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20/11/2004 às 21:07 #70188Miguel (admin)Mestre
Olá! Bem, a algum tempo atraz eu realizei a leitura da obra “Um café para Sócrates” de Marc Sauet. E neste livro dizia o seguinte sobre Nietzsche: Dizer que ele (Nietzsche), para se sentir inocente, perder a consciência pesada, como uma criança que brinca, tornou-se criança… E Zaratustra começou a falar…
Entao gostaria de saber, por parte de alguem mais experiente sobre Nietzsche, com que intenção Nietzsche criou esse personagem? o que e quem seria Zaratustra???
Obrigada!22/11/2004 às 0:10 #79516Miguel (admin)MestreOlá Lu
Duas coisas nessa frase. Primeiro devemos considerar essa citação do Zaratustra…
“A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação.
Sim; para o jogo da criação, meus irmãos, é necessária uma santa afirmação: o espírito quer agora a sua vontade…”A criança experimenta o mundo visceralmente, sem o peso da culpa, dos valores assimilados socialmente. Brinca, ri e tem raiva, são sentimentos puros.
Nietzsche trata disso no capítulo as três transmutações do espírito. O capítulo pode ser averiguado nesse link http://ocanto.webcindario.com/metamrfe.htm
A origem do Zaratustra, conforme Nietzsche descreve em uma carta, sugere o Zaratustra como um Alter Ego literário seu.
Nietzsche estava num jardim, no inverno de Rapallo, esperando e meditando, quando diz que “um se fez dois, e Zaratustra passou por mim”.
Zaratustra é o profeta do além do homem, que, depois de meditar por dez anos no alto da montanha, desce a aldeia para anunciar a boa nova da morte de deus. Lembramos da frase de Nietzsche “ouve-se sempre nos escritos de um ermitão algo também do eco do ermo”. Ou seja, os pensamentos mais profundos do filósofo não podem ser comunicados pela escrita.
Zaratustra é um anunciador, o que coaduna com a própria missão da filosofia nietzscheana. Segundo o autor, ele “nasceu póstumo” e por isso faz o “prelúdio a uma filosofia do porvir”.
Acho que podemos pensar o Zaratustra como uma espécie de profeta do além do homem, que é a razão da terra, a superação do “além mundo”, a criação dos seus próprios valores, o poeta de si mesmo.
abs
22/11/2004 às 0:24 #79517Miguel (admin)MestreObrigada pela mensagem Miguel!
Bem, se Zaratustra seria visto/imaginado dessa forma, nao seria uma metafora para a religião? A religiao crê nesse “Deus” que hora ordena o homem, hora o perturba. Faz do homem seu animal domesticado, seu submisso… Nietzsche acreditou no poder de Zaratustra, um além-homem (o que todos perceberiam tambem ser fruto da imaginação), mas por sua vez fazer-se-ia abrir os olhos desses pequenos homens do povinho…
Fale a respeito se puderes…
Abraços…08/02/2005 às 4:36 #79518Miguel (admin)MestreLuciana Scherer, em verdade, em verdade, digo-vos:
Zaratustra foi decerto a visão, idealização mais fatal que NIETZSCHE poderia ter para levar a cabo e às últimas conseqüências o projeto de destruição da concepção religiosa como forma de enfrentar a vida, antes de tudo porque traz o pensamento do ETERNO RETORNO, algo por demais caracterizador do afirmar tal existência, pois custa isso a eternidade!
Assim como poucos poderiam fazer, NIETZSCHE vai buscar dos persas, o famoso Zoroastro ou Zaratustra, este o criador do maniqueísmo, influenciador da religião judaica e conseqüentemente do cristianismo.Nada mais racional então, pois o criador agora vem em seu devir se redimir do erro de milênio(s)!!!!!!!!!Nada mais justo que ele e somente ele!
FUI CLARO? Que bom que há mulheres aqui, viu?BEIJÃO!
19/02/2005 às 16:32 #79519Miguel (admin)MestreFlávio!
Estou ainda confusa sobre esta questao, ela parece tao obvia e clara e ao mesmo tempo tao embaralhada diante de sua clareza…
Mas assim, porque Nietzsche fez tanta questao de acreditar tanto no poder de zaratustra, trazendo esse personagem as vezes tenho a impressao que é um deus oculto que entra para matar o deus cristao.Nao compreendi qual a função desse zaratustra, e qual a metafora que vem com o mesmo?? O QUE é zaratustra e como vem dianta de nós? está apenas na consciencia?
Obrigada desde já…20/02/2005 às 17:21 #79520Miguel (admin)MestreOlá Luciana,
Espero que uma intromissão não seja muito incômodo, então: achei estranhas algumas afirmações e/ou preocupações anteriores, assim, resolvi trazer outro ponto de vista.
Considerando a sua pergunta inicial, “Quem seria o Zaratustra de Nietzsche?”, dificilmente alguém deixaria de citar um artigo de Heidegger entitulado “Quem é o Zaratustra de Nietzsche”. Mais a frente retornarei a ele.
De outras questões que surgiram, sobre a possibilidade do “objetivo” da obra nietzscheana estar em um “projeto de destruição da concepção religiosa”; ou, ainda, sobre uma “razão mais oculta” determinando a escolha de Nietzsche do personagem Zaratustra como porta-voz, ao ponto de “ele e somente ele” poder ser para não causar alguma perda do sentido; ou, quem sabe, sobre a possibilidade da escolha de Zaratustra, uma vez profeta, esconder alguma proposta de fundo religioso… Sobre essas questões procurarei ser tão breve quanto possível, ou melhor, acho que no restante da mensagem se encontrará uma resposta.
Citando Heidegger: Nietzsche deu a este livro um subtítulo, como companheiro de viagem. Disse assim: «Um livro para todos e para ninguém». «Para todos», quer dizer, sem dúvida, não para todo mundo no sentido de para qualquer um. «Para todos» quer dizer: para todo homem enquanto homem, para cada um, sempre e na medida em que em sua essência torna-se para si mesmo digno de ser pensado. «… e para ninguém», isto quer dizer: para nenhum dos curiosos que afluem da massa de todas as partes, que o único que fazem é embriagar-se com fragmentos isolados e com frases concretas deste livro e que, às cegas, vão dando tombos em uma linguagem meio cantando, meio gritando, agora meditativo, agora tempestuoso, frequentemmente de altos vôos, mas às vezes chato e bidimensional, em vez de por-se a caminho até o pensar que está aquí buscando sua palavra. confira
Talvez o melhor modo de entender o conteúdo de “Assim falou Zaratustra” é situá-lo em relação a “O nascimento da tragédia”, que tinha dois objetivos: a crítica da racionalidade conceitual e a apresentação da arte trágica como alternativa à racionalidade. Além disso, para Nietzsche, a negação do trágico está diretamente relacionada à rejeição da música. É por isso que o Zaratustra é bem melhor lido como um tipo de trágedia, um drama musical, e não como um “compêndio do saber”.
Essa pretensão do saber se encontra, frequentemente, muito próxima à pretensão da razão ou da ciência, muitas vezes criticada por Nietzsche. Nietzsche quer falar a favor da vida e não da reflexão, aquela é o fim, essa um meio. Claro que, assim, fica levantada a questão sobre a validade de uma crítica da razão feita a partir da razão, apelar para a razão contra a razão… “razão”
pela qual Nietzsche tem que adotar um tipo diferente de expressão, fazendo uso de aforismos e metáforas – por isso ele tem que trabalhar quase nos limites da linguagem.
Essas questões já apareciam em “O nascimento da tragédia”, mas desde “Humano, demasiado humano” e “Aurora” vão tomando outros contornos. Outros temas também surguem, mais originais, e aparecem em “Zaratustra”, razão pela qual é considerada a obra em que o pensamento de Nietzsche atinge a sua maturidade. Depois de um inicio romântico, seguido de uma fase de reação desmistificadora, Nietzsche encontra finalmente sua própria linguagem. Em “Zaratustra” a linguagem conceitual é deixada em favor da linguagem poética; a linguagem argumentativa, sistemática, é deixada em favor da linguagem narrativa e dramática. A dicotomia arte-filosofia é neutralizada pelo projeto de fazer da poesia a forma de apresentação de um pensamento filosófico nem conceitual nem demostrativo. Onde Zaratustra pode adivinhar, não quer inferir, o que pode soar como profecia. Talvez essa “razão” (sempre ela, de novo) possa ter inspirado Nietzsche a escolher esse seu personagem para poder se expressar, ou, talvez, tenha pesado mais a musicalidade – receio muito que toda essa “problemática” fosse enquadrada, vide texto que colei acima, como coisa de curiosos -, já que um dos “projetos nietzscheanos” era fazer a escrita atingir a perfeição da música, considerada por ele como a forma superior da arte. Seja como for, o que dificilmente teria algum fundo de verdade seria a motivação de combate à religião, não seria essa uma obra do período da maturidade. A escolha do “estilo evangelistíco” se deve mais a motivações artísticas e ao fato dele se prestar mais aos aforismos necessários ao “projeto”. “Escrever é dançar com a pena”, dança e música, música e palavra, eloqüência, emoção, sofrimento, coração, arte, vida. “Assim falou Zaratustra” é uma expressão de tudo isso.
Um abraço.
02/10/2005 às 15:50 #79521Miguel (admin)MestreNavegando em “Um café para Sócrates” tive a felicidade de encontrar este sitio. Já está registrado em meus favoritos e espero ser acolhida.
23/05/2007 às 20:10 #79522DämmerungMembroNão deixo de acreditar… que Zarathustra é a sinalização de uma das vias da utopia do espírito…
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