Início › Fóruns › Fórum Sobre Filósofos › Kant › CRÍTICA AO IMPERATIVO CATEGÓRICO KANTIANO
- Este tópico está vazio.
-
AutorPosts
-
13/03/2006 às 2:36 #70386gontijoloyolaMembro
Olá. Apresento aqui algumas críticas ao imperativo categórico kantiano.Para Kant, a vontade humana só é livre quando abdica de seguir suas inclinações e de se render às circunstâncias para se guiar conforme a razão, mais precisamente quando segue o imperativo categórico, buscando adotar um comportamento universalizável.Eis um dos enunciados do imperativo categórico:“Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.”1. Liberdade - Pergunta-se: por que só é livre a vontade quando segue o imperativo categórico? Não seria igualmente livre qualquer escolha isenta de injunções, ainda que voltada para uma finalidade? Ter a razão como critério da moralidade já representa uma escolha moral. E esta, pergunte-se, foi feita com base em qual critério?2. Diversidade de sujeitos - Com sua perspectiva de universalização de condutas, o imperativo categórico prescreve ações iguais para pessoas diferentes. Assim, despreza as diferenças subjetivas, excluindo especificidades que levem a um destino individualizado. Pergunta-se: Jesus teria expulsado os vendilhões do templo ou se deixado crucificar se pautasse sua conduta pelo imperativo categórico? Sócrates teria tomado cicuta? A moral kantiana é insatisfatória para ações e homens extraordinários.3. Diversidade de objetos - Uma vez que a conduta prescrita pelo imperativo categórico vale por si mesma, despreza-se o resultado efetivo que dela possa advir. Isso pode acarretar resultados equivocados e até mesmo desastrosos, pois o rígido raciocínio kantiano se dá com base numa elaboração artificial, qual seja, antecipar o que ocorreria se todos agissem conforme a lei universal.Lancemos mão de um exemplo. Dar esmolas a um pedinte está conforme o imperativo categórico? Se todos os que tivessem renda dessem esmola, seria possível para muitos viver sem trabalhar, ainda que fossem fortes e potencialmente produtivos, o que contrariaria a razão. Assim, a melhor conclusão é a de incompatibilidade dessa conduta com o preceito kantiano. Entretanto, o fato de eu dar esmola em um momento específico não fará com que outras pessoas, como regra, passem a fazê-lo. Assim, na verdade eu poderia me sentir livre para dar esmola de vez em quando, sem medo de que o resultado pernicioso (renda sem trabalho) viesse a ocorrer.4. Alteridade - O imperativo categórico não considera o outro concretamente. O outro é pura abstração, presente na reflexão acerca da possibilidade de universalizar a conduta. Portanto, a ética kantiana desconhece a compaixão, a solidariedade, o afeto, tratando próximos e distantes, vítimas e algozes da mesma forma.Considerando o exemplo do item anterior, para quem agisse conforme o preceito kantiano pouco importaria a boa-fé ou as verdadeiras necessidades do pedinte. Ainda que este estivesse prestes a morrer de fome, a solução seria a mesma.Um abraço :)
25/03/2006 às 22:43 #81342Miguel DuclósMembroRespondendo apenas alguns pontos do seu tópico:O imperativo categórico é uma fórmula para pensar uma ética estritamente racional, ou seja, sem recorrer a discurso unificador metafísico, que coloca como juiz de todos os homens alguma entidade religiosa, como no caso dos mandamentos na cultura judaico-cristã. Uma ética nos limites da simples razão que não seja relativa é um desafio para a filosofia, que perdura até hoje, mesmo com uma asceção do relativismo que coloca a ética sempre circunscrita a um grupo de pessoas. É preciso ter isso em mente quando pensar no imperativo categórico kantiano.O próprio Kant enumera uma série de exemplo e contra-exemplos em que um ato pode ser ou não considerado ético especialmente na fundamentação da metafísica dos costumes e na Crítica da razão prática. Mas eu discordo que o imperativo não considera o outro concretamente. É uma das primeiras éticas que coloca como central o problema do Outro, já que este é tratado estritamente como fim em si mesmo, e não como um meio, para adquirir o que quer que seja.É certo que existem diferenças entre indivíduos. Mas existem também coisas que são universais à forma humana, atributos pertencentes à nossa essência de seres pensantes e comunicantes. O imperativo ao meu ver trafega nesse pressuposto. Um fio de espírito que passe de uma ponta a outra da humanidade conservando seu enunciado pode ser considerado universal ao homem. Eis o desafio ético e o desafio político. Algo que todos querer? Dou um exemplo: todos querem viver. Não se pode para que uns vivam, outros deixem de viver. O imperativo dá conta satisfatoriamente dessas questões.Bem-vindo ao fórumabs
26/03/2006 às 20:02 #81343gontijoloyolaMembroMiguel, muito obrigado pela resposta. Num pequeno texto denominado “Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade”, Kant rebate críticas de Benjamin Constant e reafirma o dever de falar a verdade, sem nenhuma exceção possível, ainda que fôssemos indagados por um assassino quanto à presença de uma possível futura vítima em nossa casa. Kant conclui que “todo homem (...) possui não só o direito mas até mesmo o estrito dever de enunciar a verdade nas proposições que não puder evitar, mesmo que venha a prejudicar a ele ou a outras pessoas”. Nesse ponto, a concepção kantiana fere meu senso de justiça (como, acredito, o de muitos) e me força a vê-la como insatisfatória para solucionar os problemas éticos que se nos apresentam no dia-a-dia. De fato, como bem argumentado, existe uma base comum subjacente à diversidade humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição de 88, sobretudo em seu art. 5º, referem-se a esse homem tomado abstratamente, criando um arcabouço mínimo de direitos e garantias, válido indistintamente para todos. Também quando se fala em “todos são iguais perante a lei” (CR 88, art. 5º, caput), não se está desconsiderando a desigualdade manifesta entre as pessoas, mas sim resguardando a igualdade abstrata, tomada a priori, ou seja, aquele mínimo que torna humano um indivíduo, independentemente de qualquer elemento específico – sexo, raça, educação, caráter, riqueza, desempenho, etc. A crítica que gostaria de fazer respeita justamente a que Kant limita sua ética a essa humanidade abstrata, afastando-se dos fatos e pessoas específicas, afastando-se do concreto. A idéia de que todo homem é um fim em si mesmo, na forma colocada por Kant, é fundamental para a construção de um “mínimo ético” entre os povos, mas insuficiente como parâmetro ético individual. No exemplo supracitado, a possível futura vítima não é considerada como pessoa específica, como indivíduo (com nome, endereço, família e história próprios), mas como mera variável de uma equação universalizante. Nesse caso específico, a pura empatia (ou, se quisermos uma máxima, a “regra de ouro”: “faça aos outros o que gostaria que lhe fizessem”), embora impregnada de subjetividade, talvez pudesse dar resposta mais satisfatória à questão de qual conduta adotar. A base do equívoco ético kantiano parece estar em que, buscando um critério prático universal, ele reduziu essência do homem ao racional. Para Kant, as inclinações e necessidades do indivíduo, por não constituírem sua essência, não podem ser consideradas se quisermos uma vontade autônoma. A vontade livre é apenas a vontade puramente racional. A vontade humana, desvestida de tudo que for particular e empírico, é a vontade racional. Não obstante as qualidades da razão prática kantiana, parece-me claro que a natureza racional do homem não lhe esgota a essência. Ademais - e talvez em razão disso -, constitui um equívoco agir sempre conforme preceitos éticos estabelecidos a priori, à revelia do particular e do empírico. Um abraço. :)
25/05/2010 às 16:25 #81344ppauloMembroOlá, respondendo tardiamente ao colega gontijoloyola:"1. Liberdade - Pergunta-se: por que só é livre a vontade quando segue o imperativo categórico? Não seria igualmente livre qualquer escolha isenta de injunções, ainda que voltada para uma finalidade? Ter a razão como critério da moralidade já representa uma escolha moral. E esta, pergunte-se, foi feita com base em qual critério?"Não, se for voltada a uma finalidade seria o que Kant descreve como imperativo hipotético. A vontade é livre apenas quando liberta da escravidão dos desejos. Para Kant, qualquer ação seria apenas livre, quando pudéssemos escolher o dever ser apenas pelo dever, ou seja, a vontade livre para escolher o correto independente das vontades. A escolha da razão é pilar fundamental da filosofia kantiana, onde a filosofia deixa de ser transcendente para se tornar transcendental. Deixa de ser a metafísica para considerar o homem o centro de toda sua filosofia."2. Diversidade de sujeitos - Com sua perspectiva de universalização de condutas, o imperativo categórico prescreve ações iguais para pessoas diferentes. Assim, despreza as diferenças subjetivas, excluindo especificidades que levem a um destino individualizado. Pergunta-se: Jesus teria expulsado os vendilhões do templo ou se deixado crucificar se pautasse sua conduta pelo imperativo categórico? Sócrates teria tomado cicuta? A moral kantiana é insatisfatória para ações e homens extraordinários."O imperativo categórico, longe de desprezar diferenças subjetiva, procura encontrar a unidade humana, ou seja, deixa de trabalhar na sigularidade dos sujeitos, buscando uma unidade na particularidade.Para os dois questionamentos seguintes, creio que muito tem a ver com as respostas dos coloegas, que trataram do mínimo ético. O imperativo categórico busca uma unidade, por óbvio que é insatisfatória em situações excepcionais. E, como dever ser, é algo inalcançável, mas que deve ser perseguido. Esta é a idéia de um mínimo ético, a linha de condução para uma sociedade melhor.O exemplo da esmola ao mendigo é muito bom. Como o colega adiantou, se todos dessem esmola, muitos que não precisam, assim poderiam viver. Mas, tal só é possvel se, os outros não tiverem também as atitudes pautadas pelo imperativo categórico. Ou seja, no plano teórico o imperativo categórico é perfeito. Ele apenas não funciona no mundo de fato, já que se refere a um dever ser. Para o mundo real, basta que ele sirva como orientação de um mínimo ético a ser construído. Ninguém há de negar que o mundo seria bem melhor se todos se pautassem pelo imperativo categórico, que todos fizzessem aquilo que deve ser feito, e não, aquilo que cada um deseja como o melhor para si.
-
AutorPosts
- Você deve fazer login para responder a este tópico.