A DOUTRINA DE WILSON

Oliveira Lima

A DOUTRINA DE WILSON

Por mais que isto pareça extraordinário, mesmo aos que sabem alguma coisa de História Americana e estão acostumados a lidar com os problemas do Novo Mundo, são os democratas que estão dando à Doutrina de Monroe uma amplitude tal que já quase se lhe pode chamar a doutrina Wilson. Quando quase todos pressagiavam um período de retraimento na política exterior dos Estados Unidos, rimada pelos versículos bíblicos entoados pelo secretário de Estado Bryan e psalmodiada pelo presbiterianismo do chefe da nação, as cir cunstâncias, os acontecimentos sobretudo do México determinaram a aparição de uma corrente imperalista com suas cabeceiras na mo ral, e ainda mais fluente e volumosa do que a anterior, que tinha suas nascentes no interesse.

Para usar da expressão feliz de que se serve a respeito um meu correspondente de Washington, a nova política parece inspirada pol um temperamento de mestre-escola, dogmático e cabeçudo. E o caso é que o mestre faz escola.

Só se ouve com efeito falar em projetos de intervenção e de pro-tetorado, e não parece existir outro propósito senão o da cubaniza-ção do México, da América Central e dos países da América Meridional banhados pelo Caribe.

É natural que nestas condições se haja afrouxado a fórmula da velha Doutrina de Monroe, que Roosevelt procurara rejuvenescer dentro das mesmas linhas, e que se tende dar ao princípio tradicional um aspecto característico das atuais condições americanas.

Escrevia-me há poucos dias um professor de História de uma das Universidades da Nova Inglaterra que a Doutrina de Monroe estava sendo tema de geral discussão nos Estados Unidos, que alguns, como o Professor Hiram Bingham, de Yale, a consideravam um tropeço à expansão pacífica da nação, mas que a maioria concordava na sua manutenção, apenas com a necessidade de oferecer-lhe uma base diversa da primitiva.

Nessa Universidade, de onde me escrevia o aludido professor, reunira-se mesmo uma conferência de intelectuais para discutirem o assunto, num debate que repercutiu em clubes econômicos dessa seção do país — entre eles o de Boston — e que se espraiou até às controvérsias entre colégios universitários.

A conhecida doutrina já não satisfaz decididamente o público, que mostra preferência pelo fundamento pan-americano. Como é sabido, a doutrina era unilateral e trata-se de torná-la comum e federal. Também os tempos mudaram, c o domínio territorial, efetivo e arraigado, deixa-se comodamente substituir pelo açambarcamento mercantil, não menos efetivo e arraigado. Se não descobre mais ensejo de defender a América Latina contra agressões européias, muito menos contra anexações e incorporações, surge semprelo ensejo de assegurar o monopólio da tutela econômica dos Estados tinidos.

Esta vestimenta comercial, servindo-lhe de fundo de côr a rica seda da moral, é a que está sendo posta na doutrina com prejuízo da anterior, mesmo porque esta outra forma era em demasia agressiva para terceiros na sua proibição de extensão de preponderância política, emprestando caráter ofensivo a uma atitude que não devia ser mais do que defensiva.

A velha doutrina salvou de fato a América da sorte contemporânea da África, assenhoreada por nações mais ativas ou mais es-

pertas do que as que primeiro se aventuraram a descobrir as terras ignotas; mas é preciso que semelhante garantia se não tenha verifi-cado para colocar todo o continente duplo sob a proteção de uma só bandeira, a pretexto de possuírem os Estados Unidos direitos especiais sôbre a América Latina e de caber-lhe esta inteira "esfera de influência".

Ê sobretudo preciso, como não cessa de acentuar na sua inde-fectível propaganda da paz o chanceler David Starr Jordan (nos Estados Unidos e na Inglaterra dão esse título aos presidentes ho-norários das universidades) que uma doutrina originariamente de paz, pois foi formulada para evitar conflitos, se não transforme numa doutrina de guerra, isto é, que seja preciso sustentar por meio de guerras.

Por isso essa personalidade americana de grande autoridade moral confirma e apoia, numa publicação recente da World Peace Foundation, a sugestão por mim feita num discurso pronunciado em Nova York, de transformar a declaração do Presidente Monroe num princípio de direito público americano.

Escreve êle textualmente:

O Dr. Manoel de Oliveira Lima, notável estadista do Brasil, declarou recentemente que a América do Sul £ absolutamente infensa à Doutrina de Monroe na sua forma atual e sugere que tal doutrin* seja convertida, de um decreto exclusivo dos Estados Unidos, num princípio pan-americano. Por que não? Isto associaria à Doutrina de Monroe à doutrina de Calvo e à doutrina de Drago num princípio amplo e racional, aceitável a quantos realmente diz respeito.

Nós devemos ser bastante francos, bastante generosos, bastante isentos de preconceitos para renunciar neste campo à nossa direção nacional em benefício do bem-estar geral do continente. Se a nossa Doutrina de Monroe nua e crua, grosseira e acre, é uma causa de guerra, mui fácil será agir de nossa parte, transformando-a numa causa de paz. E o meio de realizá-lo foi bem indicado por aquele homem de Estado do Brasil.

Penso ser o mais que poderemos fazer — despojar a doutrina da sua feição egoísta, suprimir-lhe as veleidades de um domínio humilhante para o resto da América, e neste caso mesmo é necessário que a intervenção se não possa escudar com razões morais, como as que no México se estão indubitavelmente associando com as razões de interesse internacional público e privado.

Quanto a escapar a América Latina ao predomínio econômico da América Saxónica, não vejo muito o meio disto suceder. Entre ricos e pobres, são os ricos fatalmente que dirigem os negócios. As indústrias americanas estão atingindo uma superprodução à qual é mister dar vasão e o processo tanto reside na livre entrada das matérias-primas e produtos tropicais quanto na posse das vias marítimas e terrestres do continente, os canais e as estradas de ferro com o sistema dos prêmios e outros favores à exportação nacional.

O Canal do Panamá é o primeiro grande aparelho posto em movimento para reduzir a América do Sul à condição de satélite com a imutabilidade de uma lei natural. Ao longo da costa do Pacífico os Estados Unidos não encontrarão resistência séria nem mesmo no Chile, onde a lenda colocou o espírito forte da América La na pelo fato de aí preponderar o espírito militar.

O molde conservador que fazia a fortaleza do Chile partiu porém e o seu povo, constituído pelo cruzamento do espanhol co o índio, sem mestiçagem estrangeira, isto é, européia, destituída c fixidez no solo pela ausência de uma agricultura organizada, n logrará oferecer resistência bastante a um imperialismo que anuncia ao mesmo tempo econômico e moral, derivado do sen prático e do idealismo da raça.

Recife, janeiro de 1914

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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