FRANKLIN TÁVORA – Escritores Brasileiros

FRANKLIN TÁVORA (Ceará, 1842-1888) laboriosamente explorou diversas províncias literárias, manifestando-se romancista, dramaturgo e crítico.

São romances seus: Um Casamento no Arrabalde, O Cabeleira, O Matuto, Os índios de Jaguaribe, Lourenço, A Casa de Palha, Sacrifício, além das Lendas do Norte. Dramas: Três Lágrimas, Um Mistério da Família, Antônio. Entre os seus trabalhos críticos cumpre citar as Cartas a Cincinato por Semprônio, sobre produções literárias de José de Alencar, e um Prefácio ao Diário de Lázaro, de Nicolau Fagundes Varela.

Observador dos costumes nortistas, Franklin Távora habilmente os trasladava às suas obras, e adiantou mesmo a idéia de fazer dessas peculiaridades regionais a nota distintiva de uma literatura do Norte.

Era bacharel em Direito, e exerceu diversos cargos públicos, secretário do governo da província do Pará e oficial da Secretaria do Império. Colaborou na Revista Brasileira, fase de 1879-1881, e em outras publicações periódicas; e foi membro do Instituto Geográfico e Arqueológico de Pernambuco e do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

A Cruz do Patrão

O Beberibe é a mais rica e bela página da história do domínio holandês nas províncias do norte do Brasil. Cada uma das suas ilhas representa um capítulo da homérica epopéia, que por muito tempo trouxe assombrado o velho mundo no século XVII. A Cruz do Patrão, posto que não houvesse figurado nesses tempos heróicos, veio a ser depois vulto importante das muitas tradições do vale do Beberibe. A Cruz do Patrão está situada no istmo — gigantesco traço da união — posto pela natureza entre o Recife e Olinda. É uma cruz de pedra; está colocada no cimo de elevada coluna e serve para indicar aos navegantes o poço onde surgem os navios, entre istmo e o recife natural que borda a província. Tem, ao norte, o forte do Buraco e ao sul a fortaleza do Brum, aí plantados pelo gênio batavo.

Por muito tempo foi crença que todo aquele que passasse de noite por perto dela, ouviria gemidos angustiosos, veria limas penadas ou seria perseguido por infernais espíritos. Cir-iinstâncias acidentais davam autoridade a estas crenças de remotas eras. Mais de um viandante, passando por ali em horas mortas, encontrava o termo de seus dias. O sitio é de seu natural deserto e como próprio para se cometerem violências e atro-cidades. De um lado corre o rio, profundo nas marés vivas; do outro raiva, bramando e espadanando ondas, o oceano, túmulo insndável e medonho; o istmo é estreito, longo e ermo. Fácil sepultura pode abrir na areia frouxa, nas águas mansas do Be-beribe, ou nas ondas cruzadas do Atlântico, a mão amestrada a ocultar as vítimas do punhal, que ela brande.

Um dia apareceu um estudante morto junto da Cruz do Patrão. As suspeitas da justiça caíram sobre certo soldado de uma das fortalezas vizinhas do lugar do delito. Nas velhas roupas do indiciado depararam-se nódoas que à justiça pareceu serem de sangue, (100) mas que êle afirmou ser ferrugem.

Julgou-se escusado, pela evidência do fato, o exame da ciência (101) para completo esclarecimento da verdade e o infeliz, condenado a galés, foi cumprir na ilha de Fernando o seu degredo perpétuo. Passados alguns anos, um enfermo confessou ser êle, e não o soldado, o autor do homicídio. Ordens foram expedidas para que voltasse a meter-se de posse de sua liberdade aquele que fora injustamente privado dela. Estas ordem não tiveram resultado, porque durante o longo sono da justiça da terra, havia entregado a alma ao Criador a vítima inocente.

Anos depois foi espingardeado junto da Cruz do Patrão outro soldado, por haver erguido a arma contra seu superioi Se bem me recordo, foi esta a última execução capital que teste munhou Pernambuco.

Era presidente dessa província Honório Hermeto Carneim Leão, nomeado tempos depois Marquês do Paraná. Por êssei fatos de próxima data e por outros semelhantes de data remoia, a Cruz do Patrão foi até certo tempo fonte de superstições popn lares. Antes de se haver feito a nova estrada que por S. Amam põe o Recife em comunicação com Olinda, ninguém se animava g passar desacompanhado, de noite, pelo istmo. Os matutos qut tinham de vir desta ou voltar daquela cidade aguardavam para o fazer, a maré-sêca, que lhes permitia beirar o rio em certos pontos por entre mangues, deixando a alguns passos a cruz fali dica. Os canoeiros tinham o cuidado de navegar por dentro, a fim de escusar a sua vista.

Porém o que mais particularizou a Cruz do Patrão foram tradições de espíritos infernais, bruxarias e outras quejandas. Dizia-se que os feiticeiros iam celebrar ali os seus sortilégios em noite de S. João, que eles escolhiam para iniciar nos asquerosos mistérios os neófitos. (102).

 

(100) Sintaxes coexistentes: a) nódoas que à justiça pareceu serem de sangue, com duas proposições: (nódoas) que serem de sangue (uma) pareceu à justiça (outra) sendo a primeira subjetiva em relação à segunda; e b) nódoas — que à justiça pareceram ser de sangue; em que há tão somente uma oração, assente na locução verbal parecer ser. O pensamento é um só sob duas vestimentas gramaticais. (101) O Vocabulário da Academia adotou o alvitre do Proí. Rebelo Gonçalves, que aceita se elimine o — í — do grupo sc nos vocábulos compostos: anticientífico, contracenar, encenação, mas o exige em consciência, cônscio, insciente, prescindir, proscênio, rescisão, sob o fundamento, perturbador para os leigos, de virem estes vocábulos já formados do latim. É pena que se não transigisse aqui, como se fêz em vários outros casos, mantendo um só preceito, para melhor compreensão do povo: que a língua não é privilégio de eruditos. (102) Neófito (do grego neóphytos, de néos, novo, e phytón, planta) = noviço, converso, prosélito novo.


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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