerados como modalidade das relações entre osindivíduos (Soziologie, p. 12).Num artigo de 1895, ao polemizar contra a noção de verdade absoluta,Simmel chega a reconhecer o carácter pragmático da própria verdade. Se,de facto, negarmos o valor absoluto da verdade, não poderemosaplicar−lhe outro critério senão o da sua utilidade, ou seja, o da suacoerência com a prática, e nesse caso a verdade é o resultado daselecção biológica e identifica−se com a própria finalidade da espéciehumana. Estes conceitos orientam a sua ulterior actividade para umametafísica da vida. Deste ponto de vista, a filosofia não é uma ciênciaobjectiva mas "a reacção do homem à totalidade do sem.É assim que ela aparece definida nos Problemas, fundamentais dafilosofia. O que a impede de reduzir−sea uma opinião do sujeito individual é a sua tipologia, ou seja, o factode ela não exprimir o indivíduo mas antes a espiritualidade típica: aqual garante uma possibilidade de comunicação entre os indivíduos quefilosofam, mas não a concordância das suas filosofias. As análiseshistóricas de Simmel tendem precisamente a caracterizar algumas destasespiritualidades típicas; é assim que ele vê em Schopenhauer eNietzsche dois tipos opostos e inconciliáveis de filosofia: a negaçãodo valor da vida e a afirmação do seu valor para além de qualquer privação ou dor. Mas deste ponto de vista a vida torna−se o verdadeiro eúnico sujeito da história e −aúnica substância das coisas: uma realidade metafísica. Mais do que paraDilthey, que considerara a vida apenas enquanto situação do homem nomundo, esta noção remete talvez para Bergson. Simmel entende a vida nosentido da duração real de Bergson. (§ 693), ou seja, como continuidadeem que o presente inclui o passado e não como sucessão de estadosdiferentes ou diferenciáveis. Neste sentido a vida é o próprio tempoconcreto, enquanto que otempo é, em si, a forma abstracta da vida (Lebensanschauung, págs.11−12). A vida prossegue dentro de formas determinadas masultrapassando essas formas na continuidade do seu processo. Devido aesta continuidade ela será mais−vida (Mehr−Leben), porque se transcendea si mesma; enquanto que nas formas por ela criadas é mais−que−vida(Mehr−als−Leben), por se conseguir impor ao seu processo temporal.Logo, este processo inclui a morte, isto é, o destino inevitável detodas as formas de vida (Ib., págs. 22 e segs.). O mundo histórico,aquele que é objecto do conhecimento histórico, é uma forma da vida nosentido muito específico de ser uma emergência de uma estrutura idealacima da continuidade do processo vital: uma emergência que reivindicauma certa autonomia relativamente a esse processo e que entra emrelação ideal com outras formas da vida, por permanecer, tal como essasoutras formas, sobreposta à continuidade da vida. A relação e,simultaneamente, a separação entre a vida e um qualquer elementoideal (valor, dever ser, forma, mundo histórico) parece ter sido o temaconstante da filosofia de Simmel.
-
AutorPosts
- Você deve fazer login para responder a este tópico.