Max Weber e
os “tipos ideais”
Ricardo Ernesto Rose
Jornalista, Licenciado em Filosofia, Pós-Graduando em Sociologia
Quando Max Weber começou a se dedicar ao estudo da sociologia, depois de ter se
aprofundado no estudo da história e da economia, além de ter obtido graduação em direito, esta era uma ciência ainda em sua fase inicial
de desenvolvimento. As bases deste
conhecimento haviam sido estabelecidas
por Comte e – depois
de contribuições de vários pensadores – Durkheim estava dando sequência à estruturação desta disciplina, estabelecendo regras de pesquisa e definindo algumas áreas de atuação da nascente
ciência.
Este é o período em que Weber começa a se dedicar à sociologia, entre o final do século XIX e o início do século XX. Apesar de serem contemporâneos, Weber e Durkheim nunca se conheceram ou tiveram acesso um às obras do outro. É interessante assinalar que este
período da história foi um dos mais férteis em todos os tempos, no que se refere ao
desenvolvimento e à criação de novos conhecimentos.
A física e a química, cuja evolução tanto entusiasmou Comte quando este colocava as bases da sociologia, mostravam uma nova fase de desenvolvimento neste final de século. Novos experimentos e teorias na área do eletromagnetismo acabaram permitindo o desenvolvimento de duas teorias físicas, que influenciaram radicalmente toda a ciência e tecnologia do século XX: a mecânica quântica, iniciada por Max Planck (1900) e a teoria
da relatividade de Einstein
(1905 e 1910). Na química, novas pesquisas permitiram a criação de substâncias e produtos de larga aplicação na agricultura (fertilizantes, adubos e herbicidas) e no desenvolvimento de novos materiais (borracha, polímeros, etc.).
A biologia, além das pesquisas de campo realizadas por botânicos,
zoólogos, biólogos em todo o mundo, também mostrou um grande impulso com a difusão
da teoria da evolução, elaborada por Darwin em 1859. Spencer e Huxley (Inglaterra), Haeckel e Weismann (Alemanha) entre outros, foram os impulsionadores desta grande teoria, que, no entanto,
só começou a ganhar real importância a partir
dos anos 1930, quando a teoria da
evolução gradualmente passou a incorporar os conceitos da teoria genética, elaborada por Mendel
e estruturada por Bateson (1908).
As ciências humanas (para usar uma terminologia cara a Weber) também mostraram um grande
desenvolvimento entre o final do século XIX e início do XX.
A antropologia (Boas, Malinovsky) a psicologia (escola freudiana)
e etnologia (Mauss,
discípulo de Durkheim); a estruturação da moderna economia clássica (Marshall) foram todos acontecimentos que contribuíram com um aumento exponencial do
conhecimento humano entre a segunda metade do século XIX e
as primeiras décadas do século XX.
O período em que Weber viveu foi marcado fortemente por um processo que ele mesmo denominou de racionalização, que considerou como sendo uma das características da sociedade ocidental. O principal fator que colocou este
complexo processo em movimento, segundo a análise de Weber, foi a religião protestante, mais especificamente na forma do calvinismo. Esta prática religiosa em interação com as condições sociais e materiais da época, deu início ao desenvolvimento do capitalismo. Este, em sua prática, criou uma nova forma da sociedade ocidental posicionar-se no mundo, na qual o processo histórico de racionalização terá um papel importante e influenciará todo desenvolvimento material
e espiritual posterior. Escreve Aron:
“Tal como Weber
a entende, a ciência é um aspecto do processo de racionalização característico das sociedades ocidentais modernas. Weber chegou mesmo a sugerir, e a
afirmar, que a ciência histórica e sociológica da nossa época representa um fenômeno historicamente singular, na medida em que não houve, em outras culturas, o equivalente a esta
compreensão racionalizada do funcionamento e do desenvolvimento das sociedades” (Aron: 2008 p. 730-731).
É neste ambiente que Weber se dedica ao estudo da sociologia. Na necessidade de
estruturar seu método de análise social, Weber
– como todo pioneiro na ciência – se vê obrigado a desenvolver sua própria metodologia, seus instrumentos; suas teorias. Inicialmente, o objetivo de Weber
é “compreender o sentido que cada ator dá à própria
conduta. A compreensão dos sentidos subjetivos implica uma classificação dos tipos de conduta e leva à percepção da sua estrutura inteligível”
(Ibidem, p. 728). Por outro lado, Weber era perfeitamente cônscio de que a teoria científica era uma escolha subjetiva, que deveria ser testada a partir da verificação na realidade. Os fatos históricos e sociológicos se referem a acontecimentos
observáveis, patentes
na conduta dos homens e dos significados que
estes dão aos seus atos.
Assim, Weber considera a sociologia “uma ciência da conduta humana na medida em que esta conduta é social” (Ibidem, p. 743). É a motivação da ação humana que Weber considerará um dos grandes temas de estudo da sociologia. Outro aspecto do pensamento de Weber, ligado ao da motivação humana, é o da causação sociológica. Este princípio pressupõe que um determinado fenômeno fortemente favorece o
aparecimento de outro; não como uma consequência fatalista,
mas como parcialmente
condicionante.
Por exemplo: uma situação social de anarquia, na qual a classe dominante se sente ameaçada, pode precipitar a instituição de um regime autoritário, de uma
ditadura. Este era o sentido da instituição do ditador, o “governante temporário chamado para colocar a casa em ordem”, na
antiga Roma.
Aspecto importante no pensamento de Weber
– e sob esta ótica atualíssimo em nossos tempos de crítica a todo tipo de fundacionismo – é sua oposição a todo tipo de determinismo histórico, econômico, político ou religioso.
Neste ponto, Weber se opunha frontalmente ao materialismo histórico e dialético de Marx, que pretendia criar uma teoria unificadora
da sociedade, baseado no pressuposto econômico. Sobre este aspecto do pensamento de Weber
escreve Aron: “Max Weber
concebe as relações causais da sociologia como relações parciais e prováveis.
São relações parciais no sentido de que um fragmento da realidade torna
provável ou improvável
um outro fragmento.” (Ibidem,p. 753-754).
Esta posição não dogmática do pensador alemão, esta oposição a deduzir e explicar toda
a realidade – inclusive a social – a partir de certos pressupostos, ao contrário do que fizeram Hegel e Marx, por exemplo, fizeram com que Weber precisasse desenvolver
algumas “ferramentas” de análise da realidade. Com estas “ferramentas”,
estes instrumentos epistemológicos, Weber poderia ressaltar certos aspectos da realidade social, torná-los mais visíveis, e assim proceder análises e criar teorias
sobre os diversos
aspectos da realidade.
A teoria dos tipos ideais é uma destas “ferramentas” de análise. O tipo ideal é uma construção teórica, um modelo abstrato. Este, desenvolvido como padrão de comparação,
permite-nos observar certos aspectos do mundo real de forma mais clara. O tipo ideal
necessariamente não precisa se adequar exatamente à realidade, já que o objetivo do tipo ideal é ressaltar aspectos comparativos, a partir
dos quais fazemos observações e criamos hipóteses (ou teorias)
sobre a realidade analisada. Importante ressaltar
que os tipos ideais são meros constructos e não tem nenhum objetivo normativo ou teleológico. Sobre esta característica do tipo ideal de Weber, escreve Johnson:
“O totalitarismo não é menos ideal como tipo do que a democracia, por exemplo,
porquanto ambos são constructos abstratos, com os quais podemos comparar e contrastar sistemas políticos reais, com o objetivo de observar com mais clareza suas várias características” (Johnson: 1997, p. 240).
Weber classifica como tipos ideais três espécies de
conceitos:
a) tipos ideais de indivíduos históricos, como por exemplo: o capitalismo, a cidade
ocidental, o feudalismo, entre outros. O tipo ideal, neste caso, é uma reconstrução
de uma realidade, um fato histórico
amplo, mas específico. Amplo ou global, porque
se trata de um regime econômico (capitalismo), de uma forma
de ajuntamento
humano (cidade), ou de um tipo de organização social (feudalismo).
Específico, porque Weber
se referia a um tipo único, quando falava do capitalismo, da cidade ocidental ou do feudalismo.
b) O
segundo tipo ideal de Weber se refere a elementos abstratos da realidade histórica, que, no entanto, encontramos em grande numero de situações. Dentro desta
categoria se incluem, por exemplo, a burocracia, que tem um caráter abstrato (em relação ao capitalismo,
por exemplo), e que aparece em diversos períodos
históricos. Esta
segunda categoria de tipos ideais, localizada em um nível mais
elevado de abstração, ainda pode ser dividida em três tipos de dominação: a
racional, baseada em leis e regulamentos; a tradicional, baseada na tradição e no costume; e a carismática, pela virtude ou
“carisma” de um chefe ou líder.
c) O terceiro tipo ideal se baseia na reformulação teórica (Aron fala em “reconstruções racionalizantes de condutas”) de comportamentos e condutas de um tipo em
particular. O conjunto de proposições da teoria econômica, segundo Weber, não passa de uma idealização do comportamento dos agentes econômicos, ou seja, das pessoas. Como exemplo deste tipo ideal, podemos considerar o burguês do período mercantilista na Holanda
do século XVIII, com todo seu comportamento.
É evidente que estas teorias não são absolutas, representando neste caso apenas as
“ferramentas” de análise das quais Weber se muniu para realizar suas análises sociológicas, a fim de estruturar suas teorias sociais. No entanto, tais instrumentos de análise, lembra-nos Aron, não são um fim em si mesmo, constituindo apenas meios (que
podem ser substituídos por outros, caso aqueles se mostrem melhores), para entender e interpretar melhor a realidade
social.
Os tipos ideais ajudaram Weber a desenvolver sua visão da sociologia, que em grande parte ainda é válida até hoje. Por isso, o conceito dos tipos ideais ainda é amplamente
utilizado pela sociologia, antropologia e ciências relacionadas até hoje. Neste sentido, cabe ressaltar que:
“As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas metodológicos que ocupavam a atenção dos cientistas sociais no começo do século XX permitiu-lhe lançar
novas luzes sobre vários problemas sociais e históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências sociais.” (Os Pensadores, Weber:
1980, p. XIV).
Bibliografia:
Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo. Martins Fontes: 2008,
884
p.
Cohn, Gabriel. Weber. São Paulo. Editora Ática: 1989, 167 p.
Johnson, Allan G. Dicionário de Sociologia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar
Editor: 1997, 300
p.
Weber, Max. Coleção Os Pensadores. São Paulo. Abril Cultural: 1980, 268 p.
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