O crepúsculo do ídolo

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    Críticas e/ou elogios ao livro: O Crepúsculo dos ídolos Subtítulo: Como filosofar com o marteloSubsubtítulo: Como martelar a FilosofiaSobre Sócrates e Platão, Nietzsche diz:"Esta irreverência de asseverar que os grandes sábios são tipos decadentes abriu-se para mim mesmo exatamente em uma circunstância na qual mais intensamente o preconceito erudito e não-erudito se lhe contrapunha. Reconheci Sócrates e Platão como sintomas de declínio, como instrumentos da decomposição grega, como falsos gregos, como antigregos ("Nascimento da Tragédia" 1872). Aquele consensus sapientium - isto fui compreendendo cada vez melhor - não prova sequer minimamente que eles tinham razão quanto ao que concordavam. O consenso demonstra muito mais que eles mesmos, esses mais sábios, possuíam entre si algum acordo fisiológico para se colocar frente à vida da mesma maneira negativa - para precisar se colocar frente a ela desta forma. Juízos, juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, nunca podem ser em última instância verdadeiros: eles só possuem o valor como sintoma, eles só podem vir a ser considerados enquanto sintomas. Em si, tais juízos são imbecilidades."Será que isso se aplica somente a Sócrates e Platão? No consenso que existe sobre o  pensamento nietzscheano isso não se aplica?  Ao ídolo e sábio Nietzsche isso não se aplica? Não seria aí exatamente o início do crepúsculo de sua própria filosofia?    Não haveria também entre os pensadores que bebem da fonte nietzsheana um consenso ou um acordo fisiológico para colocar-se frente à vida, assim como descreve Nietzsche a respeito do consensus sapientium que existia entre os sábios da Grécia antiga?  Não estaria também o pensamento nietzscheano ao limiar de seu crepúsculo? "Segundo sua origem, Sócrates pertence à camada mais baixa do povo. Sócrates era plebe. Sabe-se, ainda se pode até mesmo ver, quão feio ele era. Mas a feiúra, em si uma objeção, é entre os gregos quase uma refutação. Sócrates era afinal de contas um grego? Muito freqüentemente, a feiúra é a expressão de um desenvolvimento cruzado, emperrado pelo cruzamento. Em outros casos, ela aparece como desenvolvimento decadente. Os antropólogos dentre os criminalistas dizem-nos que o criminoso típico é feio: monstrum infronte, monstrum in animo. Mas o criminoso é um décadent. Sócrates era um típico criminoso? Ao menos não o contradiz aquele famoso juízo-fisionômico que soava tão escandaloso aos amigos de Sócrates. Um estrangeiro, que entendia de rostos, disse certa vez na cara de Sócrates, ao passar por Atenas, que ele era um monstro e escondia todos os vícios e desejos ruins em si.E Sócrates respondeu simplesmente: "Vós me conheceis, meu Senhor!""Muito interessante! Eu gosto de analisar parágrafo a parágrafo, peço aos nietzscheanos que não me levem a mal, mas certos parágrafos dispensam a crítica. Para opor ao que diz este parágrafo cabe usar o mesmo parâmetro usado pelo autor: A beleza (ou a feiura).Se quando Nietzsche disse isso sobre Sócrates, alguém lhe mostrasse a figura de Leonardo da Vinci, provavelmente ele diria que este também era um criminoso decadente.Leonardo da Vincileonardo_b.jpgleonardo-da-vinci.jpg"Eu coloco de lado, com elevado respeito, o nome de Heráclito."Certamente, para Nietzsche, Heráclito era muito mais bonito que Sócrates...  ;DHeráclito[img]http://tbn0.google.com/images?q=tbn:SI2wbg0KgwB36M:http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/images/Heraclito.JPG%5B/img%5DSócratesSocrates_Louvre-333541.jpgGoetheJohann-Wolfgang-von-Goethe.jpgSchopenhauerschopenhauer2.jpgNietzsche270px-Nietzsche187a-269x294.jpgNietzsche nietzsche.jpgMonstrum infronte, monstrum in animo...  :DFoucaultfoucault.jpg"Em Sócrates, a desertificação e a anarquia estabelecidas no interior dos instintos não são os únicos indícios de décadence: a superfetação do lógico e aquela maldade de raquítico, que o distinguem, também apontam para ela. Não nos esqueçamos mesmo daquelas alucinações auditivas que, sob o nome de o "Daimon de Sócrates", receberam uma interpretação religiosa. Tudo nele é exagerado, bufão, caricatural. Tudo é ao mesmo tempo oculto, cheio de segundas intenções, subterrâneo. – Procuro compreender de que idiossincrasia provém essa equiparação socrática entre Razão = Virtude = Felicidade: essa equiparação que é, de todas as existentes, a mais bizarra, e que possui contra si, em particular, todos os instintos dos helenos mais antigos.Com Sócrates, o paladar grego transforma-se em favor da dialética: o que acontece aí propriamente? Acima de tudo é um gosto nobre que cai por terra. A plebe ascende com a dialética."Todos os problemas do mundo assim como também todos os perigos são derivados da ascensão dos pobres, a.C e também d.C. Isso é o que podemos notar claramente em várias obras de Nietzsche. A sua visão sobre a igualdade de direitos, a democracia, o trabalho, o “nobre”, a ociosidade “necessária” aos nobres, etc. não nos deixam dúvidas sobre isso. Seja na Grécia antiga, com a dialética de Sócrates, seja na Paris dos seus dias, com a ascenção da Comuna de Paris, a acenção dos pobres, ou da plebe, sempre assombrou Nietzsche.  À época da tomada de poder pela Comuna de Paris, Nietzsche escreveu vários artigos contrapondo-se fortemente a ascenção operária na política."Antes de Sócrates, recusavam-se as maneiras dialéticas na boa sociedade: elas valiam como más maneiras, elas eram comprometedoras. Se advertia a juventude contra elas. Também se desconfiava de todo aquele que apresentava suas razões de um tal modo. As coisas honestas, tal como as pessoas honestas, não servem suas razões assim com as mãos. É indecoroso mostrar os cinco dedos. O que precisa ser inicialmente provado tem pouco valor. Onde quer que a autoridade ainda pertença aos bons costumes, onde quer que não se "fundamente", mas sim ordene, o dialético aparece como uma espécie de palhaço: ri-se dele, mas não se o leva a sério. - Sócrates foi o palhaço que se fez levar a sério: o que aconteceu aí propriamente?Só se escolhe a dialética, quando não se tem mais nenhuma outra saída. Sabe-se que se suscitadesconfiança com ela, que ela é pouco convincente. Nada é mais facilmente dissipável do que um efeito dialético: a experiência de toda e qualquer reunião na qual se conversa, o prova. Ela só serve como saída drástica nas mãos daqueles que não possuem nenhuma outra arma. É preciso que se tenha de estabelecer à força o seu direito: antes disto não se faz uso algum dela. Por isso, os judeus eram dialéticos; Reinecke Fucks era dialético. Como? Sócrates também o era? A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De ressentimento da plebe? Ele goza enquanto oprimido de sua própria ferocidade nas estocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? - À medida que se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos cunhar tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu adversário a necessidade de demonstrar que não é um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo desamparado. O dialético despotencializa o intelecto de seu adversário. Como? A dialética é apenas uma forma de vingança em Sócrates?"Eu posso estar errado, mas não se prova que todo o legado de um filósofo que influenciou parte da humanidade e que ainda hoje seus conceitos são orientadores das relações humanas, estavam  e estão errados, pura e simplesmente fazendo observações como estas. Para explicar a fortíssima influência de Sócrates no pensamento grego da época até os idos de 1888 em todo o Ocidente, Nietzsche faz as seguintes observações: "Eu dei a entender o que fez com que Sócrates pudesse se tornar repulsivo: permanece tanto mais a ser esclarecido o fato de ele ter podido produzir fascínio. Por um lado, Sócrates foi o pioneiro na descoberta de um novo tipo de Agon: para o círculo nobre de Atenas, ele foi o seu primeiro mestre de armas. Ele fascinou, à medida que tocou no impulso agonístico dos helenos e que trouxe uma variante para o cerne do embate entre os homens jovens e os rapazinhos. Sócrates também foi um grande erótico.Mas Sócrates desvendou ainda mais. Ele olhou por detrás de seus atenienses nobres; elecompreendeu que seu caso, a idiossincrasia de seu caso, já não era nenhuma exceção. O mesmo tipo de degenerescência já se preparava em silêncio por toda parte. A velha Atenas caminhava para o fim. – E Sócrates entendeu que todo o mundo tinha necessidade dele: de sua mediação, de sua cura, de seu artifício pessoal de autoconservação... Por toda parte os instintos estavam em anarquia; por toda parte estava-se cinco passos além do excesso; o "monstrum in animo" era o perigo universal. "Os impulsos querem fazer-se tiranos; precisa-se descobrir um antitirano, que seja mais forte"... Quando aquele fisionomista revelou a Sócrates quem ele era, uma caverna para todos os piores desejos, o grande irônico ainda deixou escapar uma palavra, que deu a chave para compreendê-lo. "Isto é verdade, disse ele, mas me tornei senhor sobre todos estes desejos." Como Sócrates se assenhorou de si mesmo? - No fundo o seu caso foi apenas o caso extremo; apenas o caso mais distintivo disto que outrora começou a se tornar a indigência universal: o fato de ninguém mais se assenhorar de si, de os instintos se arremeterem uns contra os outros. Ele fascinou como este caso extremo - sua feiúra apavorante o comunicava a todos os olhares: ele fascinou, como segue de per si, ainda mais intensamente enquanto resposta, enquanto solução, enquanto aparência de cura para este caso. Se se tem necessidade de fazer da razão um tirano, como Sócrates o fez, então o risco de que outra coisa faça-se tirano não deve ser pequeno. A racionalidade aparece outrora enquanto Salvadora; nem Sócrates, nem seus "doentes" estavam livres para serem racionais. Ser racional foi o seu último remédio. O fanatismo, com o qual toda a reflexão grega se lança para a racionalidade, trai uma situação desesperadora. Estava-se em risco, só se tinha uma escolha: ou perecer, ou ser absurdamente racional... O moralismo dos filósofos gregos desde Platão está condicionado patologicamente; do mesmo modo que sua avaliação da dialética. A equação Razão = Virtude = Felicidade diz meramente o seguinte: é preciso imitar Sócrates e estabelecer permanentemente uma luz diurna contra os apetites obscuros – a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro, luminoso a qualquer preço: toda e qualquer concessão aos instintos, ao inconsciente conduz para baixo...Dei a entender o que fez com que Sócrates exercesse fascínio: ele parecia ser um médico, umsalvador. Faz-se ainda necessário indicar o erro que repousava em sua crença na “racionalidade a qualquer preço”? - Imaginar a possibilidade de escapar da décadence através do estabelecimento de uma guerra contra ela é já um modo de iludir a si mesmo criado pelos filósofos e moralistas. O escape está além de suas forças: o que eles escolhem como meio, como salvação, não é senão uma nova expressão da décadence. Eles transformam sua expressão, mas não a eliminam propriamente. Sócrates foi um mal-entendido. Toda moral fundada no melhoramento, também a moral cristã, foi um mal-entendido...A luz diurna mais cintilante, a racionalidade a qualquer preço, a vida luminosa, fria, precavida, consciente, sem instinto, em contraposição aos instintos não se mostrou efetivamente senão como uma doença, uma outra doença. - Ela não concretizou de forma nenhuma um retorno à "virtude", à "saúde", à felicidade... Os instintos precisam ser combatidos esta é a fórmula da décadence. Enquanto a vida está em ascensão, a felicidade é igual aos instintos.Ele mesmo compreendeu isso, este que foi o mais prudente de todos os auto-ludibriadores? Elesoube dizer isto por fim a si mesmo em meio à sabedoria de sua coragem diante da morte?... Sócrates queria morrer. Não foi Atenas, mas ele quem deu para si o cálice com o veneno. Ele impeliu Atenas para o cálice com o veneno... "Sócrates não é nenhum médico, falou ele silenciosamente para si mesmo: apenas a morte é aqui a médica... O próprio Sócrates só estava há muito doente..."Essa crítica ao dialético não vai diretamente contra a maneira com que o próprio Nietzsche faz a sua filosofia? "A equação Razão = Virtude = Felicidade diz meramente o seguinte: é preciso imitar Sócrates e estabelecer permanentemente uma luz diurna contra os apetites obscuros – a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro, luminoso a qualquer preço: toda e qualquer concessão aos instintos, ao inconsciente conduz para baixo..."E, se caminharmos no sentido contrário: devemos então tornar os “apetites obscuros” moralmente corretos?   É essa parte obscura da filosofia nietzscheana o que me intriga. Essa obscuridade, esse “tocar na ferida” simplesmente para tocar, esse dar a entender é algo que eu não aceito. Tantos detalhes banais para destruir uma imagem, um nome e um legado, como foi feito com a imagem de Sócrates, tantos aforismos que levam a múltiplos entendimentos, tanta dialética para criticar a própria dialética e exatamente a parte mais importante, que seria o sentido de libertação da moral “errada”, da moral tanto criticada, o propósito da libertação e o método da libertação, ficam também na obscuridade.Que a mente humana ainda é uma incógnita, isso eu não discuto, há muitas coisas por explicar e a revisão dos conceitos deve ser constante, porém não me parece razoável questionar conceitos tão universais e tão óbvios sem uma antítese, muito menos sem uma síntese.Penso que os verdadeiros admiradores de Nietzsche, aqueles que realmente leram e gostaram do que leram, lêem e aprovam suas idéias, estão essencialmente nas elites, os outros são meros repetidores. Não analisaram realmente a sua proposta. Não filosofaram sobre a “sua proposta”, apenas tomaram conhecimento. Não vai aqui nenhuma crítica às elites, pois seria antinatural não defender ideologicamente suas posses. Uma vez que isso faz parte do jogo... Ganhar no jogo não é errado...Além de levantar suspeitas  sobre a validade de nossos conceitos sobre: bom, mau, ruim, bem, mal, nobre e explicar os sentimentos inatos nos humanos como a piedade e compaixão, como sendo produtos do Cristianismo, Nietzsche também expõe sua visão idealizadora de uma política elitista e dominadora  onde os verdadeiros perigos ao Homem estão na vontade do povo, advêm da plebe. São os malogrados que oferecem perigo aos bem sucedidos, estes sim, segundo o autor, merecedores de todos os louros.

    #85908
    Brasil
    Membro

    A loucura às vezes leva à consciência.Um dos pontos dos quais discordo totalmente de Nietzsche é quanto à sua opinião acerca da origem  dos sentimentos humanos de piedade e compaixão, considerados por ele como sentimentos baixos e próprios de “pessoas fracas”. Ele relaciona diretamente a origem destes sentimentos a uma “inversão dos princípios morais”, ocorrida na Grécia antiga a partir da Filosofia Socrática, extremamente racional, reforçada e consolidada posteriormente a partir do advento do Cristianismo.  Pois, precisou o homem ficar louco, para perceber a até então, inconsciente realidade, mesmo que por alguns instantes.  O fato que marcou definitivamente a decisão de seus amigos, de que ele deveria ser internado para tratar de suas faculdades mentais,  foi, em minha opinião, uma pequena escorregadela de Nietzsche à consciência. Abandonando por alguns instantes o vigoroso, guerreiro e dominador espírito dionisíaco, e entregando-se à racionalidade mais contraditória, e por isso, em minha opinião, hipócrita,  dos seres humanos:  Compadecendo-se de um animal açoitado.   O que levou seus amigos a interná-lo  foi o fato de o terem encontrado chorando, abraçado ao pescoço de um cavalo que havia sido espancado pelo seu condutor, após este ter sido impedido aos berros, por Nietzsche, de continuar a praticar tal desumanidade. Bem, acho que depois desta escorregada na “calçada dos sentimentos”, até ele próprio se convenceu de que estava louco.Ao levantar este fato, eu não pretendo analisar o critério que damos aos diferentes níveis de compaixão e piedade, mas sim demonstrar que eles existem independentemente da razão ou da fé. A exibição de piedade ao cavalo,  que muitos julgarão cômica e contraditória, eu apenas julguei como um ato humano, demasiado humano.  Imaginem Nietzsche chorando, compadecendo-se e beijando a fuça de um cavalo açoitado, assim como o fez, e acho que até eu poderia fazê-lo...   Imaginaram? Então : Ecce Homo !  (eis o Homem!)Abraços a todos os leitores.

    #85909
    Rubinero
    Membro

    Brasil, mas que deturpação da filosofia nietzschiana! Ele beijou o cavalo numa altura em que já tinha a doença cerebral. Isso não invalida todo o seu trabalho pré-doença.

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