não não = sim

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  • #70621
    willgod
    Membro

    Eu não sei se essa dúvida é realmente relacionada a filosofia ou ao portugues, mas vamos a ela:quando dizemos: "Eu não comi nada hoje".A primeira impressão é que eu estaria dizendo que estou ainda em jejum, certo?Mas, porém, analizemos a fraze:comi nada hoje = não comi algo hojeNo começo da oração também há uma negação, então a frase ficaria assim:Eu não não comi algo hoje.Isso quer dizer que eu não cometi o ato de não comer algo hoje, ou seja, eu comi algo hoje.Ou simplesmente, como na eletrônica digital, duas negações seguidas se anulam.Gostaria de saber se o meu raciocínio está correto.

    #84310

    Isso me parece mais um mau costume que nós, brasileiros, temos. Jamais vi esse tipo expressão no português de Portugal, e sua lógica está sim errada, pois a negativa de uma negativa constitui uma afirmação positiva.Podemos perceber também que no inglês esse problema não ocorre, pois temos somente "I did not eat anything today" ou "I ate nothing today".

    #84301
    Cokk
    Membro

    Eu não estou seguro, mas acho que a dupla negação só equivale a afirmação na lógica clássica, de Aristóteles. Se não me engano foi em Russell, ou em algum contemporâneo seu da Linguagem, que li sobre o assunto.Gramaticalmente não há dificuldades também. Alguns dicionários mais recentes possuem um apêndice explicativo em referência a casos de dupla negação. Segundo sua caracterização, o uso de não e nada, desde que nada seja posposto a não, significa tão-somente negação simples, e não algo como a negação da negação.Ou seja, não é mau costume linguístico de brasileiros e, se estou certo, tampouco erro lógico dizer "...não... nada..."

    #84302
    Cokk
    Membro

    Um outro problema consiste na quantificação que você, willgod, fez de nada. Você 'tranformou' nada em algo. Isso é problemático, e requer, para ser sustentado, alguma argumentação em âmbito estritamente lógico.Enfim, não me parece precipitado dizer, Russell e Quine aparentemente concordam, que apenas o que existe pode ser quantificado, de modo que nada, por definição aquilo que de forma alguma existe, seja exatamente inquantificável."Não há nada que possamos fazer" parece ser um contra-exemplo eficiente da frase usada por você como exemplo.Abraços.

    #84303

    Também não estou seguro, mas mesmo a frase que vc citou me parece que teria uma sintaxe mais correta em “nada há que possamos fazer”. Talvez alguém que conheça outros idiomas além do inglês e português possa nos dizer se este tipo de construção é ou não comum.Com relação à suposta quantificação do "nada", também não creio. O que ocorreu foi a negação do "nada", ou seja, existe algo.

    #84304

    Bem, procurando por “dupla negação” no Google encontrei vários textos de gramáticos em que a utilização deste recurso linguístico é considerada normal, e, como já está arraigada na cultura nacional, creio que possa sim ser considerada correta. No entanto posso afirmar que, dentro da lógica formal, a utilização da dupla negação resultará sempre em afirmação.

    #84305
    Cokk
    Membro

    Continuando sobre um terreno em que não me sinto totalmente seguro ainda…Entendi a sua posição, mas ainda acho que frases com tal forma não são mal formuladas, seja logica ou sintaticamente, pela seguinte razão.Pode-se encarar a negação de nada não como oposição positiva dela, isto é, afirmando a existência do que com nada se pretendeu negar, mas como uma tautologia. Por exemplo:Não há nada que possamos fazer.se fôssemos quantificar o nada, diríamos: "Não existe o que possamos fazer". Mas o artigo "o" na frase envolve unicidade, e só possui unicidade o que existe. Me parece contraditório atribuir existência àquilo que não existe. Assim, o nada em enunciados de tal forma pareceria reforçar a negação, e não sugerir uma oposição positiva. De fato, eu posso dizer: "Ela não é nada bonita" sem me confundir logicamente com o valor de 'nada' no enunciado, de modo que o interpreto como reafirmação da impossibilidade de existência de qualquer traço bonito na moça a quem eu disse isso.Sei que a linguística não se opõe ao nada como função de ênfase, uma vez que a correção pra ela depende da consagração do uso.Como aviso, lembrando a primeira frase desse texto, digo que não tenho segurança completa no que acabo de defender, de maneira que qualquer crítica construtiva ou desconstrutivamente educada é bem-vinda.

    #84306
    Cokk
    Membro

    Desculpa, eu postei antes de ver o seu último comentário.Em lógica, considerando sua corrente contemporânea, a dupla negação sempre, em todos os casos resulta em afirmação?

    #84307

    Meus conhecimentos em lógica formal se resumem ao Organon, e mesmo assim são bastante precários, de modo que não posso fazer comentário sobre outras correntes que não a aristotélica. Porém realmente não me ocorre situação alguma em que a negação da negação resulte em afirmação.Tens algum exemplo?

    #84308
    Cokk
    Membro

    É como eu disse antes de entrar com um pouco mais de profundidade no assunto específico. Eu não consigo formular nenhum exemplo agora porque passei por essa questão de sobrevôo. O que eu tentei nos posts foi discorrer sobre uma possível, porém insegura, interpretação alternativa do problema, pensando que possivelmente poderíamos colocar em panos mais claros a alnternativa à lógica aristotélica, que existe e não em pequeno grau.Encontrei uma página cujo conteúdo aborda esse assunto especificamente. Não li (hora de sair do trabalho, hehe), mas o título indica a pertinência dela: Lógica e linguagem — Problemas com a dupla negação. Duas negações nem sempre se cancelam!http://www.gregosetroianos.mat.br/logicdn/index.htmlSe o link falhar, ele tá relacionado na seguinte página: http://www.gregosetroianos.mat.br/logica.asp

    #84309

    Certo. Também estou saindo do trabalho, mas, coincidentemente, hoje tenho aula de filosofia e lógica formal na faculdade. Portanto talvez eu consiga alguma luz sobre o assunto.

    #84311
    jota erre
    Membro

    sr willgodA questão não é linguística, mas é fundamentalmente lógica.Como citado, a questão da dupla negação é encontada sim na Lógica clássica,  Aristóteles.Mas também é vista em filósofos contemporâneos, como Russel e Frege.Frege defende a idéia de uma "conceitografia", na qual os conceitos (idéias)  seriam mais fielmente representados em símbolos, perfazendo, assim, uma lógica simbólica.Algumas de suas definições são:" = negação^= adiçãov = alternaçãoAssim, com exemplo temos:s = homem p = mortalq = vivoj = mortologo:~s = não homem~p = não mortal,etcEntão, temos,homem mortal e vivo (s^p^q) = homem mortal e não morto (s^p^(~j))= homem mortal e não não vivo (s^p~(~q))Frege é um dos sistematizadores da lógica matemática.A resposta a outra questão feita é: sim, este raciocínio vale para todo sistema lógico.Não sei se ajuda, mas já faz tempo que não estudo Lógica.

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