Crise de paradigma

  • Este tópico está vazio.
Visualizando 15 posts - 1 até 15 (de 20 do total)
  • Autor
    Posts
  • #70217

    Crise de paradigmas. Esta é a forma axiomática com que a esquerda enfrenta uma auto-reflexão. O paradigma do marxismo é cada vez mais colocado na berlinda; o paradigma de uma esquerda “democrática”, “governável”, é a nova cantilena apregoada por intelectuais orgânicos da pequena (ou grande) burguesia que lideram “movimentos sociais” e partidos de “esquerda”, em especial o PT.
    O compromisso do novo paradigma não está ancorado no socialismo, mas em uma radicalização da “democracia” liberal e em uma forma de governar com paliativos pós-modernos para a luta de classes. A “esquerda” que, no Brasil, governa, realiza obras para tornar as cidades “agradáveis”; desvincula-se das relações sociais de produção; forma “câmaras setoriais” para resolver interesses antagônicos de classes pelo consenso, unindo opostos em uma verborragia unidimensional com um corporativismo barato.
    Dessa forma, uma questão deve ser colocada: a “esquerda” que temos diante de nós é esquerda ?

    #79607

    Caro Anderson: Realmente, acredito que injustamente as teorias socialistas derivadas do pensamento de Marx encontraram um enterro precoce pelos pelos intelectuais da situação, e sobrevivem de forma inútil nas academias ou de forma radical em grupos localizados, sendo os mais notáveis as guerrilhas, como a zapatista- que se auto denomina “marxista-leninista”. Mas após este enterro, a esquerda não encontrou nenhum pensador ou tendência à altura para se estruturar ideologicamente.
    É interessante sua colocação da crise de paradigmas, pois esta crise de paradigmas é uma situação contemporânea, não só da política, mas que se estende a diversas áreas, inclusive a física.

    Realmente não vejo como um governo pode ser de esquerda, visto que a esquerda faz justamente a oposição, e ao chegar ao poder torna-se situação. Assim, penso que o PT não fez jus à sua tradição nos últimos anos, se perdendo em meios às estruturas de poder e tradições burocráticas, e pouco oferecendo de palpável ao povo.

    #79608

    Concordo que exista uma crise de paradigma na teoria das ciências políticas: teórica.
    Na prática, a crise se reflete de outra maneira. É preciso não misturar, a situação mundial. Não se pode passar por cima da China comunista, do neo-liberalismo e da nossa situação.
    Uma pesquisa recente mostrou a não aprovação da democracia pela grande maioria do povo brasileiro. Nós temos democracia? Formal? Concreta? Existe manipulação nas eleições? Fraude?
    Nossos vereadores, deputados, nos representam? O governo está atento para implementar as políticas públicas que os movimentos sociais reclamam? Os sem terra, sem teto, sem emprego, estão sendo ouvidos? O sistema judiciário não é corrupto, burocrático, pune só os pobres? E a corrupção não tomou conta de todo o tecido social? Existe cidadania? Ou será que não temos nem mesmo democracia formal no nosso país, é tudo jogo de ilusões?
    Não esquecer também a experiência do PT no RGS: é uma alternativa válida? Não esquecer que São Paulo não representa o Brasil, embora pense que sim…

    #79609

    Caro Onofre Veiga: você está de parabéns por lembrar de uma denominação horrorosa como o “marxismo-leninismo”. Penso que o “marxismo-leninismo” é um anacronismo ao ser aplicado aos dias atuais: significa sobrepor o universo da Rússia do início do século XX aos dias de hoje, o que enseja uma leitura e uma ação errada da realidade. Ademais, o “marxismo-leninismo” não é uma expressão cujos termos estão com o mesmo peso; é, na verdade, uma redução do marxismo ao leninismo, a uma estrutrura de partido militarista, que se justificava – se é que se justificava – pela realidade russa, não pela nossa.

    #79610

    Caro Anderson: Esta área não é minha especialidade, mas creio que o termo marxismo-leninismo usado pela guerrilha zapatista do méxico e pelas FARC da Colômbia não é restrito ao contexto da revolução russa de 1917.
    Antes de ser chefe de estado, Lenin tem uma grande obra, e essa corrente do marxismo considera que este não é um todo acabado, mas foi aplicada não somente na Rússia como em outros países comunistas, e é orientada para a doutrina do partido comunista e para a tomada do poder por parte dos revolucionários. Se tal luta ainda cabe no mundo hoje, não sei, é o que está sendo discutido.

    #79611

    Caro Onofre Veiga: o leninismo é uma teoria de partido voltada para a aplicação do marxismo de modo metódico. O problema começa aí: o marxismo não tem um método, mas uma ontologia. Ademais, o recurso do partido leninista como “vanguarda” do proletariado é uma volta ingênua ao Iluminismo: o proletariado fica amorfo, esperando pelo partido, pelo guia, pelo educador. Mas, e o educador, quem educa ?
    O esquema rígido de partido leninista, ainda, embarga a dialética, própria da obra marxiana. Nem mesmo o que Marx considerava como certo em seu tempo pode ser usado como modelo, porque o leninismo seria ?
    Enfim, caro Onofre Veiga, o que percebemos é que a crise de paradigmas nas teorias de esquerda é grande: leninismo, trotskismo, maoísmo, social-democracia – há problema em absolutamente tudo.

    #79612

    Sr. Anderson:

    O marxismo-leninismo é uma teoria e uma metodologia, inaugurada por Lenin a partir dos principios marxistas e aplicada primeiro na Rússia e depois ao longo de todo o século vinte, tanto na China, quanto no Vietnã, em Cuba e atualmente pelas Farcs colombianas. Lenin prega o tra”alho revolucionário do partido como uma forma de aguçar as contradições do capitalismo. A vanguarda do partido assim se desvincula da noção da vanguarda acadêmica ou artística, já que Lênin propõe – e cada revolução a seu modo adapta – um trablho vinculado às condições concretas, à realidade da luta de classes. É o desconhecimento dos fundamentos do marxismo-leninismo que promove a grande maré de asneiras sobre a guerra do Vietnã, por exemplo, que foi uma luita vencida pela eficiência (como método de vitória e tomada do poder) do marxismo leninismo – filtrado pelo maoismo e adaptado por Ho Chi Min às condições do Vietnã e à luta anti-imperialista. O marxismo leninismo clássico (leia O Que Fazer, Esquerdismo, doença infantil do comunismo e o livro sobre o imperialismo de Lênin) tinha forte conotação anti-imperialista, já que se serviu das contradições durante a Primeira Guerra para pregar entre o povo russo as palalvras de ordem Paz, Pão e Liberdade. Quem tem pretensão ao pensamento científico não pode considerar um objeto de estudo “horroroso”, principalmente se desconhece os fundamentos dele.

    #79613

    Caro Anônimo: Obrigado pelas indicações bibliográficas, eu as conheço bem. Lenin é um autor clássico dentro do marxismo e só é clássico por decorrência de sua erudição. Teve um mérito grandioso em saber avaliar magistralmente a conjuntura russa daquele tempo e elaborar um plano de ação, isto é, dar ao proletariado uma arma teória, dar à Filosofia uma arma prática. Porém, caro Anônimo, quando você diz que o maoísmo adaptou o leninismo, você se refuta: o maoísmo escapa ao modelo leninista de primazia pelo operário urbano e aposta suas fichas no campesinato. O que expressa bem esta diferença é a contenda existente entre os comunistas chineses e os leninistas da URSS no período antecedente à Revolução Chinesa. Isto é, digo que o maoísmo foi uma alternativa à camisa de força leninista – e stalinista – imposta pelo “método” vanguardista. É justamente por ser um método que o leninismo exclui do marxismo uma de suas coisas mais importantes, a saber, a dialética. O marxismo, caro Anônimo, não é uma metodologia, é uma ontologia. Como você foi polido comigo a ponto de dar referências bibliográficas, eu o retribuirei: leia Lukács, o volume da coleção Grandes Cientistas Sociais serve; leia também o capítulo do Guido Mantega sobre as Internacionais Comunistas, em seu livro sobre a Economia Brasileira.

    #79614

    Senhores, adorei saber que tem gente discutindo
    acerca destas questões. Sinto-me profundamente
    confuso. Sou membro do Partido dos Trabalhadores,
    militante do movimento pela democratização dos
    meios de comunicação, que tem nas rádios comunitárias o seu braço mais visível.
    Algumas de minhas indagações são as seguintes:
    Onde falhou o socialismo real soviético? Não produzindo “gadgets”de apelo consumista? Deveria tê-los produzido? Qual o apelo capitalista que o torna irresistível aos olhos dos explorados? Os explorados querem genuinamente um mundo sem classes onde não poderiam mais ser explorados Ou
    sonham em se tornar exploradores? Qual a alternativa ao PT? Os micropartidos? Se a opção do PT de radicalização da democracia burguesa não é a correta qual seria? A luta armada? Adoraria ver algumas dessas perguntas respondidas.

    #79615

    Caro piauiense: Suas questões são complicadíssimas e o que direi aqui serão apenas alguns apontamentos sem nenhuma pretensão de resposta, seja ela final ou não. Como se vê na primeira mensagem deste fórum, o que estamos discutindo é uma crise de paradigmas na esquerda, da qual o PT está contemplado. Este partido, que tenta se aproximar da social-democracia européia (o que já é um erro por trabalhar com um modelo que é diferente da realidade brasileira) vem continuamente trocando o paradigma da luta de classes pelo da “cidadania”, da ação comunicativa, da “participação”, do consenso. Neste sentido, o PT foi absorvido pela ordem, está dentro dela e a tornando ainda mais eficaz ideologicamente na mediada que a torna mais plural; em outras palavras, há uma unidimensionalidade da qual o PT faz parte, unidimensionalidade que se apresenta como diversificada, mas que é unilateral.
    Você fez uma pergunta muito difícil – “Qual seria a alternativa ao PT?” -, eu a faria de outro modo: qual a alternativa para os trabalhadores? Ligar a emancipação do trabalho – e humana – apenas à política é uma não-emancipação: é pelo trabalho que os trabalhadores podem se emancipar, fazendo da política uma expressão da inversão na correlação de forças entre capital e trabalho, cujo objetivo, para os trabalhadores, seria findar com o capital e, conseqüentemente, com a alienação do trabalho. Para usar o vocabulário da tradição marxista: se faz mister uma mudança na infraestrutura da sociedade para que ela mude qualitativamente e não apenas quantitativamente – a mudança quantitativa é oferecida justamente pela política em si mesma, pela dança dos partidos. Subjacente à política estão as relações sociais de produção: são estas que precisam se uma mudança, qualitativa.
    Como você está vendo, caro piauiense, o problema é bem maior que a ação correta ou incorreta de um ou de outro partido: o problema transcende os limites superestruturais – partidário, ideológico, educacional, comunicativo – e exige uma solução que não é só política, mas imanente. Da própria ação social dos trabalhadores é que pode engendrar-se uma nova sociedade e não da simples eleição do Lula para presidente, que estaria lá apenas para administrar o capitalismo.

    #79616

    A TODOS: Chegará um dia que o governo será substituído por um software, de código aberto e livre, feito pela população… Com a popularização do Linux, e do software livre, as pessoas tem que aprender a programar em alguma linguagem computacional, isto já está sendo um fator inerente à educação. A educação nos moldes (des)atuais têm que encaminhar os aprendizes para o séc. XXI por meio deste tipo de aprendizagem, para que a democracia em favor de todos permaneça.

    Imaginem um fórum como esse discutindo os problemas sociais, a nível regional, depois a nível nacional, etc… É a utopia da democracia.

    Falou!!!!!!

    #79617

    Caro Anônimo: esse determinismo tecnológico não nos leva a lugar nenhum. O que a esquerda tem de fazer precisa estar ancorado em estratos e classes sociais específicos, não nos computadores.

    #79618

    Senhor Andersom, tenho certeza que suas conclusões sobre o direcionamento atual das esquerdas estão próximas da realidade. No entanto não acredito que elas estão aproximando-se das esquerdas européias, pois nosso contexto histórica é completamente diferente e a forma como essas esquerdas(principalmente o PT) foram concebidas não dão margem a essa europeização nem na forma ética e nem ideológica. Mas acredito que a questão principal suscita muitas dúvidas e certamente é dialeticamente possível. Como então deveriam ser esses partidos? Seria ingênuo e pretensioso acreditar que um partido ou qualquer outra instituição política que ousasse falar em dogmas puramente socialistas sobrevivessem a ditadura do capital, acredito que nosso maior erro é acreditar que nossa população esteja preparada para algum tipo de mudança radical. Nos vemos realmente entre questões de natureza política e social que nunca serão resolvidos enquanto não aceitarmos a conscientização de base como ponto inicial para quaisquer tipo de transformação. Infelizmente não estamos preparados para essas questões. Fica claro isso para nós quando notamos que a população comparece as urnas e acredita que vive em uma democracia,mas qual democracia? aquela que nos nega o conhecimento e nos obriga a votar, aquela que nos retira das escolas, ou retira as escolas de nós, para que não possamos enxergar toda a contradição que se esconde por trás desse sistema, ou ainda aquela que nos oferece míseros trocados em troca de lucros extraordinários.
    Acredito que se possa ainda modificar toda essa estrutura, mas temos que ter em mente que as poucas “conquistas sociais” que ainda nos restam são defendidas por esse partidos de esquerda, e que sem eles praticamente estaríamos condicionados a uma exploração muito maior, Não quero aqui defender a institucionalização da luta, mas defendo-me da hipocrisia de acreditar em uma sociedade capitalista sem eles.
    Finalizando: só acredito numa real revolução se esta estiver completamente condicionada aos ideais do povo e que essa mesma seja feita pelo povo, consciente de suas necessidades físicas, biológicas e sociais, um povo preparado e também livre de acondicionamentos de valores capitalistas.

    #79619

    Sr. Aurélio: fiquei feliz em ler algo tão inteligente. Vou direto ao cerne da questão: os partidos e a “conscientização” do “povo”. Os primeiros já são gestados dentro das estruturas de relação do capitalismo e, portanto, têm de aceitar aprioristicamente os seus imperativos. Concernente à “conscientização” do “povo”, a nossa tradição iluminista apregoa que nós somos os guias e o “povo” é uma massa amorfa que espera as luzes dos partidos, dos intelectuais… No entanto, pela imanência das relaçãoes capitalistas – alienação (Marx), exploração racionalizada e calculista (Weber) – que permeiam todas as esferas sociais, há uma unidimensionalização (Marcuse)da sociedade:
    a transcendência fica embargada. Assim, caro Aurélio, algo além da “conscientização” é necessário para emancipar o homem.

    #79620

    Caro Anderson,
    Achei extremamente interessante suas colocações e considero que o marxismo tem hoje a tarefa de repensar sua própria história e separar o joio do trigo, ou seja, o marxismo de espírito libertário e revolucionário e o marxismo dominante, seja social-democrata ou leninista, no sentido de recuperar seu núcleo revolucionário. As ditas esquerdas brasileiras (leia-se PT, PCdoB, PSTU, e todos os outros “pês” de “esquerda”) acabaram se institucionalizando, o que é fatal com instituições que seguem a lógica da sociedade burguesa, tal como a “sua” democracia. Mas além de questionar radicalmente tais “esquerdas” precisamos contribuir para reconstruir o marxismo revolucionário e retomar a crítica da sociedade capitalista. Aí eu coloco as seguintes questões: qual é a alternativa marxista hoje? Qual é o papel do marxismo no processo de luta de classes? é da resposta a estas questões que podemos pensar o caminho a trilharmos, caminho teórico e prático. (NV).

Visualizando 15 posts - 1 até 15 (de 20 do total)
  • Você deve fazer login para responder a este tópico.