COMO TÊM VIVIDO DIPLOMATICAMENTE O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS

COMO TÊM VIVIDO DIPLOMATICAMENTE O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS

Oliveira Lima

I

O Sr. G. Charles Hodges, da Universidade de Stanford, na Califórnia, onde em 1912 iniciei a minha série de conferências sobre América Inglesa e América Latina, escolheu em 1915 para tese do seu doutoramento, as relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos desde que se estabeleceram, em 1809. Só agora me foi porém dado ler esse trabalho que o seu autor tivera a gentileza de logo remeter-me numa cópia à máquina e a que deu o subtítulo de "Estado de Interesses Comerciais e Políticos".

Os interesses políticos pode dizer-se que só há pouco se assentaram, mas os comerciais datam de longe, mesmo porque o Brasil pela sua vastidão e sobretudo pelas condições ordeiras do seu desenvolvimento autônomo, as quais permitiram uma mais pronta exploração econômica do país, foi a primeira nação da América Latina a criar com os Estados Unidos laços de comércio que se foram gradualmente robustecendo. Nunca houve entre uma e outra potência quebra do respeito que mutuamente se devem as nações e o caso aí se dá, posto que raro, de um intercurso que até aqui jamais recorreu à força c se tem baseado no reconhecimento dos recíprocos direitos.

Atritos os houve e porventura o mais sério durante o primeiro reinado, por essa eterna questão da neutralidade. O Brasil estava em guerra com as Províncias Unidas do Prata por causa da Cispla-tina e o nosso bloqueio de Buenos Aires prejudicava seriamente o comércio americano. O encarregado de negócios americanos no Rio protestava que esse bloqueio não era efetivo, como se exige em direito das gentes, e de fato o não era, tanto mais quanto a atividade da esquadrilha argentina do Almirante Brown levava não raro vantagem à esquadra de Pinto Guedes. Em todo o caso numerosas foram as presas de embarcações americanas, pelas quais o Governo de Washington reclamava indenização, sustentando que a captura só era legal quando se dava manifesta tentativa de rompimento do bloqueio, não bastando a presença da embarcação na zona interdita. O contrário dava lugar ao que o presidente Quincy Adams denominava "graves irregularidades".

Algumas das presas foram restituídas e os tribunais brasileiros admitiram como ilegais as condições da captura, mas daí até serem pagas as compensações ia uma distância que ao representante americano, Condy Raguet, pareceu excessiva. De sua própria iniciativa, solicitou e obteve seus passaportes.

O nosso Silvestre Rebelo em Washington levantou as mãos para o céu c reclamou junto a Henry Clay contra tamanha precipitação, prometendo o ajuste de contas; pelo que foi removido de Lima para o Rio o diplomata William Tudor. O Departamento de Estado deixou cair a acusação, que tinha achado lugar na imprensa brasileira, de que Condy Raguet fora subornado pelo Governo de Buenos Aires para azedar as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. O Presidente da República declarou na sua mensagem de dezembro de 1827 que a conduta do Sr. Raguet não fora por êle desaprovada. É o que se chama em linguagem política americana um white was-hing, a saber, uma caiadela.

Tudor tratou logo de regular as reclamações pendentes e paralelamente se foi ocupando de promover a realização de um tratado entre os dois países, que ainda o não tinham. As finanças brasileiras andavam más, como de costume, encontrando contudo sempre algum calmante: o câmbio baixara; os títulos para pagamento das indenizações tinham de ser emitidos e foi publicada a respectiva resolução do executivo. A liquidação, não obstante, sofreu de fato nova postergação, fazendo-se mais depressa, antes de concluir o ano de 1828, o tratado que na forma original vigorou até 1841.

Era um tratado de caráter amistoso, cordial mesmo, em que havia uma cláusula prenunciando a dos recentes tratados promovidos pelo secretário de Estado pacifista Bryan. Represália alguma seria intentada, nem a guerra declarada antes que ao Estado ofensor fosse apresentada uma relação e a £rova da ofensa recebida, dando-se em qualquer caso prazo suficiente para a reparação.

O que mais embaraçou a liquidação do caso concreto anterior ao tratado foi todavia o 7 de abril. Ajuntou-lhe mesmo novas reclamações oriundas dos motins ocorridos e que já se baseavam» nos direitos decorrentes do tratado de 1828. Refere o Sr. Hodgcs, autor da tese de que me ocupo, que o representante diplomático americano recusou abandonar o Rio de Janeiro com os outros chefes de missão estrangeiros, quando estes deliberaram acompanhar Dom Pedro I, após a abdicação, de maneira que lhe fosse assegurado o apoio moral das potências no caso de uma contra-revolução. Na correspondência do ministro francês não encontro alusão a esse pronunciamento diplomático, mas o Sr. Hodgcs estriba sua asserção nas Mensagens e Papéis dos presidentes dos Estados Unidos. Por ocasião da revolução da esquadra, cm 1893, deu-se um caso semelhante de cisão diplomática. Salvador de Mendonça obteve do secretário de Estado Grcsham que o ministro americano no Brasil recebesse ordem para descer de Petrópolis e instalar-se na Capital Federal, onde funcionava o governo legal. O objetivo era subtrair um diplomata pouco experimentado à influência dos representantes europeus congregados na nossa estação de verão e francamente favoráveis aos revoltosos, cuja beligerância pretendia ser reconhecida. A mudança deu de si quanto esperava a arguta inteligência de quem a insinuou. Basta de fato algumas vezes a mudança para curar o doente.

Tendo falecido o ministro Tudor, resolveram-se com o seu sucessor Brown alguns casos e outros não. Destes, vários já tinjham cabelos brancos quando o Presidente van Burén chamou para o fato a atenção do Congresso americano. Um novo representante fora mandado em 1835, mas em 1838 havia que admitir o malogro das suas negociações. Ordem foi-lhe dada de apertar as caravelhas ao instrumento diplomático, pois que nossa chancelaria persistia numa política de procrastinação, que os americanos tachavam de tergiversação.

Em 1840 a legação brasileira em Washington denunciou o tratado de 1828, válido por 12 anos, nas cláusulas relativas ao comércio e navegação, ficando no entanto em andamento a liquidação da velha controvérsia. Em 1843 dá-se nova decisão imperial a respeito, obtida pelo pertinaz Humter depois que o Presidente Tyler deu mostras de impaciência e usou de linguagem cominatória, mas não se cuidou de abrir crédito para pagamento do capital e juros.

Em 1844 um novo ministro, Wise, agindo sob instruções do Departamento de Estado, pretendeu resolver a questão, começando por inventariar as questões pendentes e discuti-las separadamente, o que só servia, dada a tensão já existente, para produzir acrimonia.

Uma ocorrência que sobreveio, e de que resultou um conflito de jurisdição, agiu como azeite deitado na fogueira.

Três marinheiros e um tenente da marinha de guerra americana, de bordo do Saratoga, foram presos por perturbação da ordem pública — eufemismo que significa bebedeira — resistindo o tenente de espada em punho à prisão c recusando mais tarde a competência da justiça brasileira no incidente. O Ministro Wisc obteve pelas reclamações insistentes, equivalentes à pressão, a soltura dos implicados, mas a chancelaria brasileira não prestou ouvidos às suas exigências de reparação, pelo que o mesmo ministro decidiu não assistir ao baile comemorativo do batizado da princesa imperial e o commodore da esquadrilha recusou empavesar seus navios e dar as salvas do estilo pelo nascimento da augusta herdeira Dona Isabel.

Em Washington o nosso Ministro Lisboa protestou energicamente contra essas quebras de cortesia, sem contudo obter satisfação, muito pelo contrário foram seus autores sustentados. Por sua vez negava o imperador a audiência solicitada por Wise para fazer entrega de uma carta autografa do presidente dos Estados Unidos, felicitando o soberano brasileiro pelo nascimento de sua filha. Mais do que isso, pediu a retirada de Wise.

O Governo de Washington negou e ameaçou; Lisboa, assustado, cedeu e deu as satisfações pedidas; a nossa chancelaria desautorou-o, retirando-o do posto; por fim, interpuseram-se bons ofícios e o Brasil mostrou-se disposto a aceitar uma meia solução, que Wise de seu lado recusou com indignação porque fazia supor a boa razão da argumentação brasileira no tocante à jurisdição disputada.

Entrementes, chegava o sucessor de Wisc, o Ministro Tod, que ao partir, ignorava as últimas peripécias do conflito diplomático. Wise queria arrastá-lo pelo caminho das medidas fortes, mas Tod não quis entrar brigando e mostrou-se mais wise do que o seu colega. O caso de jurisdição ficou, de fato, sem solução, e sobre as reclamações anteriores foi firmada com o Visconde de Olinda, no Rio em 1849, uma convenção acompanhada da abertura dos créditos necessários para pagamento das indenizações arbitradas pela Corte adrede convocada. O Sr. Hodges acha que tal solução foi devida à intransigência de Wise; a mim me parece ter sido antes devida ao espírito de conciliação de Tod.

Parnamirini, janeiro de 1918

II

A ampliação dos interesses comerciais dos Estados Unidos exigia a franquia do interior da América do Sul e portanto a liberdade de navegação dos grandes rios da costa oriental, porquanto todo o sistema hidrográfico do continente se distribui a leste do espinhaço andino, que acompanha de perto o litoral ocidental. Possuidor da mor parte dessas regiões servidas por aquela rede fluvial, o Brasil opunha-se a que fossem elas devassadas, pretendendo retardar quanto possível a internacionalização do Amazonas do ponto de vista

mercantil. O caso não era idêntico para o Brasil no sistema platino, onde êlc dependia dos povos, dominando as bacias inferiores das artérias de penetração. t

No caso do Amazonas, ao Brasil pertencem a mor parte do curso do rio gigante e muitos dos afluentes em toda sua extensão. Partes do Peru e da Bolívia são porém mais acessíveis pelo sistema amazônico, por motivo do sistema orográfico que ali prevalece. O Madeira^ especialmente representa para a Bolívia oriental uma porta de saída, preciosa para um país sem costa marítima, a saber, sem o correspondente desafogo.

A livre navegação dos rios internacionais foi assunto que mereceu bastante atenção no Congresso de Viena, e o princípio liberal na matéria ia sendo aplicado cada vez mais. É contudo um princípio que exerce forte apelo sobre a "cooperação" — a palavra mais usada do atual léxicon pan-americano. Naquele tempo porém — três quartos de século — o pan-americanismo era ainda uma utopia, e aí se tratava de preocupações mercantis contra preocupações estratégicas ou de defesa. O internacionalismo econômico queria abafar o nacionalismo político. Fazia-se para tanto mister estabelecer a livre navegação para uso somente dos ribeirinhos e não para uso geral; ela seria assim regulada, por meio de convenções entre os Estados Unidos, que diziam considerar aí mais do que o conceito versai.

O Brasil visava a resolver o problema da navegação do Prata e seus tributários pelo ajuste somente entre os ribeirinhos, excluindo os Estados Unidos, que diziam considerar aí mais do que o conceito legal, os interesses mundiais. A ocasião parecia favorável quando a guerra movida contra Rosas pela nossa primeira tríplice excluiu do cenário político um inimigo constante do Império, tanto mais perigoso para perturbar qualquer situação quanto lhe cabia a plena posse do estuário.

No incidente ou antes na série de incidentes do Water Witch, logo em 1853, mostrou o Brasil sua má vontade à política do Governo de Washington, mas esse próprio caso veio a ser-lhe prejudicial, porquanto a desavença ocorrida entre o Paraguai e os Estados Unidos por motivo da passagem daquele navio, complicada com outras razões, deu em resultado a abertura em 1859 das águas do Rio Paraguai à navegação americana.

Foi um caso de civilização a muque, um ato de força para benefício da civilização. O Paraguai cedeu sob a ameaça "visível" de uma expedição punitiva. Seis anos antes tinham os Estados Unidos obtido da Confederação Argentina a franquia do que Hodges chama a chave da situação. Não devemos esquecer que à jurisdição argentina estão politicamente afetas as saídas fluviais nessa parte do continente, estuário e rios, particularmente o Paraná.

Os Estados Unidos tinham levado de vencida o Brasil na sua política de exclusivismo ou reclusão, e achavam-se portanto preparados para travar uma maior batalha diplomática sobre o caso do Amazonas. A habilidade de seu governo consistia em não pedir privilégios exclusivos; as regalias eram para todos, alguma coisa no gênero da open door na China. Se a ampliação das regalias viesse aproveitar mais que tudo ao comércio americano, tanto melhor; seria a natural recompensa dos seus esforços altruístas.

Começou a chancelaria de Washington o seu jogo mandando o tenente da marinha de guerra Herndon em expedição de Lima a Belém pelo Amazonas, que êle levou onze meses a descer, referindo ao seu Governo as grandes "possibilidades" dessa bacia. O Brasil respondeu ao golpe com uma parada, mandando missões diplomáticas às nações ribeirinhas para tornar exclusiva enlre elas a navegação do grande rio e seus afluentes. Havia então um "perigo americano". Dizia-se que os Estados Unidos queriam conquistar os territórios amazônicos, e se eles o não fizessem, outra qualquer potência de expansão, das chamadas predatory powers, faria a conquista política sob capa de comércio.

Para o Peru e Bolívia foi mandado Ponte Ribeiro; para Venezuela, Nova Granada e Equador, Miguel Maria Lisboa, futuro Barão de Japurá. O ministro americano em Lima, Clay, negociou logo um tratado com o Peru, assegurando aos cidadãos americanos direitos de navegação fluvial que não foram anulados pelo tratado celebrado três meses depois (21 de outubro de 1851) com o Brasil, apesar deste último tratado especificar que a navegação do Amazonas pertencia aos ribeirinhos e que os dois países contratantes subvencionariam uma linha de navegação nesse rio.

Na Bolívia a atividade diplomática americana logrou impedir que se negociasse convênio análogo e, no Peru mesmo, a concessão pelo Brasil a uma companhia do monopólio da navegação em toda a extensão de uma artéria que lhe não era privativa alterou a situação e levou o governo de Lima a tomar uma atitude de reserva hostil pela falta de ação conjunta. Por trás da cortina, os Estados Unidos invocavam a precedência nos favores concedidos c exerciam pressão tal que mau grado a vigorosa oposição da nossa diplomacia, os direitos americanos foram reconhecidos em 22 artigos no mês de abril de 1853.

A política de exclusão venceu em Caracas e em Bogotá (janeiro e junho de 1853), mas gorou em Quito, onde triunfou o princípio da livre navegação. Entretanto, discutiu-se neste ano e no imediato, entre o Rio de Janeiro e Washington, a oportunidade de uma nova expedição ao Amazonas, de caráter científico-económico. A nossa controvérsia era quase toda com os Estados Unidos, que a Inglaterra apoiava com relativa frieza pelo receio de que o Governo de Washington formulasse exigências iguais com relação ao São Lourenço.

Os Estados Unidos praticariam um ato de hostilidade despachando navios para águas fechadas, contendia nossa chancelaria. O secretário de Estado Marcy, o mesmo que no Congresso de Paris mandaria pleitear a inviolabilidade da propriedade particular no mar, mesmo inimiga e em caso de guerra, exceção feita do respectivo contrabando, argumentava — passava-se isto em 1853 — com o

direito do uso inocente, pois que apenas |se tratava de desenvolver os recursos de uma região quase inexplorada; chamava-lhe um direito natural, independente de tratados, e negava ao Brasil, em todo o caso, o direito de exclusão nesse particular. O Brasil, certo de que os Estados Unidos estavam dispostos a levar_ as coisas ao extremo, apelou para alguma coisa que ainda se não chamava o sentimento latino-americano, contra as pretensões de hegemonia dos Estados Unidos.

Dando ouvidos ao apelo, o Peru convocou uma conferência dos países latino-americanos interessados na questão, menos a Bolívia, por se achar em guerra com ela. Aliás o presidente boliviano, Belzu, não só aplicara ao Amazonas o princípio da liberdade dos mares, como estabelecera um prêmio à primeira embarcação que ali pusesse em prática o princípio.

Em 1854 o Brasil falou grosso. Respondeu aos Estados Unidos que suas exigências eram contrárias ao direito público e que tendiam a substituir o direito e a justiça pelo interesse c pela força. Mais do que isso, declarou o monopólio das águas amazônicas c cerrou o grande rio aos pavilhões estrangeiros, comunicando a proibição do tráfico entre Nova York e portos peruanos, cujo acesso tivesse lugar pelo Atlântico. Ao mesmo tempo o Peru dava um passo para trás e concordava com o exclusivismo do sistema amazônico.

É evidente que a chancelaria americana não aceitou sem protesto a mudança operada na política peruana, reclamando privilégios idênticos aos reconhecidos ao Brasil e para isto invocando, a sua própria convenção, que o Peru acabou por denunciar. Em compensação a Bolívia admitira o bem fundado das reclamações americanas.

A questão, que parecia prometer um rompimento, findou com a prevalência nos conselhos do governo imperial da política fluvial preconizada pelos Estados Unidos. Pelo decreto de 7 de setembro de 1866 o Amazonas e seus afluentes foram abertos à navegação mundial. Carecíamos das simpatias das nações cultas na guerra que empreendêramos contra o Paraguai. Em Í868 o Peru fazia sua a nossa atitude.

Parnamirim, fevereiro de 1918

III

Depois da questão da abertura do Amazonas ao comércio estrangeiro não houve por assim dizer entre os dois países controvérsia alguma importante: algumas diferenças por motivo de jurisdição policial sôbrc tripulações estrangeiras, c outras tantas por motivo da captura de embarcações ou de embarcações dadas à costa. Nem semelhantes diferenças assumiriam um tom irritante se o Ministro Webb não quisesse pautar seu proceder pelo do seu predecessor Wise. não dando tréguas à nossa habitual preferência pelos métodos dilatórios.

A guerra civil americana deu origem a vários incidentes dentro da esfera da neutralidade. Os corsários da Confederação estendiam suas proezas a todas as águas e suscitavam naturalmente pendências das quais a do Alabama, com a Inglaterra, ficou memorável. Esse famoso corsário fêz por um momento base de suas operações a Ilha de Fernando de Noronha. Se quebras de neutralidade houve por parte do Brasil, foram independentes do nosso propósito. A captura do vapor confederado Flórida pelo navio de guerra federal Wackusett no porto da Bahia foi, porém, um ato deliberado, pelo qual o Governo americano deu as necessárias satisfações.

Aos Estados Unidos não foi agradável o reconhecimento, por parte do Brasil, do Império mexicano fundado por Maximiliano de Áustria, e o Sr. Hodges atribui esse passo diplomático ao desejo ou antes à necessidade de agradar à França, cujo Governo embargara a saída do couraçado Brasil do estaleiro de construção, invocando sua neutralidade na guerra por nós movida contra o Paraguai. Não foi tanto por isso, como porque a idéia de uma respeitável monarquia hispano-americano ao sul dos Estados Unidos, geograficamente colocada como um dique, não podia deixar de sorrir ao Brasil. Em primeiro lugar, tratava-se de uma potência latina a contrabalançar uma potência anglo-saxônica, e depois, aquela era de então por diante uma monarquia a fazer companhia à outra, que não se sentia à vontade no seu isolamento imperial. A nossa chancelaria aplaudia a visão larga que Napoleão III se atribuía.

A França partilhava da má vontade que havia para com o Brasil pelo que era considerado uma agressão do forte contra o fraco, e o Sr. Hodges nota que da parte dos Estados Unidos existia a mesma má vontade, por idêntico motivo. Apenas acha o Sr. Hodges que os Estados Unidos colocavam mal sua simpatia, porque era de fato Lopez quem encarnava na América do Sul a praga do militarismo, perigoso para todo o continente meridional, e quem representava a ameaça de destruição do equilíbrio platino, que o Brasil zelava. Nós também tínhamos — se é que já não temos — o nosso balance of power.

No decorrer da Guerra do Paraguai, os Estados Unidos por mais de uma vez ofereceram sua mediação, recusando-a polidamente a Tríplice. Escreve o Sr. Hodges que aquele oferecimento não deixava todavia de ser um quase nada irritante porque o Brasil estava decidido a fazer a guerra to a finish. E guerra de extermínio ela foi. O Brasil assegurava, e provou, não ter intuitos de conquista: apenas tinha desígnios políticos, que reclamavam sua segurança e sua grandeza.

Depois das guerras — a nossa e a dos Estados Unidos, a de Secessão, que foi formidável — entrou-se na era da política comercial. Foi Blaine quem deu forma ao pan-americanismo prático, convocando a conferência de 1889, mas foi Hamilton Fish, secretário de Estado do Presidente Grant, quem iniciou o movimento, prece-dendo-o de uma exposição dos intuitos não agressivos da Doutrina de Monroe, conveniente para chamar as outras repúblicas a um intercurso mercantil mais íntimo.

Destarte se entrou no Brasil no caminho da inteligência política de hoje, depois de desenvolvidas as relações econômicas. Naturalmente, com a política comercial tomou pé a questão da reciprocidade, a saber, a equivalência do tratamento aduaneiro.

Reclamaram os Estados Unidos um regímen de favor, no co-‘ mêço porque suas exportações para o Brasil andavam estacionárias, ao passo que cresciam as importações do Brasil; mais tarde, quando essa condição se modificou, porque nas suas alfândegas não eram cobrados impostos sobre matérias-primas vindas do Brasil, onde os artigos americanos suportavam as taxas comuns. Nunca se chegou entretanto a represálias, mesmo porque o Brasil admitiu o bem fundado da reclamação americana. Por seu lado, abstiveram-se os Estados Unidos de precipitações no aplicar-nos a retaliação. O doutorando de Stanford, cuja tese tenho analisado, observa que os Estados Unidos nunca perderam o ensejo, se possível, de promover seus interesses econômicos por meio de sagazes atos políticos.

Deu-se o caso com a proclamação da República. A legação americana, descrevendo um ano antes a chegada de Dom Pedro II da Europa, comentava para Washington que "a espontânea e grandiosa recepção não tivera jamais igual na história do país". Dias depois do 15 de novembro, já o Ministro Adams insistia com o secretário de Estado Blaine para que fosse logo reconhecido o novo governo "por causa das relações futuras".

A personalidade de Dom Pedro II impunha-se ao respeito dos Estados Unidos, mas a homogeneidade republicana das Américas era um achado. O Presidente Harrison fêz logo notar ao Congresso que o único governo monárquico independente do Novo Mundo desaparecera diante do princípio republicano. A mudança envolvia, pois, um prazer político sobre o qual não havia discussão possível. Uma monarquia, mesmo democrática, como era a nossa, era uma falha no pan-americanismo. O Sr. Hodges assim remata a sua tese:

A abolição da Monarquia no Brasil foi era todo sentido vantajosa às relações dos Estados Unidos. Não se pode, por mais que se o reconheça, exagerar o grande serviço prestado ao Brasil pelo regímen imperial, oferecendo-lhe uma transição pacífica do estado colonial para o estado independente. A influência consolidadora da Monarquia fortificou, enquanto durou, a autonomia brasileira. Também a própria natureza dessa Monarquia no seu início mais ou menos a distanciava da esfera dos esforços diplomáticos dos Estados Unidos, ao tempo em que foi formulada a Doutrina de Monròe. Finalmente a estabilidade do governo imperial era grata aos Estados Unidos. O futuro da América está porém com o povo e suas instituições representativas. A esperança de um qualquer sistema americano necessitava a remoção da Monarquia brasileira como uma força oculta de isolamento e diferenciação política. A remoção de tais fatores é evidente que interessava profundamente os Estados Unidos.

O ponto-de-vista americano está aí bem explicado.

Parnamirim, fevereiro de 1918

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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